Recife: O despreparo do policial ao atirar no rosto de manifestante

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Por Felipe Melo

Ontem na pacífica e bela passeata pelo Estelita no Recife… um criminoso de farda faz isso. Não sei se cabe uma denúncia no Viomundo… tiro de bala de borracha, mirando na cabeça e a queima-roupa, tudo porque não conseguiu roubar a faixa… tá tudo documentado. É muito grave!

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abolicionista

O psicotécnico da PM serve para detectar retardados. Se for retardado, entra na corporação.

Re

PM é resquício da ditadura, onde foi criada, e aqui em São Paulo tem praticado uma verdadeira eugenia. Há algo errado com essa corporação – essa generalização não quer dizer que não haja bons PM, estou falando da corporação em si.

FrancoAtirador

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Ao contrário do que refere a Manchete do Post, não é Despreparo, não.
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Os Policiais Militares são Muito Preparados pelo Comando da Corporação,
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com Base na Doutrina da Segurança Nacional da Ditadura Militar (1964-85),
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para Eliminar qualquer Potencial Inimigo Interno que ‘Subverta a Ordem’.
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    FrancoAtirador

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    A LÓGICA DA SUSPEIÇÃO
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    SOBRE OS APARELHOS REPRESSIVOS À ÉPOCA DA DITADURA MILITAR NO BRASIL (*)
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    Por Marionilde Dias Brepohl de Magalhães,
    na Revista Brasileira de História (Vol. 17, Nº 34, SP, 1997)
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    (http://bit.ly/13PcWbS)
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    “Do rio que tudo arrasta se diz que ele é violento.
    Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem.”
    (Bertold Brecht)
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    INTRODUÇÃO
    Para muitos intelectuais que se propõem analisar a ditadura militar no Brasil, a questão da tortura é especialmente destacada; segundo diversos trabalhos, essa prática constituiu o núcleo do sistema repressivo: de uma ação arbitrária por parte de alguns interrogadores, transformou-se em método científico, criteriosamente planejado, com a finalidade de obter informações sobre atividades e/ou indivíduos considerados inimigos internos da nação (1).
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    Através da tortura, garantiu-se também a eliminação de muitos líderes de movimentos de resistência e de oposição, o que permitiu ao regime orientar suas ações sem que precisasse buscar, para suas decisões, qualquer legitimação da sociedade civil.
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    Neste trabalho, procuraremos destacar um outro mecanismo repressivo de que se valeu o regime militar no Brasil, e que em muitos casos demonstrou ser mais eficiente e produtivo:
    a repressão preventiva, que consistia na vigilância e controle cotidiano sobre a sociedade, prática consolidada pela criação do que foi denominado “Comunidade de Informações”.
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    Ao destacarmos este dispositivo, buscaremos contribuir ainda para a compreensão de atores políticos que normalmente são pouco enfatizados pelos estudiosos desta temática: referimo-nos àqueles que, em diversos sistemas políticos e mesmo em diversas relações sociais, não pertencem às elites dirigentes nem aos que a ela fazem oposição, mas demonstraram-se dispostos a colaborar, de forma direta ou indireta, com os poderes instituídos.
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    A COMUNIDADE DE INFORMAÇÕES
    Com o advento da ditadura militar no Brasil, e em nome da “Segurança Nacional”, instalou-se um complexo sistema repressivo para combater a subversão e, ao mesmo tempo, reprimir preventivamente qualquer atividade considerada suspeita por se afigurar como potencialmente perturbadora da ordem.
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    À diferença dos aparatos repressivos preexistentes, em que as unidades de força militares ou policiais guardavam autonomia de ação entre si, este pretendeu consolidar uma estrutura única e coesa, como uma rede inextricável, cujas ações eram coordenadas a partir de um núcleo central, o “Serviço Nacional de Informações – SNI”.
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    Criado em 1964, este organismo subordinou rapidamente todos os outros órgãos repressivos, como os centros de informações das três armas, a polícia federal e as polícias estaduais.
    Para integrá-los e harmonizar suas ações, criou-se o “Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna, DOI-CODI”, uma instituição tornada oficial em 1970, que aglutinava representantes de todas as demais forças policiais. Dotada de recursos financeiros e tecnológicos, suas atividades eram estrategicamente planejadas e orientadas pela lógica da disciplina militar, com vistas a enfrentar o que seus próprios agentes entendiam como uma “guerra revolucionária”.
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    A seleção de pessoal para o exercício de funções repressivas submetia-se a um conjunto de critérios cuidadosamente elaborado, seguindo uma rígida hierarquia: no topo da pirâmide situava-se o presidente da República e como seu ‘staff’ para assuntos de segurança, o Conselho de Segurança Nacional e a equipe executiva do SNI.
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    A este organismo subordinavam-se os órgãos de repressão alocados em todas as regiões do país, cada um deles coordenado por um militar.
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    Para assessorá-lo, contrataram-se “analistas de informações”, concebidos como a elite do sistema;
