Miguel Enrique Stédile: Acordo do governo com o Facebook vai comprometer privacidade e neutralidade da rede
Tempo de leitura: 4 minDilma veste a camisa do Facebook, mas Zuckerberg não veste a do Brasil
Acordo Dilma-Facebook é um retrocesso para o país
abril 15, 2015 11:30
no Escrevinhador, sugerido por Igor Felippe
Por Miguel Enrique Stédile, especial para o Escrevinhador
Durante a Cúpula das Américas, a presidenta Dilma Rousseff se encontrou com Mark Zuckerberg, criador, dono e mente por trás da maior rede social do planeta, o Facebook. Da conversa, saiu o anúncio de que o projeto internet.org aportaria no país, levando internet para famílias de baixa renda.
O internet.org foi anunciado por Zuckerberg no ano passado como uma iniciativa para levar internet para os 60% da população mundial que não estão conectados. Começou pela Zâmbia, mas neste ano já chegou à Colômbia, Paraguai e México.
O dono do Facebook estava na Cúpula das Américas justamente buscando outros países para receberem o projeto. Teoricamente, se trata de uma parceria público-privada em que a rede social intermedia um acordo com as operadoras de telefonia para que o acesso à internet seja gratuito nos locais definidos.
O primeiro problema reside justamente aqui. É o Facebook e as operadoras quem definem quais programas terão acesso gratuito e quais não terão. Por isso, é óbvio que o pacote de gratuidade inclui o Whatsapp ou o Instagram, que pertencem a Zuckerberg do que qualquer outro aplicativo concorrente de troca de mensagens ou de fotografias.
Apoie o VIOMUNDO
É como se o governo distribuísse aparelhos de televisão com a exigência de você só possa assistir uma emissora. Em outras palavras, não é o interesse público quem define quais os aplicativos, mas o parceiro privado. Logo, esta seleção fere o princípio de neutralidade da internet – que todos dados e serviços devem ter o mesmo tratamento, sem privilégios. Portanto, fere o próprio Marco Civil da Internet, promulgado por este governo e que deveria garantir essa neutralidade.
Segundo, a suposta gratuidade do serviço é falsa. O grande segredo do Facebook e de outras grandes empresas do ramo, como o Google, está no acesso de bilhões de dados dos seus usuários. Quando você acessa o seu perfil no Facebook, os comerciais exibidos são personalizados a partir das suas buscas recentes e de seus gostos pessoais. Informações como onde você esteve, o que gosta de comer, comprar, são armazenados e utilizados por essas empresas, constituindo num capital valioso. Pode não ser ilegal, já que os usuários aceitam os termos do serviço, mas é antiético. Por trás do altruísmo do Facebook, está a possibilidade de incluir milhares de novos consumidores em seus bancos de dados.
Sem garantia do interesse público, não há possibilidade de que programas que respeitem a privacidade dos usuários sejam escolhidos em vez dos aplicativos que funcionam capturando dados e utilizando de acordo com seus interesses econômicos.
Terceiro, e mais grave, o Facebook está no centro de uma polêmica que a presidenta conhece bem. Segundo as denúncias de Edward Snowden, o Facebook é um dos principais alimentadores do programa PRISM da NSA (National Security Agency – Agência Nacional de Segurança), utilizado ilegalmente pelo governo Obama para monitorar milhares de cidadãos americanos ou não.
As denúncias de Snowden revelaram que o governo americano utilizou uma série de programas clandestinos para “grampear” digitalmente não apenas cidadãos, mas governos. No caso brasileiro, a Petrobrás, a Presidência e o Ministério das Minas e Energia.
No mês de março, o Tribunal de Justiça da União Europeia analisou um processo movido por ativistas contra as empresas norte-americanas, que fornecem dados para o PRISM – Facebook, Google, Yahoo, Apple, Microsoft e Skype. Na ocasião, o advogado da Comissão Europeia Bernhard Schima declarou que “ se você quiser manter a NSA longe dos seus dados, não use o Facebook”.
