Rogério Dultra dos Santos: Novo Código Penal é de inspiração fascista

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Ferri ressuscita. No Brasil.

INOVANDO NO RETROCESSO: O “NOVO” CÓDIGO PENAL DE AMANHÃ

Por Rogerio Dultra dos Santos, via Conversa Afiada

O projeto de novo Código Penal (PLS 236/2012) que será levado a plenário no Senado Federal, acolhido sob o signo de novidade, sofreu um conjunto massivo de intervenções que o transformou em uma legislação de exceção. Inova no retrocesso.

O seu texto é o mais reacionário da história republicana na matéria criminal. Ele radicaliza os elementos fascistas do Código de 1941, restringe as inovações da reforma de 1984 e – dentre outros inúmeros absurdos – é coroado com o infame art. 21, que elimina o princípio da legalidade. De quebra, incorpora a barganha e a delação, instrumentos medievalescos que estimulam o arbítrio e a chantagem institucionais.

O projeto radicaliza em direção ao fascismo porque a sua orientação geral é a de fragilizar o controle e os limites normativos em prol de uma grande discricionariedade atribuída às autoridades policiais e judiciais. E se a atividade repressiva não está restringida pela lei, o abuso se torna seu modus operandi.

Ele igualmente restringe as inovações da parte geral do código atual e limita os parcos avanços da lei de execução penal. Um exemplo gritante é que a cela individual deixa de ser uma regra obrigatória – obrigatoriedade que, inclusive, constrange o poder público a reformar o sistema carcerário –, e se transforma em mera meta de política carcerária.

Mas uma das alterações mais graves é a inserção do conceito de “início da execução” do crime. Este simples artigo altera toda a lógica de funcionamento do direito penal como uma garantia capaz de controlar e limitar a atividade repressiva.

Por este artigo do projeto, o planejamento do crime – o que quer que isto signifique – e os atos preparatórios à realização do crime propriamente dito passam a ser considerados, em conjunto, “início de execução”. Assim, o sujeito começa a matar alguém (“Art. 121. Matar alguém”) antes mesmo de começar a ação de “matar”.

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Este malabarismo semântico, na prática, significa o fim da garantia de que só pode haver punição quando se viola o estabelecido em lei escrita (“Art. 1º. Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”).

Veja-se a redação proposta pelo art. 21: “Há o início da execução quando o autor realiza uma das condutas constitutivas do tipo ou, segundo seu plano delitivo, pratica atos imediatamente anteriores à realização do tipo, que exponham a perigo o bem jurídico protegido.” (grifo nosso)

A segunda parte do caput do artigo autoriza a persecução penal por condutas não descritas na lei penal e mesmo sem lesão ao bem protegido. Um indivíduo pode ser punido por homicídio tentado, por exemplo, caso o seu projeto de construção civil contenha erro de cálculo que possa expor a risco de vida.

Ora, numa primeiríssima vista pode até parecer interessante para alguns a ideia de que os engenheiros incompetentes, que hoje só podem ser processados quando há desabamentos, sejam criminalizados por seus projetos.

Mas esta ideia não é apenas equivocada. Há não somente graves erros, como nefastas conseqüências na proposta.

O primeiro erro é lógico. Pelo sistema atual e, inclusive, pelo disposto num artigo do próprio projeto, o art. 19, o crime só ocorre de fato, quando todos os elementos – a realização da conduta descrita no texto e a lesão ao bem protegido – estão presentes: “Diz-se o crime: I –consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal.”.

Apesar do desejo punitivo de alguns, só há homicídio quando um sujeito MATA alguém. E só há tentativa de homicídio punível quando, depois de iniciada a EXECUÇÃO da AÇÃO de matar alguém, a morte não se consuma “por circunstâncias alheias à vontade do agente”.

Desta forma, ainda segundo a lógica atual, a mesma do art. 19 do projeto, o sujeito só pode ser processado por homicídio ou por tentativa se ele se torna sujeito ativo do verbo MATAR, se a sua conduta se adéqua ao núcleo verbal ativo do caput do artigo penal (no caso, “matar alguém”).

