Saul Leblon: Governo cortou direitos enquanto torrava R$ 85 bi em juros

Tempo de leitura: 6 min

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O mercado fala mais alto. Literalmente

23/07/2015 00:00 – Copyleft

Repactuação do desenvolvimento ou crise permanente?

A genialidade neoliberal é vender como ciência uma geringonça ideológica em que o acelerador do ajuste aciona o freio da economia e faz a sociedade capotar.

por Saul Leblon, na Carta Maior

O derradeiro laço com a esperança hoje no Brasil passa pela constituição de uma frente nacional progressista e democrática, capaz de repactuar as bases do seu desenvolvimento.

A alternativa a isso, o arrocho neoliberal, aplicado nos últimos seis meses, resultou em esférico fracasso.

Não é uma crítica. São fatos.

Erroneamente abraçada pelo governo Dilma, que delegou a atual transição de ciclo econômico a um centurião dos mercados, a estratégia adotada acumulou um passivo digno da palavra desastre.

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O ministro Joaquim Levy não apenas deixou de entregar o que prometeu, como aprofundou desequilíbrios existentes e criou outros novos.

A inflação não caiu, ao contrário.

De uma taxa de 6,4% em 2014, saltou para 8,9% em 12 meses até junho.

Uma taxa de juro sideral acionada para controla-la, fez explodir o serviço da dívida pública.

Em uma sociedade marcada pela postergação de programas urgentes, como a construção de creches e de casas populares, caso da terceira etapa do Minha Casa, Minha Vida, criou-se uma bolsa rentista equivalente a 7,5% do PIB em 12 meses, para pagar juros.

É transferência de renda direto na veia do mercado financeiro.

Só no primeiro trimestre, lembra o economista Amir Khair, enquanto o governo economizava R$ 18 bi em direitos trabalhistas e na previdência social para reforçar o superávit, ‘as despesas com juros atingiriam R$ 85 bilhões’.

São dezenas de Lava Jatos canalizadas gentilmente aos endinheirados brasileiros, fazendo a dívida bruta aumentar em R$ 227,8 bilhões, apenas no primeiro trimestre.

Pode piorar.

A taxa de juro real (acima da inflação) projetada para os próximos 12 meses é de explosivos 9%.

Nada se iguala a isso na face da terra.

Insista-se: não são os gastos com o funcionalismo, os programas sociais ou a execrável roubalheira da Lava Jato, mas o custo do dinheiro fixado pelo BC que está bombando o déficit público que se pretendia reduzir.

Hoje ele é de 6,4% do PIB.

Superior ao de 2014 (6,2%), utilizado então como argumento pela mídia & mercados para induzir a Presidenta reeleita a fazer o que, assustada, acabou concedendo: terceirizar o manejo da economia aos doutores em equilíbrio macroeconômico.

‘Para corrigir a desastrada gestão do ‘lulopopulismo’, bradavam os assertivos rapazes e moças da crônica financeira.

Passados seis meses de dura terapia, a credibilidade do lacto purga, e a de seu laboratorista, faz água por todos os lados.

É impossível ajustar contas públicas promovendo recessão, como manda o figurino neoliberal, pelo bom motivo de que a arrecadação pública se esvai com ela e o arrocho para compensar as perdas agrava a sua causa.

A genialidade neoliberal é vender como ciência uma geringonça ideológica em que o acelerador do ajuste aciona o freio de mão da economia e faz a sociedade capotar.

Para reordenar uma transição de ciclo de desenvolvimento, como é o caso, é necessário recorrer à negociação democrática capaz de organizar os mercados, sobretudo os mercados financeiros, e não entregar o destino a eles.

A redução da meta fiscal nesta quarta-feira dá a medida do rigor científico: o novo superávit previsto caiu de R$ 66 bi para pouco mais de R$ 8,5 bi. Com boas chances de chegar ao final do ano com um déficit de R$ 17 bi…

Fosse Mantega o jóquei desse cavalo de pau embriagado, as manchetes e o colunismo isento estariam convocando a ocupação do país pelas agências de risco.

