14 de fevereiro de 2011 às 9:04h
por Paolo Manzo, em CartaCapital
A Itália de Berlusconi continua encenando um interminável e deplorável espetáculo que a cada dia se enriquece com novas histórias de orgias organizadas pelo premier e outras aventuras sexuais do próprio. O governo está entregue à tentativa de sobreviver graças a uma maioria costurada à base da compra de parlamentares e tramoias variadas, enquanto se cogita de novas leis para garantir a impunidade de Berlusconi. A Itália teve o pífio crescimento de 1% em 2010 e a inquietação reina tanto entre os empresários quanto entre os trabalhadores.
Nesta moldura vale registrar o que escreve uma jornalista alemã, Petra Reski, do semanário Die Zeit, especialista em criminalidade organizada, autora do livro Máfia – Padrinhos, pizzarias e falsos padres, que a editora carioca Tinta Negra acaba de publicar. Segundo o Frankfurter Allgemeine, trata-se do melhor já dedicado ao tema. Como não podia deixar de ser, Silvio Berlusconi cabe também neste enredo.
Outra personagem execrável é o mafioso Vittorio Mangano, pluri-homicida falecido há 11 anos na prisão depois de ter oficialmente exercido a função de cavalariço na residência de campo do premier, em Arcore. Antes disso, havia se destacado nos anos das chacinas e atentados, 1991 e 1992.
Dois juízes assassinados exatamente neste período são os heróis do entrecho, Giovanni Falcone e Paolo Borsellino, colegas no pool antimáfia, ambos responsáveis pelo maxiprocesso que em 1987 condenou 360 mafiosos a 2.660 anos de cárcere. Foi Borsellino quem definiu Berlusconi como “uma das cabeças de ponte na organização mafiosa no Norte da Itália”. Com a palavra Petra Reski, há algum tempo constantemente ameaçada de morte.
CartaCapital: A senhora acompanhou os eventos dos anos de Borsellino e Falcone?
Petra Reski: Sim, em 1989 me transferi para a Sicília, como correspondente da revista alemã Stern. Havia Borsellino e Falcone ainda vivos. Um momento de grande entusiasmo pouco antes da queda do Muro do Berlim, tinha-se a impressão que o curso da história poderia mudar.
Apoie o VIOMUNDO
CC: No entanto, passados mais de 20 anos, falava-se da “Primavera de Palermo”. Qual é seu balanço?
PR: No que se refere à Máfia, infelizmente nada mudou. Pelo contrário. A Máfia tem essa formidável capacidade de se adaptar às mudanças. Num certo sentido até antecipa os tempos em relação aos políticos. Os mafiosos sempre foram muito hábeis em desfrutar a globalização em sua própria vantagem. Eu sou rea-lista, e já depois dos assassinatos de Falcone e Borsellino, em 1992, percebia que a luta contra a Máfia estava declinando. Em 1994, Berlusconi entrou na política, o que foi devastador para a luta contra a criminalidade organizada.
CC: Por quê?
PR: A primeira mensagem que Berlusconi lançou foi: “Chega de associar a Sicília com a Máfia, a Sicília é outra coisa”. Esta é uma mensagem que nas entrelinhas queria dizer: “Vamos parar com essa concentração de luta contra a Máfia”. Uma mensagem devastadora. Conhecendo bem o cenário na Sicília, -ninguém poderia imaginar que algo pudesse ser feito sem a sustentação da Máfia. Quando todas as cidades e os lugarejos da Sicília foram embandeirados por Forza Italia, o primeiro partido com o qual Berlusconi venceu as eleições, em 1994, entendeu-se que ele contava com o apoio da Cosa Nostra. Porque, se você não está com a Máfia, na Sicília, as bandeiras dos partidos são queimadas. Além disso, os ataques que há anos Berlusconi lança contra a magistratura e as instituições favorecem muito a Máfia.
CC: Quem era Mangano?