    estes subsidiavam seus superiores com dados e informações já processados e recomendavam programas e planos de ação. Para tanto, tinham de freqüentar cursos ministrados pela “Escola Nacional de Informações – EsNI”, uma instituição cujos currículos foram delineados com o apoio técnico de profissionais ligados às áreas de segurança da Inglaterra, França, Alemanha e Estados Unidos.
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    No estrato intermediário situava-se o interrogador, função que se dividia em duas atividades: a de responsável direto pelos interrogatórios e a de monitor.
    Este se escondia atrás de um espelho falso para observar o andamento do interrogatório e, por meio de um aparelho de transmissão, sugeria perguntas, técnicas de intimidação, hora de interromper a sessão, etc.
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    Segundo o depoimento de um militar que realizou um curso sobre técnicas de informações no Panamá,
    “Os interrogatórios, em geral, eram feitos por pessoal mais especializado, e uma das técnicas utilizadas era fazer cansar o interrogado. Por exemplo, começa-se o interrogatório às duas horas da tarde e, às cinco horas da manhã seguinte, o indivíduo ainda está sendo interrogado. (…) Em todos os cursos de informações aprende-se a fazer isto. Uns chegam e ameaçam: ‘Você vai sofrer punição por isso’. Aí, o outro diz: ‘Não, eu sou seu amigo. Ele é muito bruto, muito nervoso’. Então procura ser amigo do interrogado para colher informações. Quando fica padrinho, amiguinho, chega outro mais violento, mais zangado: ‘Nada disso, você tem de dizer a verdade. O que ia fazer com o fulano?’ Dali a pouco aparece outro. Então, faz-se ele repetir vinte vezes a mesma coisa” (2).
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    Abaixo dos interrogadores, com uma formação menos especializada, estavam os captores – policiais responsáveis pelo aprisionamento dos suspeitos -, o pessoal administrativo e o de carceragem (3).
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    Em paralelo a estas atividades, e exercendo um maior ou menor poder de influência sobre aqueles, estavam os informantes, aos quais podia-se, de acordo com sua competência, delegar também a função de analista, interrogador ou captor.
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    Para efeitos de confiabilidade, estes homens denominados “fontes” eram classificados segundo uma escala de seis níveis:
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    “Há seis níveis de fontes e seis graus de veracidade do informe: A,B,C,D,E,F e 1,2,3,4,5,6. Um informante A1 é um informe de uma fonte sempre idônea e com grande probabilidade de verdade. (…) Se o informe é F6, significa que não pode se saber a idoneidade da fonte, pode ser de um maluco qualquer (…) O grosso caía no C. Quer dizer, fonte razoavelmente idônea e o informe tem possibilidades de ser verídico. O trabalho do analista é juntar tudo numa pasta ou, agora, num computador, e fazer uma análise (…) o que ele dá ao chefe do escalão e com o máximo que pode alcançar de precisão” (4).
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    Geralmente, o agente do tipo ‘C’ era do próprio exército, na maior parte das vezes um sargento formado pela EsNI, o qual, vestido à paisana, infiltrava-se nos mais diversos locais para coletar o maior número possível de dados.
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    Os agentes do tipo ‘D’, ‘E’ e ‘F’ eram, em sua maioria, informantes eventuais (remunerados ou não) ou informantes “espontâneos”, vale dizer, pessoas que possuíam certa cumplicidade com o regime e que voluntariamente se dispunham a cooperar, fosse por convicção, fosse para receber algum apoio de caráter pessoal.
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    A técnica de infiltração consistia em suspeitar, em princípio, de todos, coletar e arquivar quaisquer dados obtidos e entregá-los, por escrito, à polícia.
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    Ali estes seriam classificados com palavras-chave extremamente sugestivas, por caracterizarem uma gradação em que se colocava num extremo o inimigo mais perigoso, e em outro, aqueles que estariam, provavelmente, dispostos a cooperar.
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    Obedecendo a esta ordem, cite-se um exemplo desta técnica de arquivamento: “terrorista”, “fanático comunista”, “esquerdista” ou “socialista”, “subversivo”, “autor de atos indiretamente subversivos”, “inocente útil”, “idôneo” ou “confiável”.
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    Além de aumentar a eficiência do processo repressivo, os informes obtidos podiam também assumir um papel preventivo, uma vez que instruíam os poderes sobre as tendências, em cada microconjuntura, dos movimentos de oposição.
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    Esta prática adquiriu relevância após 1968, quando os militares assumiram uma posição mais profissional, se assim podemos dizer, com relação às técnicas de repressão. Segundo o depoimento de um militar que foi chefe do SNI nos anos setenta, a tortura devia ser preterida em favor da “infiltração” pelo menos por dois motivos:
    primeiro, por macular a imagem do governo e,
    segundo, porque os próprios suspeitos já haviam desenvolvido
    uma certa experiência que lhes permitia driblar os interrogadores (5).
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    Isto se confirma no trecho de um relatório do SNI, redigido em 1969:
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    “Os subversivos têm se negado, cada vez mais, a dar quaisquer informações.
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    Os últimos elementos detidos, apesar de submetidos aos mais cerrados interrogatórios, negaram-se a declarar até o próprio nome. Decorrido um determinado tempo, falam sem problemas, mas porque este é o tempo demarcado para que os demais companheiros saiam dos seus aparelhos” (6).
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    Se a tortura tinha ainda alguma utilidade, conforme um militar que esteve à frente do DOI-CODI entre 1972 e 1974, era no sentido de intimidar aqueles que não estavam preparados para aquela guerra:
