André Tredinnick: Mídia transforma juíza Cristiana Cordeiro em “inimiga do povo”
Tempo de leitura: 7 minUMA INIMIGA DO POVO
por André Tredinnick, especial para o Viomundo
A lógica é uma disciplina da filosofia destinada ao estudo do raciocínio e que prescinde de um juízo moral para chegar às suas conclusões. Trata de elaborar fórmulas que estabeleçam o procedimento necessário para se formar um raciocínio claro e objetivo.
Distinguir-se-ia o raciocínio válido de um inválido, à luz da lógica.
Dadas a premissa A e a premissa B a consequência C é o que se segue. Assim, a velha fórmula “Todos os homens são carecas”, segue “Sócrates é careca”, logo, “Sócrates é homem”. Isso é logicamente válido, ainda que não corresponda ao que de ordinário se observa.
A lógica pode ser um bom instrumento para a resolução de problemas de raciocínio, mas aplicada às relações humanas, sem temperança, sem o recurso ao sentimentos que nos distinguem dos animais, pode ser um desastre.
No próximo dia 8 de maio lembramos os setenta anos em que o nazifascismo foi derrotado em parte da Europa. A história, sempre essa velha senhora, nos traz suas lembranças inquietantes.
Sem a emoção, não seríamos humanos, seríamos apenas máquinas. Máquinas frias, retas cumpridoras dos seus deveres, implacáveis funcionários públicos, terrivelmente eficientes, como o Adolf Eichmann de Hannah Arendt, o personagem muito mais comum do que se imagina, ser produto de uma modernidade sonhada pelo “último dos homens” nietzschiano, o mais apavorante produto da cultura.
Eichmann, o assassino de milhões de pessoas, era o diretor do “Setor de Judeus IV B 4” do Departamento de Segurança do Reich, uma engrenagem entre milhares de outras, obcecado em mostrar eficiência e competência aos seus chefes. “Eu cumpria ordens, observava a lei em vigor. Minha função era levar pessoas de A para B, da forma mais eficiente possível, com menor custo, o mais rápido possível, e resolver toda a logística envolvida nisso. E eu o fiz.”, foram mais ou menos as palavras que empregou em seu julgamento. Lógico, demasiado lógico.
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Então podemos dizer que a lógica, produto de um intrincado raciocínio filosófico, despida de emoção leva a desumanização, à própria negação do que se define como humanidade.
As emoções distinguem-nos, a princípio, dos demais animais, como a capacidade de amar, de ter empatia, e acabam por definir o termo “humanidade”, seja em nossa língua, onde tem o sentido de “benevolência”, seja em outras, como em francês, na qual seria a “disposição à compreensão, à compaixão entre os semelhantes”, e em xhosa, na qual “ubuntu” significa “eu sou humano porque pertenço à comunidade humana e eu vejo e trato os outros adequadamente”.
Preencher a racionalidade com a emoção construtiva permite-nos um passo além de nossa caracterização como apenas um primata com habilidades extraordinárias.
Nada é mais distinguível da aplicação desumana, porém lógica, da eficiência do que no serviço público. Em um país como o nosso, com uma imensidão de servidores públicos, e uma capital federal criada para abrigá-los, a eficiência se mede em números lógicos ou na capacidade de promover os valores estabelecidos na Constituição Federal, como a dignidade da pessoa humana, a erradicação da pobreza e da marginalização e a promoção do bem de todos, sem preconceitos (artigos 1o e 3o)?
Tomemos o tema da redução da maioridade penal, proposta pela açodada discussão em torno da PEC de número emblemático: 171/93.
Como surge essa discussão em pleno século XXI? Em que bases se clama pela redução da maioridade, sob o argumento de que o adolescente teria plena consciência de seus atos, e que se valeria da maioridade para se proteger da responsabilidade criminal?
Primeiro, às estatísticas.
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2014, de cada trinta sentenciados, apenas um possui idade inferior a dezoito anos. A Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) do Ministério da Justiça estima que os menores de 16 a 18 anos – faixa etária que mais seria afetada por uma eventual redução da maioridade penal – são responsáveis por 0,9% do total dos crimes praticados no Brasil. Se considerados apenas homicídios e tentativas de homicídio, o percentual cai para 0,5%. O Unicef aponta dados idênticos.
Portanto, não existem dados a apoiar a ideia de que os crimes entre adolescentes têm aumentado.
Aqui até mesmo a lógica contradiz a percepção equivocada em sentido contrário.
A jornalista Flávia Oliveira, no Globo de 3.5.2015, pág. 39, atribui essa percepção equivocada à cobertura jornalística, num raro mea culpa de uma imprensa caracterizada pelo oligopólio dos meios de comunicação e da manipulação da opinião pública no melhor estilo do Cidadão Kane. Cita em seu apoio estudo de Rosental C. Alves, diretor do Knight Center of Journalism in the Americas da Universidade do Texas, que diz que “a imprensa brasileira vem de uma longa tradição de estigmatizar as crianças e adolescentes que cometem crimes” (melhor dizendo, atos infracionais), e que “a responsabilidade dos meios está, sobretudo, na dificuldade de dar contexto e na tendência de simplificar e de ‘sensacionalizar’ problemas complexos, mesmo sem a má intenção…”.
