Fazenda paulista poderia ter evitado desvio de bilhões pela máfia do ICMS, se tivesse investigado denúncia em 2003

Tempo de leitura: 4 min

Joao Ribeiro e Secretaria da Fazenda-001

por Conceição Lemes

Em abril de 2014, o Viomundo publicou: Tucanos implacáveis com quem denuncia corrupção, dóceis com trensalão.

A reportagem revelava a longa batalha de um servidor exemplar: João Ribeiro, lotado na Delegacia Regional Tributária de Marília, 55 anos de idade, 26 dos quais na área de arrecadação tributária da Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda de São Paulo (Sefaz-SP):

Em 24 de janeiro de 2003, indignado com o que ouvia e se comentava no órgão sobre várias irregularidades, João fez uma denúncia anônima ao Ministério Público Estadual de São Paulo (MPE-SP).

Do seu endereço eletrônico funcional, enviou e-mail, contando que dois diretores da área de fiscalização estariam envolvidos no desvio de créditos acumulados de quase R$ 1 bilhão (valores da época, não atualizados).

Ele relatou estranheza pelo fato de os dois diretores sob suspeição na gestão tucana — atuaram na área no governo Mário Covas, de 1995 ao segundo semestre de 2002–terem se aposentado compulsoriamente meses antes. Também que a mesma coisa já havia acontecido com os dois diretores do mesmo setor, em 1992, no governo Luís Antônio Fleury (na época, no PMDB).

Naquela mesma época, observou João no seu e-mail, esquema de corrupção envolvendo o chefe da Fiscalização do Estado do Rio de Janeiro tinha sido descoberto. E lá, diferentemente do ocorrido em São Paulo, havia sido apurado e os fiscais até exonerados.

No e-mail, João questionou ainda por que o caso de São Paulo não era averiguado.

No MP, a denúncia foi direcionada ao promotor Silvio Marques, que abriu um procedimento para apurá-la.

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Marques encaminhou ofício ao procurador-geral de Justiça, Luiz Antônio Marrey, que comunicou o caso ao então secretário da Fazenda, Eduardo Guardia, pedindo informações.  Junto, mandou o e-mail e o telefone de João.

A partir daí, a vida do funcionário-denunciante tornou-se um inferno.

A Secretaria da Fazenda instaurou processo administrativo. Em julho de 2007, demitiu João Ribeiro com base na lei 10. 261/68 (Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado), cujo inciso I do artigo 242 foi revogado após a sua exoneração.

João recorreu. Em fevereiro de 2008, por decisão de caráter liminar, foi reintegrado. Em fevereiro de 2009, ganhou em primeira instância.

A Secretaria da Fazenda apelou. De novo, João saiu vitorioso. Por unanimidade, em fevereiro de 2013, os desembargadores anularam de vez a decisão administrativa da Secretaria da Fazenda, determinando a reintegração definitiva do servidor.

Quando denunciamos o caso,  em abril de 2014, João não havia recebido os quase quatro meses em que ficou afastado, apesar de a Justiça ter determinado o pagamento.

Esta repórter questionou a Secretaria da Fazenda paulista sobre o não pagamento dos dias parados.

A Sefaz-SP respondeu ao Viomundo: “Não resta parcelas em aberto” (aqui, a íntegra da resposta).

João recorreu, reivindicando o pagamento atrasado e correção monetária.

Há duas semanas, em 20 de julho de julho de 2015, saiu a sentença.

A juíza Maria Isabel Romero Rodrigues Henriques, da 1ª Vara do Juizado Especial da Fazenda Pública – Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes, julgou procedente, determinando à Sefaz-SP pagar a João Ribeiro R$ 13.637,41 mais correção monetária (os grifos em amarelo são nossos).

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Sentença do João Ribeiro 21.07.2015 (1)_Page_3

“Mais uma vitória contra a Sefaz-SP, que não cumpriu o acórdão de 2011”, afirma, feliz, João Ribeiro. “Por tabela, a decisão da Justiça demonstra que, em 2014, a Secretaria da Fazenda faltou com a verdade ao Viomundo. Ela disse “não ter pagamentos em aberto” comigo. Só que, como havia dito, eu tinha direito aos quatro meses anteriores ao mandado de segurança e Justiça julgou o meu pedido procedente.”