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    “O medo é o grande auxiliar do interrogatório. Os ingleses, por exemplo, recomendam que só se interrogue o prisioneiro despido porque, segundo eles, uma das defesas do homem e da mulher é a roupa, e tirando a sua roupa, fica-se muito agoniado, num estado de depressão muito grande.
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    Depois (de um interrogatório) grande parte abandona suas atividades e retorna à boa vida de pequeno burguês. (…) Os frios, evidentemente que não. Esses eram muito estruturados, muito rancorosos, e só pensavam na volta, no troco. Quando liberados, retornavam ao grupo terrorista” (7).
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    Daí se depreende que a tortura, além de servir como técnica para obter algumas informações, funcionava também como instrumento para desmobilizar as oposições por meio da intimidação, atingindo não apenas aqueles que eram a ela submetidos, mas também, e talvez principalmente, os grupos e movimentos de que faziam parte tais indivíduos, uma vez que a experiência com os interrogatórios era transmitida aos demais.
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    Já a infiltração, levada a efeito pelo informante (remunerado ou espontâneo, profissional ou amador) era uma prática sigilosa que, ademais, arregimentava indivíduos dispostos a colaborar, fosse para obter algum proveito pessoal ou porque, devido a propaganda, acabava por identificar-se com o regime.
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    A seguir, procuraremos entender os vínculos que se formaram entre os informantes e a cúpula do sistema.
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    A FABRICAÇÃO DO INFORMANTE
    No que se refere aos aparelhos repressivos, pode-se detectar alguns mecanismos, discursos e procedimentos que se inspiraram, seguramente, em experiências totalitárias [Nazi-Fascistas], notadamente a experiência da propaganda política e o emprego do terror…
    Não estamos nos referindo à propaganda do governo sobre suas intervenções oficiais na esfera pública, que eram veiculadas nos jornais de consumo difundido (9).
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    Também ela se afigurava como um recurso para a ampliação das bases de apoio ao regime, mas não era neste espaço, obviamente, que os militares buscavam conquistar colaboradores para as práticas repressivas.
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    Referimo-nos a uma propaganda de alcance restrito, dirigida a uma pequena parcela da população por meio de documentos sigilosos, que eram dados a conhecer segundo a confiabilidade que o regime dispensava aos receptores, e que possuía uma finalidade mais organizativa.
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    Para entendermos esta máquina de propaganda recorramos, primeiramente, ao historiador Pierre Ansart que, analisando as diferentes feições do trabalho ideológico, instância em que é operada não a violência física, mas a violência simbólica, distingue três campos a partir dos quais os discursos são elaborados:
    “a ortodoxia apoiada”, que é alcançada pela difusão de mensagens aceitas, na maioria das vezes, de forma espontânea;
    “a ortodoxia consentida”, que significa uma forma organizada e sistemática de inculcação e controle sobre a opinião pública,
    e “a ortodoxia terrorista”, em que os discursos racionais são substituídos por uma linguagem prenhe de mitos, com o objetivo de garantir total obediência aos poderes oficiais.
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    Neste nível, os indivíduos deixam de ser meros receptores das mensagens, e passam à condição de entusiastas defensores da ‘verdade’ (10).
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    Sob um regime autoritário, torna-se imprescindível aos poderes oficiais, além de difundir certezas, inculcar em seus governados que os valores transmitidos pelo discurso ideológico podem e devem ser representados pelos detentores do poder – apresentados não somente como governantes, mas como “protetores da nação”.
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    A relação que se procura estabelecer é semelhante àquela mantida com o “pai severo”, porém “protetor”. Esta depende, no entanto, de um sentimento de identidade, de ser parte de uma comunidade afetiva (a grande família, a nação, a pátria), cultuada como um ente acima de quaisquer interesses privados.
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    A sacralização de imagens como a bandeira, a pátria, o hino nacional, a própria história, subjaz, com maior ou menor intensidade, em todos os sistemas políticos, e pode explicar a dimensão afetiva da submissão.
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    Por estas razões, os poderes instituídos, mesmo num regime autoritário, elaboram uma série de mensagens que visam senão o total apoio da população, pelo menos a sua tolerância.
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    Orientados por esta tipologia, parece-nos plausível afirmar que o governo militar buscou, recorrentemente, o apoio ou o consentimento da população por meio de sua propaganda oficial.
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    Mas no que se refere aos “homens de confiança”, o trabalho ideológico pautou-se, segundo nosso entendimento, na ortodoxia terrorista. Pois, neste nível, segundo Pierre Ansart,o terror ideológico designa o inimigo, que passa a ser visto como o outro da verdade, e transforma-o em um objeto a ser destruído.
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    Com esta linguagem,
    “A ideologia oferece bem mais do que uma identificação com a lei, oferece a exaltante identificação na submissão a uma força pronta a enfrentar a violência. O apelo faz de cada qual um ser que se ultrapassa a si mesmo, arrebatado à mediocridade do cotidiano, vencendo o medo inculcado pela cumplicidade com o déspota. O membro do grupo legitimado é obscuramente chamado a se identificar com o agente da violência e, quando a perseguição se aproximar do sujeito fanatizado, a fronteira entre a identificação com o herói e a interiorização do perseguidor se confundirá” (1978, p. 153).