Ninguém se engane: nos institutos e educandários, substitutos apenas no nome dos antigos ˜reformatórios” e famigeradas “Febem”, temos a prova cabal de uma sociedade racista e profundamente estratificada. Em massa, lá se encontram os filhos dos pais negros e mulatos que vivem nas favelas e nas periferias desse país continental.
O manifesto da Cáritas reconhece o fato notório de que a redução atingirá ainda mais os adolescentes negros e negras, marginalizados e moradores das periferias.
Nos vinte e cinco anos de vigência da lei 8.069-90, o Estatuto da Criança e do Adolescente foi sistematicamente enxovalhado por ser uma lei utópica, que daria direitos sem exigir deveres, ignorar o “óbvio” de que um adolescente de quinze, dezesseis anos, já saberia exatamente o que é certo e o que é errado, e argumentos do gênero.
Tais argumentos são puramente irracionais e repletos de reações reptilianas, porque são despidos de qualquer comprovação científica e porque partem de uma premissa falsa – na verdade, o Estatuto da Criança e Adolescente jamais foi efetivamente implementado.
Nele não há qualquer política irreal, qualquer ditame inexequível. O que dele se tem absoluta certeza é que os administradores públicos jamais tiveram qualquer intenção em cumpri-lo. Sim, é a famosa “lei para inglês ver”, que só existe no mundo do faz-de-conta, com raros operadores do Direito a tentar fazê-lo eficaz Brasil afora.
A criança e adolescente, tidos como prioridade na Constituição da República, e em diversos tratados ratificados pelo Brasil, são ignorados em nossa pobre República.
E não é a classe média que clama contra a ausência de cumprimento da lei e do investimento em educação. Ela é quem clama, junto com os arautos da “luta contra o crime” dessa imprensa manipuladora, pela redução da maioridade. Não são seus filhos o público-alvo da obtusa proposta.
Se por um lado é evidente que investir na proteção da criança e do adolescente levará a sociedade a um progresso como um todo, por outro lado, repudiar a lei criada para, justamente, promover a execução dessa proteção, demonstra não um paradoxo, mas uma patologia psiquiátrica, pela grave ruptura com a realidade.
Nesses vinte e cinco anos a vergonha das crianças e adolescentes que têm de se vender, de trabalhar e pedir dinheiro nas ruas não acabou. O número de crianças e adolescentes que não têm acesso a uma educação de qualidade não diminuiu consideravelmente. E os adolescentes que se encontram em conflito com a lei tampouco passaram a receber um tratamento diferente de ser simplesmente penitenciados com anos vivendo em masmorras medievais.
Então, onde tudo mais falhou, a educação, a saúde, a prevenção ao uso abusivo de drogas, o combate ao trabalho escravo infantil e ao trabalho infantil, a erradicação da prostituição infantil, da segregação de raça, do preconceito de crença, do preconceito de orientação sexual e de origem, existe apenas a certeza da repressão ao adolescente que ouse entrar em conflito com a lei.
Para reduzir esse absurdo, há lei, contudo.
Sim, algum legislador bem-aventurado (e eles são raros hoje) tratou de criar a lei do SINASE.
A lei do SINASE não sugere, determina a reavaliação da medida socioeducativa, que em momento algum pode ser confundida com pena privativa de liberdade.
Diante desse contexto, no Rio de Janeiro, a juíza Cristiana Cordeiro não se valeu da lógica de meramente decidir pedaços de papel em processos de adolescentes, exercendo uma eficiência lógica, profundamente lógica. Dirigiu-se aos locais nos quais os adolescentes se encontravam internados e lá, diante dos pareceres das equipes técnicas compostas por psicólogos e assistentes sociais, decidiu cumprir novamente a lei, fazendo solturas, progressões de medida ou manutenções das mesmas.
Com a rara emoção da empatia, não se deixou colar nas cadeiras da magistratura, em confortáveis gabinetes faustosos, encerrados em prédios de luxo arábico, mirando um processo de papel. Colocou-se frente-a-frente com os adolescentes, dentro do eterno presídio Muniz Sodré, agora travestido de Educandário Santo Expedido.
Mas apenas por isso, por essa desfaçatez de cumprir a Constituição Federal e aplicar a lei, a imprensa com seus argumentos do medo a massacrou.
Faz lembrar do personagem de Ibsen em “Um Inimigo do Povo”.
Nessa peça, o médico realiza um estudo e estabelece que as águas de determinada local são medicinais, o que faz com que haja grande fluxo turístico, aumentando a riqueza de toda a região. Por onde passa, é saudado como um bem-feitor, um gênio, um santo.
Ao realizar uma reavaliação de sua pesquisa, o médico descobre um erro nela, e que na verdade as águas seriam maléficas à saúde humana, e resolve comunicar aos seus conterrâneos sua descoberta.
De Santo, de Gênio da mil e uma noites, passa a ser o Inimigo do Povo, maldito, porque ousou mostrar o óbvio aos seus conterrâneos lógicos mas despidos de empatia.
No trato dos adolescentes em conflito com a lei, sim, porque não custa lembrar que o adolescente não comete crime, falha toda a sociedade, e nessa falha, em que se encontram quase 100% de miseráveis, negros e mulatos, desprovidos de educação, oriundos das periferias das grandes cidades, marca de um apartheid eficaz, mas cinicamente oficioso, o amigo do povo é o apresentador de televisão que, indignado, espalha o medo, esse ovo da serpente.