DENÚNCIA DE JOÃO RIBEIRO TERIA A VER COM FISCAIS DA MÁFIA DO ICMS DEMITIDOS? 

Nas últimas semanas, saíram reportagens sobre prisão de fiscais suspeitos de fraude no ICMS (Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços) de São Paulo, como esta no Estadão, de  9 de julho.

máfia do icms 1-001

As exonerações começaram a ser publicadas no Diário Oficial um dia após promotores do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPE-SP) e representantes da Corregedoria da Sefaz-SP  ouvirem, na carceragem da Polícia Federal, em Curitiba, o doleiro Alberto Youssef, sobre diversos pagamentos de propina a fiscais do ICMS em São Paulo. Em 24 de julho, começaram as prisões de suspeitos de integrar a máfia do ICMS.

 Daí a pergunta que alguns devem estar fazendo nesta altura:

— A denúncia feito por João Ribeiro teria a ver com os fiscais presos no final de julho acusados de  participar de quadrilha que cobrava propina de empresas com dívidas tributárias com o Estado de São Paulo? 

João responde:“Dos 13 afastados agora pela Sefaz-SP, alguns estavam envolvidos na denúncia que fiz em 2003 de desvio de créditos de ICMS, principalmente os afastados da CAT [Coordenadoria da Administração Tributária] e da DEAT [Diretoria Executiva da Administração Tributária]. Entre eles, José Clóvis Cabrera, na época, diretor da DEAT.  Foi ele quem deu início ao inquérito administrativo que levou à minha exoneração, depois revertida”.

Ele acrescenta: “Se, em vez de se preocuparem comigo, a CAT, a DEAT e a Corregedoria da Fazenda tivessem investigado e tomado providências em relação ao que eu denunciei ao MP em 2003, elas poderiam ter evitado o desvio de bilhões de recursos, consequentemente economizado bilhões para os cofres públicos paulistas”.

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Comentários

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servidor publico

Quero realizar uma denuncia anônima, pois tenho receio de sofrer as consequências já que as pessoas envolvidas não tem o mínimo de bom senso.
A Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo financia projetos temáticos e a maioria destes são muito sérios e coordenados por doutores de muita credibilidade e prestígio. Porém, existe uma boa parte das pessoas que utilizam os recursos para outros fins: pagar contas pessoais, emprestam esses valores para outras pessoas, realizam viagens internacionais com os recursos do projeto sendo que em alguns casos as despesa de passagens, hotel, são reembolsadas pela universidade internacional que organizou o evento.
Os relatos referem-se a uma pequena amostra de irregularidades ficam amostra através de documentos que tive acesso, solicito ao orgão responsável uma auditoria séria e minunciosa para verificar possíveis irregularidades na aplicação dos recursos públicos.
Att,
Servidor Público

    Conceição Lemes

    Oi, servidor, por favor, escreva para o meu e-mail pessoal, para conversamos melhor. Seria possível? Manterei, obviamente, o anonimato da fonte. O meu e-mail: [email protected]

    abs

Urbano

Só para se comprovar mais uma vez a surreal decência dos avoadores, quando saírem daqui do VIOMUNDO deem uma olhada nessa postagem, cujo link está logo abaixo:
http://www.redebrasilatual.com.br/blogs/helena/2015/08/fhc-tem-agropecuaria-dentro-da-cidade-931.html

Urbano

Os fascistas sempre tratam os homens de bem assim. Houve certo caso lá em riba, em que um agente federal fez de tudo para evitar uma tragédia dantesca. Como aqueles não conseguiram lhe botar uma venda, o transferiram para um setor localizado exatamente no epicentro dessa tragédia. Foi a pena de morte do agente.

Luciano Tupã(SP)

Muito bem, João Ribeiro, é de gente como você que o Brasil precisa.

Julio

é corrupção saindo pelos poros. Onde há fiscalização, ouvem-se relatos de corrupção. É prefeitura, é estado, é nação. O desenvolvimento do Brasil tropeça sempre na mesma pedra, chamada corrupção. Até quando?

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