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    A partir destas considerações, podem ser detectados os vínculos existentes entre a violência simbólica e a violência física.
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    Para os funcionários ou colaboradores da repressão, o inimigo é apresentado, cotidianamente, como dotado de uma força demoníaca, contra quem não adianta querer combater ou controlar, mas impõe-se destruir, para que assim, e só assim, seja garantido o bem-estar da sociedade.
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    Ainda que oculto ou mesmo desconhecido, o inimigo é citado cotidianamente como sempre pronto a atacar.
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    A linguagem empregada para designá-lo (‘perigoso’, ‘fanático’, ‘terrorista’, etc.) desperta, por sua vez, sentimentos paranóicos na sociedade, o que provoca em muitos a disposição à violência.
    Esta linguagem pode ser encontrada com uma clareza meridiana nos relatórios e instruções do SNI à época do regime militar no Brasil, como por exemplo no seguinte texto, distribuído sob forma de panfleto:
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    “Decálogo da Segurança
    1 – Os terroristas jogam com o mêdo e o pânico. Somente um povo prevenido e valente pode combatê-los. Ao ver um assalto ou alguém em atitude suspeita, não fique indiferente, não finja que não viu, não seja conivente, avisa logo a polícia. As autoridades lhe dão todas as garantias, inclusive do anonimato.
    2 – Antes de formar uma opinião, verifique várias vezes se ela é realmente sua, ou seja, se não passa de influência de amigos que o envolveram. Não estará sendo você um inocente útil numa guerra que visa destruir você, sua família e tudo o que você mais ama nesta vida?
    3 – Aprenda a ler jornais, ouvir rádio e assistir TV com certa malícia. Aprenda a captar mensagens indiretas e intenções ocultas em tudo o que você vê e ouve. Não vai se divertir muito com o jogo daqueles que pensam que são mais inteligentes do que você e estão tentando fazer você de bobo com um simples jogo de palavras.
    4 – Se você fôr convidado ou sondado ou conversado sobre assuntos que lhes pareçam estranhos ou suspeitos, finja que concorda e cultive relações com a pessoa que assim o sondou e avise a polícia ou o quartel mais próximo. As autoridades lhe dão todas as garantias, inclusive do anonimato.
    5 – Aprenda a observar e guardar de memória alguns detalhes das pessoas, viaturas e objetos, na rua, nos bares, nos cinemas, teatros e auditórios, nos ônibus, nos edifícios comerciais e residenciais, nas feiras, nos armazéns, nas lojas, nos cabeleireiros, nos bancos, nos escritórios, nas estações ferroviárias, nos trens, nos aeroportos, nas estradas, nos lugares de maior movimento ou aglomeração de gente.
    6 – Não receba estranhos em sua casa, mesmo que sejam da polícia – sem antes pedir-lhes a identidade e observá-los até guardar de memória alguns detalhes: número da identidade, repartição que expediu, roupa, aspecto pessoal, sinais especiais, etc . O documento também pode ser falso.
    7 – Nunca pare seu carro solicitado por estranhos, nem lhes dê carona. Ande sempre com as portas de seu carro trancadas por dentro. Quando deixar o seu carro em algum estacionamento ou posto de serviço, procure guardar alguns detalhes das pessoas que o cercam.
    8 – Há muitas linhas telefônicas cruzadas. Sempre que encontrar uma delas, mantenha-se na escuta e informe logo a polícia ou o quartel mais próximo. As autoridades lhe dão todas as garantias, inclusive do anonimato.
    9 – Quando um novo morador se mudar para o seu edifício ou para o seu quarteirão, avise logo a polícia ou o quartel mais próximo. As autoridades lhe dão todas as garantias, inclusive do anonimato.
    10 – A nossa desunião será a maior fôrça de nosso inimigo. Se soubermos nos manter compreensivos, cordiais, informados, confiantes e unidos, ninguém nos vencerá” (11).
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    Observa-se aí uma linguagem típica da ortodoxia terrorista: segundo o panfleto, a sociedade brasileira está dividida entre algozes e vítimas.
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    E a única forma de defesa é a cooperação com o regime, que se apresenta como autoridade protetora da nação.
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    Todos eram convidados a participar da “Comunidade de Informações”, suspeitando de tudo e de todos que os cercassem, como que movidos por um sentimento de ameaça permanente. Como um interrogador que tem diante de si um espelho falso que lhe permite ver sem ser visto, as atividades do informante devem se tornar invisíveis para a sociedade, tanto quanto para os poderes oficiais, que lhe garantem o anonimato.
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    Só assim ele pode exercer um poder efetivamente produtivo: o de orientar o governo à ação. Pois que o inimigo jamais descansa, está sempre ali e acolá, mudando de tática, aliciando pessoas, incitando à desordem.
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    Suspeite-se, por exemplo, do tráfico de entorpecentes. Este não é um crime comum, uma vez que
    “é muito fácil conquistar o país com a utilização de tóxicos. Estes afetam a masculinidade dos moços e fazem as moças perderem seu instinto de defesa moral. Por isto são um perigo real, um mal que se alastra (…) trata-se de um plano para enfraquecer a nação, um plano subversivo” (12).
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    Suspeite-se dos estudantes quando participam de passeatas, momento em que são instigados a desacatar as autoridades policiais, “com o objetivo muito claro: de produzir uma vítima, o que lhes permitirá criar um clima de comoção social a seu favor” (13).
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    Suspeite-se até mesmo de brincadeiras aparentemente inocentes, como o trote dos calouros nas universidades, o que é compreendido como uma tática de aliciamento dos subversivos, pois