Se ao ser em plena formação, que foi negada a saúde, a educação, a proteção de um lar sem abuso de drogas, uma casa, um pai ou uma mãe, só se der uma punição degradante, o que se espera que poderá vir daí, recuperação, regeneração, ou mais aperfeiçoamento do ódio a que foi exposto?
Esse ser mentecapto que vocifera ódio ao Estatuto da Criança e Adolescente, pede penas mais duras, ou a pena capital, e a redução da maioridade penal, perdido no discurso de qual redução seria a mais eficaz, se para dezesseis anos, quinze anos e até dez anos de idade.
Para esse ser grotesco, truculento e selvagem, a pena inibe o crime, e Foucault e a história nada têm a dizer. Ele não tem compromisso com o melhor, apenas em atender a lógica de alcançar maiores índices da audiência cavada com a exploração do medo e da violência.
Para ele, como para o fundamentalista islâmico, a infância é uma mentira do ocidente. Ele, como seu duplo no oriente médio, são apenas exemplos grosseiros do Ur-fascismo, o fascismo universal e onipresente desnudado por Umberto Eco.
Enquanto teórica da infância, essa magistrada poderia ser incensada. Quando cumpriu a lei, foi acoimada de precipitada, ilegal, bárbara que “solta os infratores nas ruas”.
Mas agora é apenas uma “inimiga do povo”.
Tomara que todos esses “inimigos” se unam e enfrentem a maré reacionária que trouxe toxidade para nossa pobre democracia incipiente.
Leia também:
Fátima Oliveira: Lições de Ferguson e Baltimore para a luta contra o racismo aqui
Comentários
Fernado Garcia
Caros, me desculpem… o texto tem uma argumentação sólida, etc… mas realmente tenho que fazer algumas observações. O pequeno trecho inicial onde se introduz a ideia de “lógica”, traz um exemplo que é exposto de maneira totalmente incorreta. Ou seja, se A implica B, e você sabe ser B verdadeiro, este fato não garante que você possa concluir A (no exemplo: o fato de algo ser careca não quer dizer que seja um homem). Mais adiante, o texto confunde lógica com racionalismo, que são coisas totalmente distintas.
Em tempos em que a direita tem se organizado para o debate, inaugurar um texto argumentativo com um erro tão infantil, e reproduzi-lo acriticamente em um site de notícias, é simplesmente motivo de piada e desqualifica a esquerda. Já passou da hora de ser mais rigoroso ou então será realmente difícil…
Abraços
FrancoAtirador
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“Ouso dizer que, se a Democracia americana
parasse de progredir como uma força viva –
buscando dia e noite melhorar, por meios pacíficos,
as condições de nossos cidadãos –
a força do Fascismo cresceria em nosso país”
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Franklin Delano Roosevelt
Presidente dos United States of America
(4 de novembro de 1938)
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ECOS DO FASCISMO ETERNO
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A Nebulosa Fascista
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Por Umberto Eco
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(http://caocamargo.blogspot.com.br/2012_04_01_archive.html)
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FrancoAtirador
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GOLPES À MODA DO SÉCULO XXI
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A nova natureza do Estado de Exceção
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Estudo acadêmico de constitucionalista Pedro Serrano
mostra as novas formas de conspirar contra a democracia em nossa época.
Mesmo sem fazer nenhuma referência direta ao Brasil,
é fácil entender do que ele está falando…
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Por Paulo Moreira Leite, via Portal GGN
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O conceito de pessoa humana talvez tenha sido o mais revolucionário
da história do homem na Terra, traduzindo-se como imensa contribuição
da cristandade para nossa sociabilidade.
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Ao divorciar o homem de sua apropriação como coisa para tratá-lo como filho de Deus, membro de uma imensa família humana, aliou-se a noção de homem à de igualdade e justiça.
Todos essencialmente iguais, porque “nascidos do mesmo Pai”.
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Encontrei as palavras acima no mais recente trabalho acadêmico do advogado Pedro Serrano. Professor de Direito Constitucional na PUC-SP, na semana passada Serrano foi a Portugal apresentar uma tese de pós-doutorado na Universidade de Lisboa.
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Num trabalho em profundidade sobre direitos e garantias individuais, Serrano debate a Idade Média, explica a queda do absolutismo e a revolução francesa para discutir noções sobre Estado de Direito, Estado Policial e Estado de Exceção.
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O texto debate os golpes de Estado recentes na América Latina, como a queda de Eduardo Lugo, no Paraguai, e a de Manoel Zelada, em Honduras.
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Embora seja um crítico frequente de determinadas sentenças e decisões da Justiça, na AP 470 e também na Operação Lava Jato, em sua tese acadêmica o professor evita maiores considerações a respeito.
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Não faz referências explícitas a situação brasileira, ainda que o Brasil seja, obviamente, o sujeito mais ou menos oculto de seu trabalho.
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Mais do que entrar num debate de assuntos da conjuntura imediata, Serrano procura fixar conceitos — o que também é uma forma de contribuir para a compreensão do momento que o país atravessa, como você poderá comprovar nos parágrafos finais deste artigo.
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Ao estabelecer a conexão entre os direitos individuais e os Estados Democráticos de Direito, Serrano constrói um método que mostra que os regimes de exceção começam a ser formados quando se constrói um “inimigo interno”, categoria social que define os cidadãos que não têm os mesmos direitos que os outros — e podem ser tratados por medidas de exceção.