Como o arquiteto da obra é um quadro de confiança das fileiras, as manchetes dissimulam a octanagem do tropeço.

‘Profundidade da crise surpreende’; preparava o campo o Estadão, na manchete de domingo.

‘Queda da receita impede superávit’, admitia o Valor da 4ª feira, abstendo-se da relação causal entre uma coisa e outra.

Os Marinhos, em campanha contra as ditas pedaladas fiscais, no O Globo desta 5ª feira, pasmem, até elogiaram a redução do superávit –‘dá credibilidade’.

Assim por diante.

A vertiginosa realidade é que o aperto no crédito e no investimento –com corte de gastos e elevação simultânea das taxas de juros, jogou a economia num buraco ainda mais fundo do que já se encontrava.

A recessão, segundo o consenso do mercado, vai derrubar em 2% o PIB este ano.

Se nada for feito, continuará a chutá-lo no chão em 2016.

Será inédito: desde os anos 30, o país não sofre dois anos seguidos de queda real do produto.

O que avança de fato –e nisso Levy foi bem sucedido em relação aos objetivos implícitos– é a contração do mercado de trabalho, que expeliu 111 mil empregos em junho.

Não só.

O salário já cresce abaixo da inflação em 12 meses (7,5% contra 8,7% do INPC até maio).

Significa que os ganhos obtidos na última década começam a ser tomados de volta pelo capital, com impactos sabidos na demanda e no comércio.

O pano de fundo de um comércio internacional em que as commodities se mantêm em plano inclinado, faz o resto.

Apesar desvalorização de 30% do Real em 12 meses (necessária, diga-se, para recuperar a competitividade da indústria aqui e no exterior) o reequilíbrio das contas externas está sendo puxado mais pela queda das importações –leia-se, pela recessão– do que pelo vigor dos embarques.

É a purga sem cura.

Ela replica em ponto pequeno o saco sem fundo de arrocho e crise de que tem sido vítima a sociedade grega há sete anos, por exemplo, sob os auspícios dos levys de lá (FMI, BCE e Bruxelas).

Mutatis mutandis, a sociedade se torna refém do mesmo desastre autopropelido que se instala como força de ocupação.

As premissas do ‘saneamento’ fiscal e financeiro são idênticas em todas as latitudes. Por isso as populações atingidas sofrem o efeito do mesmo fracasso. E, da mesma forma, veem-se diante do imperativo equivalente: assumir o comando do seu destino, ou sucumbir ao moedor de carne sem fim.

O arrocho na Grécia já devorou 25% do PIB; agravou a mortalidade infantil, dobrou as taxas de suicídios; jogou 25% dos assalariados no desemprego e 38% da população na pobreza; obrigou o país a privatizar boa parte do patrimônio –como Serra quer fazer agora com o pré-sal. Mesmo assim, a dívida pública saltou de 120% para 170% do PIB nos últimos anos.

Não por conta de gastos adicionais.

Foi a retração dramática do numerador, a bancarrota produtiva, que desorganizou de vez a sociedade, reduzida a um pasto de engorda de bancos e especuladores.

Lembra algo?

Projeções indicam que o destino reservado ao povo grego –a persistir o enjaulameto financeiro– é o de viver como refém dos credores até o final do século.

A vigilância prevista nas cláusulas do empréstimo recente, de 86 bi de euros, estende-se por 32 anos, dilatáveis por mais 20, com uma década de carência.

O Estado grego só poderá emitir dívida de forma soberana, depois de pagar 75% do débito. Corre o risco de ingressar no século XXII como protetorado de bancos e especuladores, que participaram ativamente na gênesis do desastre, durante a farra neoliberal no século XX.

O colapso da receita ortodoxa no Brasil permite rever pontos cardeais do governo Dilma, antes que um longo prazo semelhante se esboce por essas bandas.

Para tanto é preciso politizar os dados de uma equação que a lógica dos mercados se mostrou insuficiente para resolver.

Uma primeira pergunta de fundo se impõe:

‘Como pudemos regredir tanto em tão pouco tempo?’