Diferentemente do que diz o novo art. 21 do projeto de código, portanto, o “início da execução”, na técnica penal moderna, está vinculado ao conceito de fato típico, ou seja, de uma conduta descrita como inadequada pela legislação penal.

Com a redação do art. 21, o projeto de código pretende relativizar os limites que a lei penal estabelece: não vai se processar somente os que são acusados de violar a lei, mas aqueles sob os quais pesar a suspeita de terem PLANEJADO violar a lei, de estarem se PREPARANDO para violar a lei.

Desaparecem, assim, os limites jurídicos para investigar, processar e julgar. Qualquer um pode ser perseguido por fazer virtualmente qualquer coisa que seja interpretada pelas autoridades policiais ou judiciais como “inicio da execução” de um crime.

Esta confusão conceitual presente no projeto de código penal certamente é lógica. Mas também reflete uma disputa política pelo alcance que a repressão pode tomar com a nova legislação.

É a incorporação das “teorias do risco”, de origem assumidamente fascista, que objetivam punir o risco de lesão, o perigo, como “início da execução” e reprimir as intenções criminosas (o “plano delitivo”) antes mesmo de se transformarem em ações lesivas.

A finalidade política é a de “profilaxia social”. É limpar a sociedade dos “elementos indesejados” como já disse o Senador Fascista de Mussollini, Enrico Ferri, o maior penalista reacionário do século passado, inspiração mais ou menos assumida desta “teoria do risco”.

A questão por trás do art. 21 é que a decisão sobre a ilicitude da ação deixa de ser estritamente amparada na letra da lei e passa a ser controlada apenas pela interpretação de quem a aplica.

O flerte com o arbítrio ainda é estimulado pelo instituto da delação, da colaboração – e da conseqüente barganha – que, no projeto, se generaliza. O novo texto permite que se negocie penas e o encaminhamento do crime à justiça em troca do “arrependimento” de quem dedura. É o conhecido e funesto pacto entre o desvio e a autoridade.

Assim, na lógica da negociação, onde os fins se sobrepõem aos meios, a investigação técnica torna-se supérflua. E onde a comunidade internacional vê a atualização da legislação para o combate ao crime organizado, os Estados nacionais assistem o rigor do direito público ser suplantado pelo funcionamento silente das práticas administrativas e da burocracia judicial.

Esta é a carta branca normativa tão esperada pelos setores mais conservadores para que todo o sistema repressivo, inclusive o policial, atue sem limites legais, mas “dentro” da lei.

Para quem está assustado com a ampliação de manifestações sociais de caráter fascista e irracional, este Projeto de Código Penal é a ponta de lança para um autoritarismo que nem o Estado Novo e nem a Ditadura Civil-Militar de 1964 assumiram realizar.

Você que é gay, lésbica, trans, negro, pobre, petista, comunista, umbandista ou se enquadra em qualquer rótulo “da hora” se prepare: a reação à civilização abrirá amanhã um novo e nefasto capítulo, porque é sobre você que esta legislação está falando.

A “teoria do risco”, incorporada de forma generosa pelo projeto do “novo” Código Penal, é a irmã gêmea da teoria do Inimigo no Direito Penal. O inimigo penal deve ser, segundo os seus autores, eliminado.

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Comentários

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Edgar Rocha

Mas, o que se tem por esquerda no país é ALGO muito precário, mesmo. e não há contraponto no momento. (Corrigindo)

lulipe

Se dependesse do PT nem cadeia existiria, afinal os criminosos não passam de coitadinhos vítimas da opressão burguesa-capitalista-direitista…Faz-me rir!!!

Vicente

Tudo o que não é de inspiração petista é fascista? #táserto

Edgar Rocha

Quer ver aprovarem isto rapidinho, sem ação contrária? Pega esta molecada do PCC aliciada pela PM corrupta e dá uma prensa, pra forçar um salve-geral. Venho falando isto a tanto tempo e não sou nenhum gênio: o ponto fraco da democracia é o crime organizado, com seus tentáculos na direita política do país. Isto nunca foi combatido. Ao contrário, tenta-se cooptá-lo, como se sua posição política anulasse os riscos de tê-lo como parte da malha social. A esquerda escamoteia a discussão por puro comodismo. Nunca bateram de frente com o Alckmin, nunca avançaram na luta contra o aparato corrupto herdado pela ditadura, nunca associaram o crime organizado com as forças autoritárias do conservadorismo. São herois contra o sistema, na visão de alguns. Está aí, o pulo do gato. Gente burra e mal intencionada dando as cartas na direita e na esquerda. Peçam pro Luís Moura e o Senival impedirem a realização deste projeto. Um dia, hão de vê-los no Gabinete do Telhada, isto sim.