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A construção do “inimigo” é essencial
pois a partir dela é possível estabelecer diferenças
“no interior da espécie humana.
Onde há o inimigo, não há o ser humano,
mas um ser desprovido da condição de humanidade,”
explica, recordando o universo político em que se moveu o nazismo de Adolf Hitler,
o fascismo de Benito Mussolini e também a ditadura militar que governou o Brasil por duas décadas.
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De uma forma ou outra , esclarece, eram regimes que possuíam cidadãos desprovidos dos mesmos direitos que os demais — como judeus, comunistas, estrangeiros — e a partir daí se construiu uma ordem que envolvia o conjunto da sociedade.
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Explicando o nascimento das ditaduras, o professor lembra que “em geral a decisão jurisdicional de exceção não se declara como tal”.
Pelo contrário, costuma justificar-se como um esforço para defender o próprio Estado democrático de Direito e é “envolvida em fundamentações e justificativas compatíveis com a ordem posta”.
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Foi assim que a suspensão de garantias democráticas sob o regime de Hitler
foi apresentada como uma resposta ao incêndio do Reichstag, o Parlamento alemão,
atribuído ao Partido Comunista da Alemanha.
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Da mesma forma, o fantasma do comunismo nos anos de Guerra-Fria
serviu de suporte ideológico ao ciclo militar da América Latina, inclusive o Brasil.
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Depois de analisar as ditaduras do século XX, onde havia um “Estado autoritário claro, um Estado de polícia inequívoco, um poder exercido de forma bruta”, Pedro Serrano entra no século XXI, o nosso período histórico.
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A NOVA NATUREZA DO ESTADO DE EXCEÇÃO
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De saída, o professor registra uma mudança clara e importante:
“o Estado de Exceção muda de natureza”.
Não há mais a interrupção do Estado democrático para a instauração de um Estado de Exceção,
mas os mecanismos do autoritarismo típico passam a existir e conviver dentro da rotina democrática.
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Assim, naquele que costuma ser considerado o mais antigo Estado Democrático de Direito do planeta, os Estados Unidos, na primeira década do século XXI nasceu o USA Patriot Act (http://pt.wikipedia.org/wiki/USA_PATRIOT_Act).
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No ambiente de grande emoção e pânico produzidos pelos ataques de 11 de setembro, um decreto assinado por George W Bush “autoriza a prática de atos de tortura como método de investigação (…) bem como o seqüestro de qualquer ser humano suspeito de inimigo em qualquer lugar do planeta, sem qualquer respeito a soberania dos Estados do mundo”.
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Os mesmos métodos se espalham, em grau maior ou menor, pelos países europeus,
“com cadastros especiais de controle da intimidade, campos de confinamento, etc”.
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Aquele conjunto de medidas que em outros momentos provocariam a indignação da consciência democrática , passam a ser vistas “como uma verdadeira técnica de governo”.
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Assim — o exemplo aqui é meu — um jornalista como Julian Assange permanece há três anos como prisioneiro na embaixada do Equador em Londres. Isso porque divulgou segredos diplomáticos através do Wikileaks, num tratamento sem paralelo com o recebido por Daniel Ellsberg em 1971, na divulgação de documentos secretos e comprometedores do Pentágono sobre a guerra do Vietnã.
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Serrano avalia que na América Latina, a era dos golpes militares e ditaduras de longa duração, com desfile de tanques pelas ruas e Congressos fechados será substituída por intervenções rápidas para garantir a derrubada de um governo considerado indesejável — ainda que “regimes democráticos sejam inconstitucionalmente interrompidos, golpeando presidentes legitimamente eleitos”.
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Analisando os dois casos concretos deste período, a deposição de Fernando Lugo e o golpe contra Manoel Zelaya, Serrano sustenta que o Judiciário desempenha um papel essencial para a construção da nova ordem.
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Em vez de assumir uma postura de resistência em nome da antiga ordem, postura que, no passado, levou até à cassação de magistrados comprometidos com os princípios democráticos, os tribunais superiores assumem outra função — dar legitimidade a medidas que atropelam a soberania popular.
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Escreve Serrano:
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“é a Jurisdição funcionando como Fonte de Exceção e não do Direito”.
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Outra novidade no século XXI é o “inimigo interno”,
indispensável para iniciativas anti-democráticas.
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Serrano aponta que, nos países desenvolvidos,
esse lugar é ocupado pelo “inimigo muçulmano fundamentalista”.
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Muitos analistas sustentam que essa situação é obra do 11 de setembro,
o que seria uma forma de dizer que, na origem, o terrorismo de organizações árabes
é responsável pela discriminação e violência que as potências do Ocidente reservam a seus povos.
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Mantendo-se no terreno jurídico, Serrano não entra nesta discussão,
o que dá a este humilde blogueiro o direito de apresentar um palpite.
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Sem querer minimizar nem por um segundo o impacto terrível do ataque às torres gêmeas, acho possível defender outro argumento.
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Acredito que o 11 de setembro colocou em movimento forças que já se moviam
na potência norte-americana e provocou reações de uma engrenagem
que iria se mover de uma forma ou de outra, para defender os interesses maiores daquele país
que se transformou na única potência militar do planeta após o colapso da antiga URSS.