Um bom começo é confronta-la com uma segunda indagação pertinente: ‘Como é que pudemos supor avançar, ou mesmo reter conquistas, sem providenciar a contrapartida de resistência democrática à ofensiva que viria –como de fato veio?’

A trinca aberta pela inexistência desse suporte, a negligência deliberada em construí-lo nas mais diversas instâncias – das organizações de base à quebra do monopólio das comunicações– redundou no divórcio explicitado agora no agravamento da crise.

O fosso é proporcional à virulência do que se busca descarregar nos ombros da sociedade para saciar os apetites dos interesses rentistas.

O déficit de democracia emerge assim como a mais importante variável de uma transição de ciclo histórico, que a malandragem neoliberal quer resumir a uma exclusiva conta de chegar fiscal.

Em que medida o fracasso rotundo favorece a retificação de curso?

Depende.

O país só reverterá a espiral conservadora se as fileiras progressistas forem capazes de superar sectarismos e hesitações para promover uma repactuação democrática do passo seguinte do desenvolvimento.

Em vez dos circuitos puros, uma negociação de linhas de passagem feita de metas, concessões, salvaguardas, ajustes e escalonamentos de ganhos e perdas entre diferentes setores.

Sem ilusões, porém.

É preciso juntar mais do que os iguais para compor a alavanca capaz de ultrapassar o arrocho embutido na atual correlação de forças.

Conquistar a credibilidade e o consentimento de amplas faixas da população –inclusive de setores da classe média e do empresariado produtivo—requer um programa de reerguimento econômico distinto da rudimentar receita que desabou.

Não há muito tempo a perder, porém.

As opções disponíveis são duas: repactuação democrática do desenvolvimento ou um novo estirão de impasse e ‘ajuste’.

Uma crise permanente à moda grega. Ou o desassombro de politizar as escolhas do desenvolvimento.

A ver.

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Comentários

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Ricardo

texto perfeito. não tem uma vírgula a acrescentar.

parabéns por publicar isso, uma vez que os blogs ditos “progressistas” jamais admitem qualquer erro de Dilma.

obrigado, Azenha.

cordialmente

Ricardo.

Fabio Hideki

Quando os blogs progressitas vão lançar uma campanha de crowdfunding para um documentário sobre a dívida pública, com a participação da Maria Lucia Fattorelli ?

Lukas

O PT foi avisado que isto aconteceria, mas a prioridade era eleger Dilma e que o país se danasse.

Serão três anos de sofrimento, principalmente para os mais pobres.

Diógenes

O PSDB voltando entregará o que resto de empresas estatais e riquezas nacionais à preço de banana como uma solução privada para resolver tudo isso, como foi no processo de privataria, mas como naquela época pagará para vender a jóia da coroa aos amigos rentistas pilhando o Brasil. Essa é a cartilha neoliberal defendida e implementada pelo PSDB, Serra , Alckimim, Aécio , FHC, Caiado, Armínio e quadrilha das famílias mafiosas midiáticas e do poder judiciário. É a quadrilha retomando seu projeto de poder, roubar e desgovernado o Brasil , tornando perpetuamente uma colônia subdesenvolvida escravista.

    Diógenes

    Solução privata quis dizer.

Sidnei Soares da Rosa

Há um bom tempo acompanho os sites dito “Vermelhos” em contraponto a jornais como Estado de São Paulo e Folha de São Paulo, e fico feliz em ler tal matéria e triste também por termos um presidente que é economista e que não percebe o que ocorre. Teve a maior popularidade em seu primeiro mandato e despencou vertiginosamente por que não fez a lição de casa, recebeu tiros de todos os lados e não revidou. Deu no que deu. Banco não ajuda ninguem a não ser eles mesmos; empresários brasileiros seguem a mesma cartilha. Afora os juros quanto foi dispendido para segurar a taxa cambial, inflada pelo sistema financeiro através de mercados futuros de cambio, via operações de swaps? Quem ganhou com isto?
Há um bom tempo venho acompanhando comentários de pessoas que querem um Brasil Melhor iniciado com o PT e que está visivelmente amarrado e sem defesa; inerte a toda esta situação. E pior ainda chama a oposição – FHC – para conversar sobre governabilidade. Lula acha que vai ganhar a eleição em 2018 com base em pesquisas pouco sérias, está completamente enganado. Se as coisas continuar neste caminho o PT vai ficar um bom tempo sem a presidencia.