    Rodrigo

    Quem foi preso em reunião do PCC foi um vereador petista, só para te lembrar.

    Associações com o crime organizado não são exclusivos da direita, infelizmente.

    Orivaldo Guimarães de Paula Filho

    E quem foi o gênio que te informou que o pt é um partido de esquerda? Existem no pt setores que interagem com a esquerda, mas não é um partido de esquerda.

    Edgar Rocha

    Rodrigo, é justamente isto que eu estou falando. Há pessoas dentro da esquerda que analisam o crime organizado sob a velha ótica da exclusão social e vêem em seus agentes figuras heroicas reagentes ao sistema. Se creem nisto, eu não sei, mas é o discurso utilizado pra justificar a aproximação com pessoas ligadas ao crime. Estas passam a ser “companheiros” merecedores de serem “contemplados nos quadros do partido, dada a sua condição de “liderança comunitária”.
    Orivaldo, não dá pra negar a autodefinição do PT enquanto partido de esquerda. Por outro lado, certas posturas realmente extrapolam os limites do PT e são comuns à esquerda brasileira em geral, ou ao menos aquilo que costumeiramente se define como esquerda no Brasil. O elitismo, o culto às lideranças, o afastamento das bases, a instrumentalização de movimentos legítimos com alavanca político-partidária, as análises baseadas em teorias acadêmicas afastadas da realidade social… são marcas de uma esquerda derivada de uma mesma linha política, com discordâncias muitas vezes superficiais. de fato hoje, o PT não é mais esquerda. Mas, o que se tem por esquerda no país é alor muito precário, mesmo. e não há contraponto no momento.

FrancoAtirador

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A Estratégia de Controle Repressivo
para Proteger o Modelo Neoliberal
é Criminalizar os Movimentos Sociais,
sob mesma Tese do “Inimigo Interno”
que justificava a Violência Policial
a pleno Arbítrio da Ditadura Militar
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RONDAS À CIDADE
Uma Coreografia do Poder
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Por Heloisa Rodrigues Fernandes (*)
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Este artigo procura interpretar algumas dimensões das práticas policiais de esquadrinhamento e vigilância do espaço urbano paulistano da década de 70:
as Rondas.
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Analisa a reorganização do aparelho policial pela ideologia da segurança nacional
que, centrada na tese do “inimigo interno”, transforma o cidadão em “suspeito”,
discriminando especialmente o trabalhador ao qual cabe o ônus de provar
que não é “bandido” nem “marginal”.
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Discute como a imprensa do período tende a criticar as rondas apenas pelos seus “excessos”.
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Aponta alguns paradoxos do “discurso da suspeita” e, entre eles,
o mais escandaloso: em nome do ‘cidadão de bem’ dissolve a Cidadania
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*(http://www.revistas.usp.br/ts/search/authors/view?firstName=Heloisa&middleName=Rodrigues&lastName=Fernandes&affiliation=&country=BR)
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(http://www.revistas.usp.br/ts/article/view/84774/87494)
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FrancoAtirador