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Em 1993, oito anos antes dos ataques, um professor de Harvard, Samuel Huntington,
influente nos meios políticos e diplomáticos dos EUA, publicou Choque de Civilizações
(http://www.revistas2.uepg.br/index.php/rhr/article/viewFile/2102/1583),
artigo que se tornaria uma espécie de programa de trabalho do Império norte-americano e seus aliados na nova ordem mundial.
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No texto, Huntington formula uma visão da evolução humana para as décadas seguintes.
Diz que dali para a frente “o Eixo Predominante da Política Mundial
serão as Relações entre o Ocidente e o Resto”.
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Num raciocínio voltado para a preservação da hegemonia e poderio,
Huntington registra a emergência dos países que décadas depois seriam chamados de emergentes — e define estratégias para manter uma posição de força e domínio.
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Vale a pena ler:
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“os conflitos entre as civilizações vão suplantar os conflitos de natureza ideológica e outras, como forma dominante global; as relações internacionais, um jogo historicamente jogado dentro da civilização ocidental, se tornarão um jogo em que as civilizações não-ocidentais serão agentes e não simples objetos”.
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Na visão de Huntington, estamos falando de conflitos mais graves e intransponíveis do que a ideologia e a economia, porque sua base está na cultura, em valores inconciliáveis que opõem povos e nações através do planeta inteiro.
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Transportada para o direito internacional — não custa lembrar que a ONU foi fundada por uma Carta de Direitos Humanos, frequentemente ignorada na vida real — essa política do inimigo chegará não só a guerras de grande porte, como a do Iraque.
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Também levou a formulação do chamado Eixo do Mal, que justificava a persistência do bloqueio a Cuba e o apoio a duas tentativas de golpe na Venezuela de Hugo Chávez, em 2002.
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Com a possibilidade da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva na eleição presidencial daquele ano, a diplomacia republicana chegou a cogitar a inclusão do Brasil no conjunto de inimigos a abater, mas essa política foi desmontada por uma ação múltipla, que incluiu o governo Fernando Henrique Cardoso, o próprio Lula e ainda uma viagem bem sucedida de José Dirceu para conversas em Washington e Nova York, meses antes da vitória.
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Falando da América Latina e do Brasil, Serrano diagnostica uma situação de duplicidade.
Explica que na região convivem um Estado de Democrático de Direito, acessível a população mais endinheirada dos grandes centros urbanos, com um Estado policial de exceção, “localizado nas periferias das grandes cidades, verdadeiros territórios ocupados, onde vive a maioria da população pobre”.
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Desse ponto de vista, explica, a exceção é a regra geral para a maioria das pessoas.
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Referindo-se ao universo que deu origem ao golpe de 1964 no Brasil, o professor explica que, ”o inimigo a ser combatido e que ameaça a sociedade não se identifica mais do a figura do comunista das ditaduras militares, mas sim com a figura do bandido, impreterivelmente identificado com a condição social de pobreza”.
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Impossível discordar.
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SOFISMA SOCIOLÓGICO
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Eu gostaria de acrescentar, por minha conta, observações sobre as ideias de Serrano e o Brasil de 2015.
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Há uma novidade curiosa no comportamento do Judiciário na última década.
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Estamos falando de um período no qual, como demonstram estatísticas que ninguém discute, os mais pobres conseguiram melhorar — parcialmente, é verdade — sua posição na pirâmide social e ter acesso a um padrão de consumo e igualdade que nunca se viu na história.
Estudam mais, alimentam-se melhor, tem oportunidades mais amplas.
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Justamente os políticos e personalidades ligados ao Partido dos Trabalhadores e seus aliados, o mais identificado com esse processo, benéfico para o conjunto da sociedade brasileira, têm sido alvo de medidas– classifique como quiser, de exceção, perseguição, ou qualquer outro adjetivo — por parte do Judiciário.
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Acusados de corrupção em processos espetaculares, acompanhados com espírito de circo pelos grandes grupos de comunicação, passaram a ser discriminados em seus direitos e garantias.
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Através da AP 470 e da Operação Lava Jato, são tratados como “inimigos internos”,
habitantes daquilo que Serrano chama de “territórios ocupados da periferia”
e não como cidadãos que, em função de sua posição na pirâmide social,
teriam acesso assegurado ao Estado Democrático de Direito.
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Sempre que se debate — por exemplo — as prisões preventivas dos acusados da Lava Jato, em prazos extremamente longos, sem provas nem indícios consistentes de culpa, configurando um abuso destinado a forçar confissões e delações premiadas, os aliados do juiz Sérgio Moro e do Ministério Público pedem ajuda a um sofisma sociológico.
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Alegam que um terço do meio milhão de condenados que habitam nosso sistema prisional, habitado em sua imensa maioria por cidadãos pobres, em maior parte pretos, incapazes de contar com bons advogados, também enfrentam a mesma situação, padecem das mesmas dificuldades, quem sabe até piores.
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A sugestão de que uma coisa poderia justificar a outra não faz sentido, quando se recorda que o esforço civilizado consiste em estimular a ampliação do Direito, e não seu rebaixamento através de medidas de exceção, que apenas perpetuam um estado geral de coisas.
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O que se procura, aqui, é construir um “inimigo interno” —
personagem indispensável das medidas de exceção de que fala Pedro Serrano.
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O que se vê é um tratamento discriminatório — com motivação política — tão brutal e dirigido que atravessa as distinções de classe social, sempre profundas e persistentes no Brasil.