    “No momento do trote (…) raspam-lhes os cabelos, fazem-nos desfilar com cartazes contendo palavras obscenas, pintam-lhes o rosto para que pareçam palhaços, ensinam-lhes a desacatar as autoridades, para que depois, enfraquecidos espiritualmente, estes adolescentes encontrem no líder estudantil um dominador capaz, um substituto de seu pai…” (14)
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    Suspeite-se dos hospitais, que podem estar tratando de subversivos feridos sem comunicar nada às autoridades, das livrarias que clandestinamente vendem livros subversivos, do ‘rock and roll’, esta música eletrizante, e portanto subversiva, dos advogados, jornalistas, professores.
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    E assim, por meio da produção continuada de “notícias” que estão a falar de um perigo iminente, o cidadão comum é convidado a participar da “comunidade de informações”, que lhe dá a um só tempo proteção e sentido para a sua existência, pois pelo menos no momento da delação ele tem a prazerosa sensação de estar exercendo um poder cuja natureza é idêntica à de seu chefe.
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    A FABRICAÇÃO DO MEDO
    Os documentos que foram escritos para orientar a ação dos informantes eram produzidos pelos “analistas de informações”.
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    Tais documentos, pelo que se depreende de sua análise, prestavam-se a uma dupla função: a de assessorar as elites dirigentes do regime e a de produzir material de propaganda dirigida aos informantes.
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    Tratemos de verificar, apesar das limitações impostas pela natureza de nossos documentos, como os informantes “amadores” compreendem essas mensagens, e como aplicam, na prática, suas recomendações.
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    Nossa atenção se dirige, principalmente, para os informantes classificados pelo sistema como ‘D’, ‘E’ e ‘F’.
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    São eles uma fonte duvidosa, porém digna de registro, posto que compartilham dos “ideais da revolução” – homens invisíveis que, ao mesmo tempo em que cooperam com a repressão, constituem uma base de sustentação do regime.
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    Apesar das limitações das fontes de que dispomos (o nome do informante raramente é mencionado, os registros que produz são bastante sucintos, as causas de suas denúncias raramente reveladas, etc.), pudemos detectar, através da leitura de 172 informes, alguns denominadores comuns, e que podem contribuir para a compreensão de suas motivações subjetivas, visões de mundo, personalidade.
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    Além disto, entendemos, como Michel Foucault, que quando se trata de analisar o processo de sujeição em qualquer sistema político, é necessário “captar o poder em suas extremidades, em suas últimas ramificações” (15), pois é nesta instância que ele é efetivamente exercido.
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    Como já foi mencionado, o sistema possuía funcionários e colaboradores de diferentes ‘status’ e com diferentes atribuições.
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    Os informantes ‘D’, ‘E’ e ‘F’ não pertenciam formalmente ao sistema, mas suas informações contribuíam para que a repressão preventiva fosse praticada.
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    Muitos membros deste segmento eram recrutados pelos poderes oficiais entre os quadros do funcionalismo público.
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    Para tanto, sua vida pregressa era avaliada e, após serem considerados confiáveis, eram arrolados como eventuais fontes de informação (16).
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    Tratava-se, de uma certa maneira, de um clientelismo às avessas: se o funcionário não cooperasse, poderia perder alguns benefícios inerentes à sua função, ou pior, tornar-se, ele mesmo, um suspeito.
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    Um outro grupo era composto por membros de entidades e associações da própria sociedade civil, comprometidos com ideologias conservadoras e radicalmente anticomunistas, como por exemplo, a “Tradição, Família e Propriedade – TFP” – grupo ligado à ala ultraconservadora da Igreja Católica, o “Comando Geral Democrático” e o “Comando de Caça aos Comunistas” (17).
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    Prestavam informações espontaneamente, como uma forma de colaboração ao regime.
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    Ao mesmo tempo, sentiam-se representados por aquele governo, como se fossem o partido da situação.
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    Finalmente, os informantes voluntários, cujas origens são mais difíceis de precisar, uma vez que atuavam individualmente, mas que, como os demais, mantinham vínculos de cooperação com o sistema.
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    Como se comportam estes informantes, quais suas expectativas no ato de vigiar e quais suas interpretações sobre esta tarefa?
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    Ao compararmos os registros, cartas, pareceres e formas de inserção no sistema, pudemos constatar diversas semelhanças em seus procedimentos, que podem ser assim caracterizados:
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    “- O informante sempre age sozinho. Seus planos de infiltração, suas desconfianças, os contatos que faz com os órgãos de repressão não são conhecidos por ninguém. Ele não expõe suas opiniões, aliás, o que é de resto opinião pessoal, transforma-se em uma sentença. Mesmo quando não está seguro de sua acusação, sugere que pelo menos o suspeito que ele denunciou seja chamado a prestar esclarecimentos.