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“Reforma do Código Penal é um Frankenstein”
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Jurista Renê Ariel Dotti
(Em Entrevista ao Congresso em Foco)
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Ex-relator da parte geral do código na comissão de juristas,
diz que abandonou porque discussões eram desvirtuadas
para promover imagem de Senadores e do próprio Senado.
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“Tudo era feito pelo Senado na forma de Marketing.
Antes mesmo de definirmos qualquer coisa,
o relator-geral já estava dando entrevista como se já houvesse decisão.
Faltou método e sobrou açodamento.”
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(http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/rene-dotti-reforma-do-codigo-penal-e-um-%E2%80%9Cfrankenstein%E2%80%9D)
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Leia também:
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26 de junho de 2013, 16h52
Revista Consultor Jurídico
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Jurista René Ariel Dotti declina do convite para revisão de normas penais.
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Em 2012, Dotti já havia deixado a Comissão de Reforma do Código Penal
com a alegação de pressões da Mídia e de Grupos Externos ao trabalho
e por discordâncias com o conteúdo do Projeto no Senado Federal.
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Íntegra da Carta de Recusa de René Dotti ao presidente da Comissão
organizada pelo Senado para Reforma da Lei de Execuções Penais,
ministro Sidnei Beneti, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) :
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(http://s.conjur.com.br/dl/carta-ariel-dotti-lep.pdf)
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    FrancoAtirador