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A grande lição dos julgamento da AP 470 e a Operação Lava Jato é mostrar que não basta ter dinheiro — quem sabe muito dinheiro — para pagar bons advogados e garantir um acesso ao Estado Democrático de Direito, aquele onde vigora o princípio segundo o qual todos são inocentes até que se prove o contrário. Talvez não baste ser filiado ao partido que há 12 anos ocupa a presidência da República, dispondo de privilégios e prerrogativas correspondentes.
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É preciso estar do lado certo da disputa política.
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Os mesmos executivos e empresários, acusados dos mesmos crimes definidos na AP 470 e também no mensalão PSDB-MG, foram julgados por tribunais diferentes, com direitos diferentes, obtendo penas diferentes.
Basta recordar que os primeiros condenados da AP 470 começam a deixar a prisão, depois de cumprir penas definidas pela Justiça.
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Os outros sequer receberam uma condenação.
Quando isso acontecer, aqueles que não tiveram a pena prescrita terão direito a um segundo julgamento, com outros juízes, outro tribunal.
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Está demonstrado que os mesmos empresários que, conforme as investigação da Lava Jato, abasteceram os cofres do PT entregaram as mesmas quantias, no mesmo período, para tesoureiros do PSDB.
Está provado, registrado na Justiça Eleitoral.
O principal delator, aliás, entregou R$ 2 milhões a mais para a campanha de Aécio Neves.
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Nada disso foi suficiente para o lançamento de uma eventual fase zero da novela Lava Jato,
agora mais plural, sem culpados nem inocentes previamente escolhidos, certo?
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Alguém convive em paz com a noção de que o dinheiro que chega para os tucanos
como “contribuição eleitoral” se transforma em “propina” quando se destina ao PT?
A leitura dos estudos de Hannah Arendt sobre o nascimento de regimes totalitários demonstra que um dos instrumentos básicos empregados na disputa entre parcelas da elite dirigente de determinada sociedade — um aspecto inevitável de toda luta política desde sempre — consistia em mobilizar e estimular preconceitos e ressentimentos da “ralé”.
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Como tantos observadores sociais de seu tempo, Arendt se referia nestes termos àquela parcela da população que se encontrava abaixo das classes sociais tradicionais, sem acesso a educação, ao bem-estar e que mal conseguia exercitar os próprios direitos políticos.
Ela avaliava que a democracia se encontrava em perigo quando a elite assumia modos e comportamentos antidemocráticos e agia de turba, como manada, estimulando gestos violentos e atos de barbárie.
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Não é difícil reconhecer movimentos dessa natureza no Brasil de hoje.
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Os brasileiros assistem isso quando Alexandre Padilha é impedido de jantar em paz com amigos num restaurante no Itaim Bibi — cena que repete um tratamento semelhante oferecido a Guido Mantega quando foi fazer uma visita a um paciente no hospital Albert Einstein.
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Em 2012, Ricardo Lewandovski, hoje presidente do STF, ouviu comentários ofensivos quando foi à zona eleitoral exercer o direito de voto.
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São atos que formam um conjunto, contestam a noção de que homens e mulheres pertencem a uma mesma família humana, com direitos a igualdade e a justiça, como diz Pedro Serrano.
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(http://jornalggn.com.br/noticia/a-nova-natureza-do-estado-de-excecao-segundo-pedro-serrano)
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José Antonio
Há um grave erro de lógica, logo no início do artigo:
Mesmo que fosse verdadeira a premissa “Todos os homens são carecas”, o fato de Sócrates ser careca não permitiria a inferência lógica de que Sócrates é um homem. Existe, por exemplo, uma espécie de mico careca. Evidentemente este mico não é um homem.
O silogismo citado no texto é parente de outro, mais usado: Todos os homens são mortais; Sócrates é mortal, portanto, Sócrates é homem. Este silogismo é tão falso quanto o primeiro, mas tem a vantagem de não usar uma premissa falsa, como “todos os homens são carecas”.
Uma inversão entre a segunda premissa e a conclusão, transformaria os dois silogismos em uma conclusão logicamente válida:
1. Todos os homens são carecas; Sócrates é homem, logo Sócrates é careca.
2. Todos os homens são mortais; Sócrates é homem, logo Sócrates é mortal.
Álvares de Souza
Só um mentecapto comentaria um artigo de tamanha generosidade, sensibilidade e lucidez, restringindo-se às questões de forma. Enfim, o verdadeiro analfabeto é aquele que lê mais não entende coisíssima alguma.
Rubens Silva
Logo de cara percebi esse erro de lógica, o que não invalida o restante do texto. Acho que o José Antonio está certo em apontá-lo para que se corrija a fim de aperfeiçoar o excelente raciocínio a que a definição de lógica serve de apoio. A reação do sr. Álvares me parece um bocado exagerada, visto que o José Antonio apontou apenas um erro evidente, sem desqualificar o restante do texto.
Outro ponto equivocado do artigo é a afirmação de que “as emoções distinguem-nos, a princípio, dos demais animais, como a capacidade de amar, de ter empatia”. Isto não é correto. Há inúmeras evidências que os animais têm capacidade de amar e desenvolvem empatia.
Volto a dizer que estes erros não invalidam a reflexão aprofundada subsequente sobre a maioridade penal, que concordo.