    – Seu campo privilegiado de investigação é o seu próprio ambiente de convívio: vizinhos, colegas e amigos são seu objeto de suspeição. Isso se depreende pela intimidade com a qual ele faz referência aos seus suspeitos e pelo conhecimento que demonstra ter dos hábitos mais corriqueiros de cada um deles. E ainda mais: ao denunciar, pede que seu nome não seja jamais mencionado, pois o acusado o conhece, e pode prejudicá-lo ou mesmo persegui-lo. Em alguns casos, justifica sua denúncia por querer o bem daquela pessoa, apresentada como uma vítima nas mãos dos subversivos.
    – Está sempre a sugerir às autoridades outros suspeitos, ou lugares que não estejam devidamente vigiados, armadilhas não descobertas. Faz recomendações e reflexões sobre a sociedade, a economia, a cultura. Além de informar, ele quer participar mais ativamente dos poderes decisórios, quer ser reconhecido pelas autoridades, por quem sempre expressa sua admiração e respeito.
    – Não poucos acabam por revelar, nas entrelinhas, diversos preconceitos, dentre os quais o mais destacado é o racial. O subversivo, quando judeu, por exemplo, merece mais severidade no tratamento que os demais;o polonês ou ucraniano são sempre comunistas (18); o negro, desordeiro. E os estrangeiros, em geral, são qualificados como portadores de idéias estranhas ao sistema.”
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    Ressalte-se ainda o apego à moral conservadora.
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    “- Tanto quanto os analistas de informações, o informante amador associa invariavelmente a subversão à promiscuidade. Cite-se um episódio ilustrativo: mesmo quando uma prostituta denunciou subversivos que queriam contratá-la para manter relações sexuais com um militar e dele retirar informações, seu depoimento não só foi rejeitado como ela mesma foi colocada sob suspeita (19).
    – Às mulheres é dispensado um tratamento diferenciado no ato de informar: se consideradas subversivas, sua vida privada é quase sempre devassada, como se a atividade política fosse uma decorrência de sua moral sexual; se os homens conquistam adeptos para a sua causa por meio de técnicas de propaganda, aquelas se valem da sedução. Amasiam-se, prostituem-se, usam drogas. Pelo conteúdo dos registros, pode-se afirmar que a maioria dos informantes possui um radical desprezo pela mulher subversiva, considerada, a um só tempo, degradada e perigosa. Neste caso, o seu espaço de convívio privilegiado, – o lar, e o papel de esposa e mãe de família, foram sufocados em nome de uma postura agressiva, tipicamente masculina.
    – Aos olhos do informante, a delação mais preciosa é a de um verdadeiro comunista. Quando isto ocorre, ele descreve suas informações de forma extremamente minuciosa, seja para comprovar a veracidade de seu informe, seja para deixar clara a importância de sua descoberta.”
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    Nestes casos, é particularmente interessante observar como a vida pregressa do acusado é cuidadosamente descrita. Enquanto do mero subversivo ou esquerdista são mencionados apenas seus atos, do comunista impõe-se esquadrinhar toda a sua história.
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    Esta prática nos aproxima de uma importante reflexão de Michel Foucault, quando ele analisa a figura delinqüente: o delinqüente, conceito elaborado pelas instituições penais no século XIX, é um criminoso que existe antes mesmo do seu próprio crime, uma vez que traz consigo tendências psicológicas que o predispõem ao delito.
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    “À medida que a biografia do criminoso acompanha na prática penal a análise das circunstâncias, (…) vemos os discursos penal e psiquiátrico confundirem suas fronteiras: e aí, em seu ponto de junção, forma-se aquela noção de indivíduo perigoso que permite estabelecer uma rede de causalidade na escala de uma biografia inteira e estabelecer um veredicto de punição-correção” (20) .
    .
    Esta observação nos parece fundamental e passível de ser aplicada aos dias atuais. Mesmo que se trate de uma categoria identificável também em regimes não-autoritários, a designação de um determinado grupo como “elemento perigoso” suscita sentimentos de rejeição e medo, passíveis de serem instrumentalizados politicamente por diversos organismos, sejam ou não de caráter oficial.
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    Desta maneira, atribui-se responsabilidade pela desordem a mendigos, menores de rua, trabalhadores imigrantes, pessoas de outra etnia ou quaisquer outros, de acordo com os diferentes contextos políticos de cada sociedade.
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    No período da ditadura militar, mais do que em qualquer outro,
    o comunista representou esse “elemento perigoso”, perturbador e nocivo;
    no limite, alguém possuído por forças malignas e incontroláveis.
    Um elemento a quem se devia temer.
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    Tal sentimento foi seguramente experimentado pelo informante,
    um medo que se demonstrou tão ou mais mobilizador do que suas convicções políticas.
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    Ao lado de sua fidelidade a idéias, do comportamento arrivista quando estava em causa a possibilidade de uma ascensão profissional, ou, ao contrário, o receio de perder o emprego, não se pode desconsiderar os traços de medo que se refletiam em seus escritos: o medo da retaliação, de ser descoberto como delator, da desordem, do poder, enfim, o medo que o fantasma da subversão lhe provocava.
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    Por isto, o sistema, que ao apostar na ciência para criar uma máquina repressiva desprovida de qualquer subjetividade teve de conviver, para seu desgosto, com homens que denunciavam seus chefes, suas ex-esposas, seus vizinhos, o próprio governo, e não poucas vezes, outros informantes: denunciavam todos a quem temiam.
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    O medo do outro, entendido como detentor de um poder absoluto provoca, em seus extremos, atitudes que desfazem as fronteiras entre realidade e fantasia, esfera pública e privada, passado e presente.