PR: Naquela época, uma jornalista havia me falado que na casa de Berlusconi vivia um mafioso. Parecia-me impossível, mas comecei a trabalhar no caso e contemporaneamente aparece o papel de Mangano, como conexão entre a Máfia siciliana e um pool de empreendedores da Itália do Norte. Ele era a ponte. Quem descobriu que o cavalariço de Berlusconi na Villa di Arcore era um pluri-homicida foi justamente Borsellino.
CC: A última entrevista televisiva que Borsellino concedeu dois meses antes de morrer falava justamente dos cavalos de Mangano.
PR: Sim, os famosos cavalos, ou melhor, as grandes remessas de cocaína, mas principalmente explica a conexão entre a Máfia siciliana e os empreendedores do Norte, entre os quais Berlusconi. Aquela foi uma mensagem importante, a última da vida do juiz Borsellino.
CC: No seu livro, a senhora entrevista as filhas e a mulher de Mangano.
PR: Sim, e tive a clara sensação de que havia uma mensagem transversal que na realidade elas pretendiam enviar a Berlusconi, quase uma ameaça, como se dissessem “querendo, poderíamos contar toda a verdade”.
CC: Mas Mangano morreu em 2000.
PR: Sim, entrevistei as mulheres da sua família em 1999. Ele se encontrava ainda na cadeia e elas concederam a entrevista por uma razão bastante clara. Queriam que Mangano saísse da cadeia já que estava muito doente. Foi um verdadeiro e próprio spot. As filhas de Mangano eram perfeitamente crescidas na cultura mafiosa. Lembro que Cinzia, a filha do meio, era a mais atrevida. Contou que quando Falcone foi morto estava com um amigo na praia. E este amigo lhe disse: “Agora está tudo acabado”. Ela o interpretou como se tudo tivesse terminado, não para a antimáfia, mas para a Máfia contrária a Totò Riina, que estava associado a Mangano. Percebi, em todo caso, algo como uma chantagem encoberta. Disseram-me várias vezes que lembravam perfeitamente quando almoçavam ou brincavam com o filho de Berlusconi, Piersilvio, hoje na direção do império mass-mediatico Mediaset. Deixavam entender ter uma grande familiaridade com os Berlusconi. E diziam que Vittorio, mesmo tendo recebido pressões por parte dos magistrados, nunca teria falado, enlameando o nome dos Berlusconi, e jamais se tornaria colaborador de Justiça. As moças até trabalharam em Milão numa empresa de limpeza que pertencia a Dell’Utri…
CC: Marcello Dell’Utri, senador, chegadíssimo a Berlusconi, foi condenado em duas instâncias por suas relações com a Máfia.
PR: Encontrei-o durante o processo no Palácio de Justiça, em Palermo. Estava no corredor, me aproximei, mas não quis falar comigo. Além do mais, quando saiu o meu livro na Itália, anunciou uma ação judiciária contra mim. Ameaça descumprida. Berlusconi foi utilizado por Dell’Utri e agora está envolvido até o pescoço. Dell’Utri é a mente do sistema, não Berlusconi.
Comentários
Página 13 » Blog Archive » Berlusconi é o braço entre política e Máfia
[…] Portal Vi o Mundo Download do artigo em formato PDF […]
Orellano Paz
Curioso como o PIG desconhece o mega-movimento "fora Berlusconi" que sacode a Itália.
Onde estão os ardorosos defensores das (im)polutas maifestações do governo italiano contra a posição do Governo Brasileiro no caso Batisti?
Tomaram Doril?
SILOÉ
Collor X Berlusconi, qualquer semelhança será mera coincidência ???
Bertold
…Mas apesar da gritaria da direita e mídia tupiniquim, incluindo os arroubos sobre conhecimento da história italiana sempre bradado pelos "coringas" de Carta Capital, estou seguro de que o Lula fez o certo sobre o caso Battisti e o STF vai enfim referendar sua decisão de mantê-lo aqui. Podem me cobrar depois.