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    Da Ditadura Militar à Democracia Civil
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    Por Renê Ariel Dotti, na Revista de Informação Legislativa (Brasília a. 45 n. 179 jul/set 2008)
    .
    […]
    13. A LIBERDADE DE NÃO TER MEDO
    .
    Segundo valiosa lição de Filosofia (FERRATER MORA, 2001, p. 1733), o conceito de Liberdade foi entendido e usado de maneiras muito distintas nos contextos da Filosofia Grega até os dias de hoje.
    .
    Eis alguns modos como foi compreendida: como possibilidade de autodeterminação, de escolha, como ato voluntário, como espontaneidade, como margem de indeterminação, como ausência de interferência, enfim, como libertação para alguma coisa, como realização de uma necessidade.
    .
    Além disso, o seu conceito tem sido ‘sentido’ de diversos modos, segundo a esfera de ação ou alcance da liberdade.
    .
    Fala-se, então, em liberdade pessoal ou privada, liberdade pública, liberdade política, liberdade social, liberdade sexual, liberdade de expressão, liberdade de opinião, liberdade de religião etc.
    .
    O termo ‘liberdade’ pode ser compreendido em três significados essenciais:
    a) Como ‘autodeterminação’ ou ‘autocausalidade’, segundo a qual tal fenômeno não contém limites ou condições;
    b) como ‘necessidade’;
    c) como ‘possibilidade’ ou ‘escolha’, hipótese em que ela é limitada e condicionada, isto é, finita.
    (ABBAGNANO, 1970, p. 577-578)
    .
    Independentemente da perspectiva que se adote para refletir sobre o tema, ou mesmo para exercer essa faculdade, é certo que a liberdade constitui o mais valioso dos bens espirituais, porque é por ela que o ser humano pode receber, recolher e transmitir as impressões acerca da vida, do mundo e das pessoas que existem em suas relações sociais.
    .
    E qual será, dentro desse aspecto, a mais essencial das liberdades?
    A liberdade de pensar? De manifestar o pensamento? De expressão? De criação?
    .
    A Constituição Federal, em diversos títulos e capítulos, destaca as liberdades públicas e individuais.
    .
    Os constituintes inseriram, no preâmbulo da Carta Política, a opção religiosa e mística para um Estado Laico e exerceram, por outro lado, a liberdade de crença, ao promulgar a Constituição ‘sob a proteção de Deus’.
    .
    O primeiro dispositivo já é fruto da ‘liberdade política’ do Estado, para se organizar em Estado Democrático de Direito, que faz as opções sobre os fundamentos que arrola.
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    Uma sociedade ‘livre’ é um dos objetivos fundamentais da República.
    .
    Liberdade de consciência; de cultos religiosos; de atividade intelectual, artística, científica e de comunicação; de exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, mediante condições; de locomoção física no território nacional; de reunião pacífica, sem armas, em locais abertos; de associação para fins lícitos, e muitas outras expressas ou implicitamente declaradas e protegidas.
    .
    Pode-se afirmar que as hipóteses de liberdade que podem ser exercidas pelo homem têm o seu limite no infinito das hipóteses imagináveis, não faltando aquelas que se concentram na intimidade da vida privada, como a ‘liberdade de amar’ ou a ‘liberdade de morrer a própria morte’.
    .
    Não há método seguro para se distinguir, entre todas, qual é a liberdade mais necessária e mais importante no universo das liberdades que possam ser consideradas como fundamentais.
    .
    Salvo por um critério personalíssimo e inerente às reações individuais, no cotidiano da existência.
    .
    Esse critério é o das emoções, que, conforme sua natureza, têm repercussões orgânicas e efeitos morais.
    .
    A ciência médica distingue as emoções em ‘primárias’ ou ‘simples’, e ‘secundárias’ ou ‘complexas’.
    Estas últimas são as reações afetivas que repercutem no psiquismo e envolvem o intelecto, assumindo, por essa razão, caráter mais estável e duradouro (bem-estar, otimismo, satisfação, alegria, júbilo, felicidade e até mesmo êxtase).
    As primárias, ou simples, “são as que emanam diretamente da vida instintiva. Representam respostas aos estímulos que ameaçam ou favorecem a conservação do indivíduo e da espécie.
    São elas o Medo, a Cólera e o Amor”.
    (MANIF, 1991, p. 149)
    .
    O medo, portanto, é essa emoção primária, sobre a qual Shakespeare
    disse ser “a mais amaldiçoada de todas as paixões baixas”.
    (Henrique VI, Primeira Parte, Ato V)
    .
    Em seu discurso de posse (1933), o Presidente Franklin Delano Roosevelt afirmou:
    “A única coisa de que devemos ter medo é o próprio medo”.
    .
    Penso, assim, que a maior das liberdades é a ‘liberdade de não ter medo’.
    .
    Sem ela, isto é, com o medo, não se pode exercer com plenitude qualquer outro tipo de liberdade.
    .
    O medo, durante os ‘anos de chumbo’ da ditadura militar, era facilmente transmitido pelos rumores e boatos, alastrando-se como epidemia em núcleos da sociedade civil, que pretendia resistir contra o governo, pacificamente ou pela força das armas.
    .
    Uma imensa legião de profissionais da advocacia, do magistério, da magistratura, do Ministério Público, parlamentares, jornalistas, líderes sindicais e, de um modo geral, as pessoas que tinham capacidade e competência para formar opinião sofriam a cada anúncio de novos atos institucionais, complementares ou de outra natureza.
    .
    A expectativa das novas medidas de exceção produzia novos ‘reféns do medo’.
    .
    Os beneficiários civis ou militares dos éditos ‘revolucionários’, muitas vezes interpretando os prebostes [*] de ocasião, faziam o coro para que as ‘sinfonias inacabadas’ do preconceito e da intolerância fossem executadas fielmente.
    .
    Com o retorno das práticas e convivências democráticas em função das garantias, direitos e interesses consagrados na Constituição de 1988, o País, a Sociedade, o Estado e a Nação se libertaram do medo. [Será?]
    .
    E o cidadão, antes marginalizado, perseguido ou preso, respira outros ares de liberdade [Será?]
    .
    Até mesmo a liberdade para saber que, quando soa a campainha da casa ou do apartamento no início da manhã, é o carteiro ou o leiteiro, e não o policial do
    Departamento de Ordem Política e Social, com um mandado de prisão. [Será?!?]
    .
    [*] (http://www.priberam.pt/dlpo/preboste)/(http://pt.wikipedia.org/wiki/Preboste)
    .
    Íntegra em:
    .
    (http://www.dotti.adv.br/Memorias001.pdf)
    (http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/176544/000843879.pdf)
    .
    .
    “Na época da ditadura militar, apareceu um fotógrafo para tirar fotos minhas.
    Me disseram que era para o Jornal do Brasil.
    Quando me mandaram virar de lado, logo vi que não era (risos).
    A ditadura foi instalada no dia 1.º de abril, Dia da Mentira,
    e não no dia 31 de março, como querem fazer acreditar.
    Em 2 de abril eu já tentava tirar da cadeia um oficial detido.
    Defendi o jornal Última Hora e jornalistas como o Cícero Cattani, Luiz Geraldo Mazza, Sylvio Back, Walmor Marcelino, Milton Ivan Heller, Francisco Camargo”
    .
    Professor René Ariel Dotti, advogado
    (Em entrevista ao Jornal Gazeta do Povo de 22 de dezembro de 2013)
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