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    Como se pode verificar num exemplo-limite que nos chamou a atenção justamente pela sua incongruência:
    trata-se de uma carta bastante sugestiva, de oito páginas, escrita à mão, em que um informante espontâneo, após arrolar 22 nomes e descrever detalhadamente as atividades de cada um, codinomes, hábitos cotidianos, motivo de suas suspeitas e supostos endereços, termina pedindo como retribuição pelo serviço ao regime que as autoridades o protejam de seu próprio pai:
    “um homem terrível, confidente secreto de Salazar, amigo de Hitler, nazista e comunista … amigo do governador do Estado do Amazonas, em nome de quem presta favores a subversivos, como a seu próprio irmão, um padre que treina jovens para a guerrilha …”
    um homem que o chamava de retardado durante a sua infância, e que ele solicita que seja, “finalmente, castigado” (21).
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    Não pretendemos com esta última citação concluir pela ineficiência do sistema. É bem provável que cartas como esta fossem ignoradas, apesar de arquivadas, como “a de um louco qualquer…”, conforme aludiu Adyr Fiúza de Castro (22).
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    Ela é importante para a nossa análise à medida que revela as expectativas e sentimentos que determinados indivíduos nutriram pelo regime, este “bom pai” alternativo à sua experiência de infância.
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    E para demonstrar que mesmo os informantes que faziam uso do sistema para manifestar seus ódios pessoais podiam ser úteis, em alguma medida, à “Comunidade de Informações”. Afinal, eles faziam parte de uma cadeia cujas ações eram propositadamente segmentadas e hierarquizadas, como num sistema “taylorista”, o que permitia que nenhum agente tivesse plena responsabilidade ou mesmo consciência dos resultados de suas ações.
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    E é justamente esta técnica que nos leva a identificar o caráter produtivo da suspeição praticada tanto por “profissionais” como por “amadores”, bem como sua semelhança com as técnicas de divisão de tarefas adotada nos sistemas carcerários da Alemanha nazista.
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    Neste caso, racionalidade e irracionalidade se confundem, conformando personalidades, gestos e palavras plenamente solidárias à prática da violência política.
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    NOTAS
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    (*) Tema originalmente apresentado no III Congresso da BRASA – Brazilian Studies Association,
    em Cambridge, Inglaterra, setembro de 1996.
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    (1) ARQUIDIOCESE de São Paulo. Brasil; nunca mais. Petrópolis: Vozes, 1985, p. 32.
    (2) João Paulo Moreira Burnier. In: D’ARAÚJO, Maria Celina et all. Os anos de chumbo. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994. p. 207.
    (3) Adyr Fiúza de Castro. idem, p. 62 e ss.
    (4) Idem, p.47
    (5) Carlos Alberto da Fontoura. idem, p. 91 e ss.
    (6) Departamento Estadual de Arquivo e Microfilmagem do Paraná – DEAP/Departamento de Ordem Política e Social – DOPS, Pasta SNI.
    (7) Adyr Fiúza de Castro. In: D’ARAÚJO, Maria Celina et all. Os anos de chumbo. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994, pp. 64-66.
    (8) A este respeito ver especialmente TRINDADE, Hélgio. “O radicalismo militar em 64 e a nova tentação fascista”. In: SOARES, Glaucio Ary D. e D’Araújo, M. Celina (org). 21 anos de regime militar: balanço e perspectivas. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1994. pp.123-41.
    (9)Cite-se, como um dos exemplos mais importantes,o slogan “Milagre Brasileiro”, termo repetidamente empregado para enunciar o crescimento econômico acelerado por que passou o Brasil no início da década de setenta.
    (10) ANSART, Pierre. Ideologia, conflito e poder. Rio de Janeiro:: Zahar, 1978, p. 112 e ss.
    (11) DEAP/DOPS, Pasta SNI, 1969.
    (12) DEAP/DOPS, Pasta 1547. [ Links ]
    (13) DEAP/DOPS, Pasta SNI, Informe n. 184.
    (14) DEAP/DOPS, Pasta SNI – Contribuição ao conhecimento da guerra revolucionária.
    (15) FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder.4.ed. Rio de Janeiro: Graal, 1984, p.182.
    (16) À guisa de ilustração, cite-se uma lista de 540 nomes de funcionários públicos do Estado do Paraná, enviados ao DOPS pelo SNI para que este órgão selecionasse aqueles que, dada a sua vida pregressa, poderiam estar dispostos a cooperar com o sistema (DEAP/DOPS, 1966 – Pasta 1543).
    (17) Sobre este último grupo, que dada a sua importância, mereceria um estudo mais aprofundado, mencione-se apenas um registro: para os poderes oficiais, segundo o parecer de um analista de informações, mesmo que suas informações sejam úteis ao sistema, tal grupo deve ser colocado sob suspeita, porquanto seus membros querem por si mesmos eliminar os comunistas, além de prejudicarem a imagem do governo, uma vez que suas ações são confundidas, pela opinião pública, com as dos órgãos de segurança (DEAP/DOPS, 1978, Pasta 256).
    (18) Esta observação deve ser interpretada como uma especificidade do Paraná, Estado que recebeu diversos imigrantes destas origens, e que provinham de regiões pobres da Europa, e foram muitas vezes discriminados como elementos de raça e cultura inferiores. À época do regime militar, àqueles preconceitos se somara também a suspeita de subversão, uma vez que seus países de origem ou de seus ascendentes estavam alinhados com o bloco soviético.
    (19) DEAP/DOPS, Pasta 1.547.
    (20) FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1986, p.224.
    (21) DEAP/DOPS. Carta ao Brigadeiro Nelson de Souza Mendes e Coronel Maciel. Assinatura ilegível – 19-10-1972.
    (22) Ver citação n. 4.
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    Rev. Bras. Hist. Vol. 17 n. 34 São Paulo 1997
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    (http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-01881997000200011&script=sci_arttext)
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Roberto