Narr
A esquerda costuma chamar de falácia (irritante clichê) o que é apenas uma afirmação (supostamente) falsa.
No caso deste artigo, a falácia nos levaria a concluir que qualquer coisa, bicho, parte do corpo, careca é homem.
Coisa a toa, dá pra remendar.
E serve de lição de humildade pro autor.
Naturalmente, o erro no exemplo de lógica não compromete o artigo inteiro a não ser que ele seja (o que não é o caso) baseado nesta falácia.
Que é engraçado é.
Rubens Silva
Apenas para corroborar o que afirmei sobre a empatia dos animais:
http://revistagalileu.globo.com/Ciencia/noticia/2015/05/rato-resgata-companheiro-aflito-em-outra-jaula.html
FrancoAtirador
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Caro José Antonio.
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Precisamente esta é a técnica
utilizada pela Mídia-Empresa
para formar sensos comuns
na sociedade da ignorância:
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Silogismos ‘logicamente válidos’,
mas com base em premissas falsas
p’ra deduzir conclusões inverídicas.
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Foi assim que evoluiu o AntiPetismo:
por deduções lógicas, porém incorretas,
com origem em manchetes mentirosas.
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E foi assim também que o Capital
sempre tripudiou sobre o Trabalho,
através dos Aparatos de Propaganda.
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Edgar Rocha
Deveríamos nos aprofundar às razões pelas quais o discurso criminalizador do jovem tem tanta força. Não se trata de uma imposição da mídia enquanto eco dos setores mais autoritários da sociedade, somente. Isto pouco valeria, se não houvesse também, a geração de um contexto que valide tais ideias. É a sensação que justifica a análise. Não se pode negar que existe uma sensação real de que o jovem atual constitui-se num perigo equivalente a um carro sem freios na ladeira. Se tal sensação, embora real, seja fruto de um caldo de cultura gerado pelo próprio sistema, cabe-se discutir depois. Primeiro, sejamos humanos também com os que são empurrados para o apoio à solução drástica de redução da maioridade penal. Afinal de contas, esta tese também recebe apoio dos setores menos privilegiados, nas periferias. Talvez, muito mais do que nos centros medianamente instruídos. Há uma instrumentalização, da juventude enquanto agente do medo e da sensação de insegurança. Pode ser que isto não se configure em atos hediondos, como mostram as pesquisas. Pode ser também que o medo perante a juventude não seja mais que pura histeria. Mas, se não se justifica lançar mão da lógica simples da redução da maioridade penal como solução, também não se justifica combater ou negar o medo disseminado lançando mão da lógica dos dados estatísticos. Há humanos com medo do lado de lá, também. É preciso saber por que a sociedade está com medo e por que ela se torna permeável ao discurso de criminalização do jovem, a despeito do números. A resposta a estas questões está rebolando diante do nossos olhos: o terrorismo de Estado (oficial e paralelo). Terrorismo este já tão criticado enquanto prática de controle de massas em análises de macro estrutura. Nos esquecemos de enxergá-lo enquanto prática de Estado no interior de nossas instituições, nacionalíssimas, porém, extremamente consonantes com o contexto político internacional atual. Nossos jovens estão sendo usados, como fora a juventude hitlerista no período entre-guerras, como o propósito de incitar o medo e a insegurança na medida certa para se justificar o recrudescimento do autoritarismo e seu fortalecimento na mentalidade brasileira, bem como ampliar o espaço político de seus agentes verdadeiros. Esta é uma discussão que tem que ser feita, caso contrário, o medo irá continuar crescendo e atitudes como a da juíza Cristiana Cordeiro continuarão a ser rechaçadas pela sociedade permeável ao discurso autoritário veiculado pela mídia. Sugiro começarmos por analisar nossas concepções sobre o que seria o comportamento natural de um jovem nestes dias terríveis, e o quanto este comportamento é incentivado não só pela mídia. Seria profilático levar a referida juíza num destes funks de rua improvisados na periferia de São Paulo, com as bênçãos do tráfico e da PM locais. Se ela for realmente humana, duvido que vá aprovar. Talvez entenda que o buraco está um pouco mais embaixo do umbigo midiático. Enfim, não é só uma questão de mídia.
FrancoAtirador
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Os Bolsonaro’s Baby Boys é que precisam de medidas educativas ressocializantes.
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FrancoAtirador
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Entrevista: Siro Darlan e Cristiana de Faria Cordeiro
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20/04/2015 18:12
PORTAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (TJ-RJ)
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O coordenador da Coordenadoria Judiciária de Articulação das Varas da Infância e da Juventude e Idoso (Cevij), desembargador Siro Darlan e a juíza titular da 7ª Vara Criminal da Comarca de Nova Iguaçu / Mesquita, Cristiana de Faria Cordeiro, afirmaram que a decisão tomada pela juíza em soltar adolescentes infratores durante a realização de três audiências realizadas pela Vara da Infância cumpriu o que determina a lei, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
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Os magistrados afirmaram ter estranhado a repercussão negativa da decisão na mídia,
ressaltando que todos os estados do país seguem o mesmo modelo
e que o Rio de Janeiro estava atrasado em relação às avaliações dos menores
que cumprem medidas socioeducativas.
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Eles também criticaram a lei que tramita no Congresso para redução da maioridade penal.
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Por que esta decisão de soltar os adolescentes infratores provocou tanta repercussão e uma reação negativa do MP?