Bertold
Mesmo com toda essa história de terror de estado e crime organizado, Walter Maierovitch e Mino Carta cinicamente insistem na tese de que a Itália sempre se manteve "um estado democrático de direito" e que Battisti cometeu crimes comuns quando lutava junto com outras organizações de esquerda contra o poder das sombras italiano.
Digger
A máfia italiana e a máfia do PIG, não diferem muito!
ZePovinho
Gerson Carneiro!!!Esse Berlusconi desperta meus instintos mais primitivos,quando eu andava pelos cabarés no Rio de Janeiro:
[youtube ZO3g5hMX0Iw http://www.youtube.com/watch?v=ZO3g5hMX0Iw youtube]
Lucio Dias
A direita brasileira e a direita italiana (Cosa nostra e Camorra), ao que parece,
se entendem muito bem. O Battisti corre um risco tremendo!!!
Bonifa
Só houve dois líderes de peso, para o mal mas de peso, na Europa e Estados Unidos durante o nefasto período do neoliberalismo: Tatcher e Regan. De lá para cá, apenas uma plêiade de Bushs, Blairs, Sarcozis e Berlusconis. Obama era uma esperança mas está quase a cair da corda bamba. Não parecem líderes populares autênticos, parecem mais políticos profissionais não muito competentes. Vai ser duro para a Itália se recuperar e recuperar o respeito mundial.
Paolo Amarale
Exemplo de estadista em uma democracia exemplar! Como não confiar na mesma Justiça que condenou o terrorista Battisti? É nação de primeiro mundo, terra que nos legou Médicis e Chiricos! Viva a Itália! Viva a Democracia e a Justiça italianas! Viva Berlusconi!
Marcelo Fraga
"Berlusconi é o braço entre política e Máfia"
Quer dizer então que Berlusconi tem ligações com a imprensa brasileira?
Isso é notícia velha, hehe.
David junior
vou repetir aqui o que já tuitei.Berluscone os que mandam nele e seus acéclas querem fazer do Brasil o quintal da Itália.
Gerson Carneiro
Tenho a impressão de que quem fica falando bobagens contra, e tentando reverter, a decisão do Lula em relação ao Cesare Battisti, ou é muito inocente, ou é muito comprometido.
betinho2
Pois é tchê, agora a Itália está sem saber o que fazer com as milhares de tunisianas que estão indo para lá conhecer o grande capo garranhão..rsrs. O mafioso deve estar feliz com as novas pretendentes..rsrs.
Marcos AC Lopes
Mino Carta precisa ler isso. Olha só para onde querem mandar o Battisti
Marcos C. Campos
Assim explica-se porque nossa midia ama Berlusconi.
M.A.P
Prezado jornalista
O intrigante é o fato de que as recentes manifestações contra Berlusconi tiveram sua origem em PALERMO.
ZePovinho
E a máfia deu apoio aos aliados quando do desembarque na Itália na segunda guerra mundial.E a máfia esteve por trás,junto com os exércitos stay behind,na Operação Gladio dos EUA para cometer atentados e colocar a responsabilidade em ciama da esquerda-conforme nos conta o historiador suiço Danielle Ganser.
O caso Battisti está ligado nesse contexto,muito embora se tente colocá-lo(não se sabe com que interesses) como um crime caso de crime comum.
rezende
A Itália está muito bem.
Berlusconi….
Batisti….
o que mais.?….
Roberto Locatelli
Em sua fase de declínio, cada vez mais a direita está conectada com o crime organizado.
Dizem que, em SP, os demotucanos fizeram um acordo com o PCC. Dizem…
Paulo Villas
O mesmo governo que ameaça o Brasil no caso Batisti com retaliações, não consegue se explicar em casa. Aposto 10 contra 1 que o STF é Berlusconi dêsde pequenininho.
Deixe seu comentário