Euler

Texto elucidativo, que deveria ser esfregado na cara dos defensores das políticas neoliberais como solução para as crises do capitalismo. Uma vergonha o governo do PT ter embarcado nesse discurso, ainda mais após a vitória do governo Dilma propondo mais conquistas, mais avanços, para se contrapor às propostas neoliberais dos candidatos da direita.

De uma certa forma demonstra o quão os quadros políticos do governo – do PT, do PCdoB e outros – estão despreparados para enfrentar os ataques da burguesia. Usam os mesmo remédios que criticam e colhem resultados idênticos, que sempre criticaram: desemprego, recessão, confisco e queda nos salários, e cortes nos direitos trabalhistas.

Que nome se pode dar ao que o governo fez até agora contra os trabalhadores? – cortes no seguro desemprego quando os trabalhadores mais precisarão; política de manutenção de emprego com base em arrocho salarial de até 15%; aumento nas tarifas, etc., etc. A vaca não só tossiu como corre o risco de ir para o brejo.

E tudo isso em meio aos ataques sistemáticos da direita golpista, em várias frentes, orquestrada pela mídia golpista de sempre: no parlamento, com Renan e Eduardo Cunha; na operação Lava Jato, um verdadeiro complô golpista que envolve judiciário, PF e MP para detonar de forma seletiva o PT, a Petrobras, e empresas brasileiras. Ah, tá bom, eles estão combatendo a corrupção, dizem. Mas, a que preço está sendo feito este combate? Quanto o Brasil perdeu com as propinas nos últimos 10 anos, denunciadas pela Lava Jato, e quanto o Brasil está perdendo com a ação devastadora da Lava Jato em poucos meses? Façam as contas, senhores, e é bem provável que, na ponta do lápis, cheguemos à conclusão de que os custos das propinas são infinitamente menores do que o que se perdeu na Petrobras, nas empreiteiras, na indústria naval, em matéria de desemprego, desinvestimento, desvalorização, queda nos impostos, tudo em prejuízo do Brasil.

Enquanto isso, de forma absurda, o governo mantém a política de juros altos que só beneficiam aos banqueiros e aos credores da dívida pública, enquanto desaquece a economia, causa arrocho, desemprego e transferência de renda dos mais pobres para o capital financeiro. Foi para isso que o povo brasileiro elegeu o PT nas últimas eleições? Onde fica a coerência entre os primeiros 12 anos de conquistas, ainda que em vários casos aquém do esperado, com essa lógica neoliberal ressuscitada pelo segundo governo Dilma?

Portanto, ou os movimentos sociais, os partidos de esquerda, o povão principalmente, se mobilizam para mudar essas diretrizes e impor mudanças profundas nos rumos da economia e da política no Brasil, ou daqui a pouco não haverá nem motivos para alguém querer defender a permanência do governo Dilma. Sofreremos uma derrota vergonhosa, pois, a direita voltará ao poder nos culpando – a todos nós, da esquerda – de sermos os responsáveis de tudo de ruim que acontece no Brasil, e terão inclusive elementos tangíveis para isso. Aécio ou Eduardo Cunha ou Serra ou o raio que o parta nem precisará se preocupar em explicar as chamadas “medidas impopulares”, pois qualquer coisa será aceito como salvação para o desastre que vem se anunciando com essas medidas neoliberais.

Em seis meses de governo sob Levy, a pergunta que se faz é: a maioria do povo brasileiro ganhou o quê, até agora? Ou ainda: quem lucrou com as medidas neoliberais até o momento? Esses setores é que deveriam estar financiando as crises que eles geram, não o povo brasileiro.

Julio Silveira

E tem gente que enfia a cabeça de avestruz no buraco e quando tira é para falar mal do Zé Maria que critica estas opções do governo.

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