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Desembargador Siro Darlan – Existe uma lei do Sistema Nacional de Aplicação de Medidas Socioeducativas (Sinase) que determina que as audiências de reavaliação de cumprimento de medidas sejam feitas periodicamente, para ver se esses adolescentes estão em condições de retornarem ao convívio social e familiar. Então quando aplica a pena de privação de liberdade, que pode durar até três anos, o juiz, obrigatoriamente, tem que fazer a reavaliação. Isso é feito em todos os estados da federação. Nós aqui no Rio de Janeiro não estávamos fazendo. Eu realizei essas audiências nas unidades nos anos de 1990 a 1994, quando estive à frente da Vara da Infância e da Adolescência. Então não tem nada de novidade, de diferente, de absurdo nessa medida, que nada mais é o que a lei determina.
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Juíza Cristiana Cordeiro – Essa questão é polêmica por causa da desinformação. O estado do Rio está bastante atrasado nesse processo de cuidado mais individualizado com presos, com adolescentes em sistema socioeducativo, com essas pessoas que são alijadas da sociedade por cometerem algum delito. A lei é muito específica quando diz que os adolescentes precisam de reavaliação, ou seja, precisam de um olhar diferenciado. Diferentemente do adulto, esse olhar tem que ser feito com base em análises sociológicas, psicológicas, pedagógicas e eu acho que é impossível analisar criteriosamente um adolescente tomando por base, exclusivamente, um papel.
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Nessa avaliação o perfil criminológico de todos os adolescentes é avaliado?
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Des. Siro Darlan – A equipe técnica das unidades do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase), formada por psicólogos, assistentes sociais e por pedagogos, é a responsável pela avaliação a partir das entrevistas com os familiares e com os adolescentes. E essa equipe técnica deu parecer favorável à medida. Há um equívoco de entendimento que precisa ser esclarecido. O jovem, quando é julgado por um ato infracional que praticou, recebe uma medida. O que se avalia depois disso, apesar de ter cometido um ato grave ou não, é, se ele está em condições de voltar ao convívio com a família. A lei diz com muita clareza: na avaliação é vedado ao magistrado levar em conta o ato infracional praticado. O comportamento dele é que tem que ser levado em conta.
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Como o sr. encara essas críticas que são feitas por parte da sociedade em relação à soltura de adolescentes?
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Des. Siro Darlan – Eu atribuo isso ao preconceito contra esses jovens, que têm, como todos têm, o direito de ter uma oportunidade, de se recuperar e de serem considerados aptos a conviver na sociedade. Esse preconceito é que afasta esses adolescentes e que aumenta a violência. A sociedade tem uma ânsia pela punição, quando, na verdade, a gente precisa reavaliar as condições de convivência entre as pessoas.
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O senhor não acha que esse temor da sociedade em relação ao aumento da violência e da insegurança justifica essa reação contrária em relação à soltura de adolescentes?
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Des. Siro Darlan – Quem faz e exacerba o medo é uma parcela da mídia que tem que mostrar o outro lado desses jovens. É preciso conhecer esses adolescentes, que são iguais aos nossos filhos. A diferença é que eles estão do lado de lá e os nossos, do lado de cá. Mas a sociedade se afasta deles, exclui, quer vê-los longe. E aí se cria o medo. Tenho um objetivo de abrir as portas dessas unidades para que as pessoas visitem e constatem, primeiro, as péssimas condições que o Estado oferece a esses adolescentes. A sociedade precisa conhecer isso e compreender que esses jovens com um mínimo de estímulo positivo vão fazer mais bem a sociedade do que o mal. Eu espero poder levar o maior número de formadores de opiniões, de jornalistas para conhecerem aquela realidade.
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Como avalia a ampla maioria de aprovação da sociedade em relação à redução da maioridade penal?
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Des. Siro Darlan – Avalio como ignorância pura, alimentada por uma mídia deformadora de opinião pública. Temos um Congresso ultraconservador, que está querendo vender mais armas, ou seja, aumentar a violência, e está querendo aprisionar mais gente, ou seja, aumentar mais a violência. A aplicação das medidas socioeducativas representa, apenas, 30% de reincidência. A aplicação das medidas penais representa 70% da reincidência. Ou seja, a mídia, a opinião pública e esse Congresso conservador estão vendendo à opinião pública um produto podre. Na medida em que se colocar esse colégio de agentes de atos infracionais que representa 1% da violência do Brasil na cadeia, vai transformar 30% de reincidentes em 70% de reincidentes. A sociedade está sendo enganada. É um engodo. A violência vai aumentar.
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Juíza Cristiana Cordeiro – Se essa lei for aprovada, teremos que assistir a perda de gerações, que serão, literalmente, jogadas no lixo. Na vara criminal onde atuo, recebo esses jovens de 18 e 19 anos, que pouco diferem desses adolescentes que encontramos nas unidades socioeducativas. São todos com baixíssima escolaridade, que muitos não sabem ler e escrever. É isso o que queremos para o nosso futuro, nos cercar de grades e prisões?. A grande maioria dos adolescentes internados cumprem medidas socioeducativas pela prática de tráfico de drogas e não por atos violentos. Estes últimos, que são os mais divulgados, correspondem a apenas 1%.
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(http://www.tjrj.jus.br/web/guest/home/-/noticias/visualizar/10305)
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