Viomundo, por favor, corrija o título dessa matéria. Isso não é despreparo.
É justamente para isso que eles são preparados!

Urbano

A coisa no Brasil inteiro está marchando para uma situação em que não se saberá o que é joio e o que é trigo, somente. Será a válvula de escape do que passam no quartel???

Julio Silveira

Se essa reportagem fosse no RS, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Brasília, ou qualquer estado da federação, estaria dentro dos mesmos padrões. A problema da (in)Segurança Publica é diretamente proporcional com a falta de seriedade com que o tema é tratado, e por todos os agentes que dele dependem para melhoras, inclusive a mídia que age conforme a própria conveniência politica, podendo abrandar ou calcar fundo nas criticas conforme seus interesses correlacionados com a politica não necessariamente ligados a este tema. A começar pela brincadeira com que tratam das remunerações, baixas, que abrigam e obrigam a desqualificação que cria esse tipo de antiprofissional.
Querer qualidade de policia sueca pagando salários do Haiti não pode ser coisa séria. E a cadeia de outras desqualificações que vem atrás só reforçam as desqualificações que se vê a frente. Esse assunto, como vários no Brasil, nunca foi abordado com sinceridade absoluta, por nenhum governo. Mas principalmente por que a segurança deles, dos governantes, paga pelo contribuinte é muito reforçada, senão por qualidade, por quantidade. Enquanto a cidadania, vive na pela a consequência e fica com a sobra sem quantidade nem qualidade.
Só para reforçar com um exemplo próximo, aqui no RS o secretário de segurança atual chegou a afirmar a população que se defenda da criminalidade. Um comandante da Brigada militar da mesma forma indicou a população de uma cidade metropolitana que se virasse e contratasse segurança privada, aliás atitude honesta e franca que lhe expos face a sua mais completa falta de meios. Enquanto um Brigadiano ganhando R$600,00 por mês, enfiavam o cassetete nos funcionários do estado, em sua maioria professores, que foram a Assembleia tentar cobrar seu pagamento integral, o governador “por descuido” deixou de se incluir entre aqueles que eram exigidos sacrifícios pela incapacidade financeira do estado.
Isso que em campanha o atual governador já havia sido flagrado em filmagem que seria assim, aos risos junto aos seus. E ainda assim se elegeu. Por que quis se eleger? Como se elegeu? Quem o elegeu? E, como foram elegê-lo? Coisas para se pensar, diante de uma situação que já era do conhecimento de todos a longa data.

Ozzy Gasosa

Policial Covarde!

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