Por conta do episódio, a presidenta havia cancelado uma vista aos Estados Unidos. Durante a Cúpula, Dilma se reconciliou com Obama, mas também com seu agente indireto, Zuckerberg. E ainda, segundo reportagem do New York Times em fevereiro, Dilma continua sendo vítima da vigilância ilegal e clandestina da NSA.
Ao estender a “pemedebização”, ser gentil e dócil com seus opositores, Dilma comete a irresponsabilidade com esse episódio de comprometer dados dos cidadãos brasileiros. Para ampliar o acesso à internet para milhares de brasileiros, Dilma não precisaria se aliar a Zuckerberg.
Poderia, por exemplo, desarquivar o projeto do ex-ministro Franklin Martins de ampliação da banda larga, ou ainda respeitar as discussões da 1.ª Conferência Nacional de Comunicações, sobre o respeito à privacidade, à promoção do software livre e expansão da Banda larga. Ou ainda ler o abrangente trabalho do Intervozes sobre a universalização da Banda Larga (clique aqui para ler), que considera o Estado como indutor fundamental deste acesso.
Com o Marco Civil e a posição dura em relação a espionagem, denunciando na Assembleia geral da ONU, Dilma e o Brasil ganharam o respeito e admiração no campo do ativismo digital, tornando-se referência mundial no tema, a ponto do Wikileaks considerar sua transferência para o país.
Agora, aceitar o internet.org significa não apenas um retrocesso, mas a extensão da política do governo das mídias tradicionais – tolerância e submissão – às novas mídias digitais.
Comentários
Daniel
Só em não ficar a mercer da mídia idiotas da REDE ESGOTO DE TELEVISÃO já é ponto positivo
Valmont
Do Portal Brasil, publicado em 10/04/2015:
[Dilma:] “A partir de agora, vamos começar a desenvolver estudos em comum, até desenhar um projeto com o objetivo da inclusão digital”, disse a presidenta. “Isso vai permitir ampliar o acesso à educação, à saúde, à cultura e tecnologia”, completou.
O governo federal e o Facebook utilizarão como ponto de partida projeto que a empresa desenvolve em Heliópolis, região carente de São Paulo. “Estamos muito empolgados com essa parceria, e amplificar o acesso à internet permite avançar em diferentes áreas, como economia moderna, emprego, educação e comunicação”, disse Mark Zuckerberg.
“Desenvolver estudos” e “desenhar um projeto” significa que não existe nada definido em relação aos aspectos que o autor do texto coloca como fato consumado a ameaçar a neutralidade da rede. Afinal, a quem NÃO interessa o acesso gratuito à Internet?
Obviamente, as atuais empresas de telecomunicações que cobram (caro) pelo serviço, como a NET, OI, etc.
Não vi nada escrito sobre a obrigatoriedade do cidadão acessar ou deixar de acessar qualquer site ou serviço na Internet. Se há algo escrito, que o autor indique as fontes de suas preocupações. Afinal, por que bombardear uma iniciativa que pode beneficiar os cidadãos de baixa renda do Brasil? Só por que não vai com a cara de Zuckerberg? Sejamos racionais.
Mark Twain
@Valmont: Existem diversos motivos para as pessoas “Não irem com a cara do Zuckberg”. Coicidentemente a lista kilométrica pode começar com o fato do Mafioso Zuckberg já ter enganando um Sócio Brasileiro.
Você, Valmont, quer entregar o seu país para os gringos mafiosos porque não consegue dar conta do recado?
Não conte comigo.
Mark Twain
Senhoras e Senhores!
Esta foto é deprimente.
O Facebook é a favor da neutralidade na rede assim como Gandhi era a favor do uso de submetralhadoras.
http://saintsal.com/facebook/
Panino Manino
Olha só, um monte de companhia pulando fora do Internet.org justamente por violar a neutralidade de rede.
http://www.huffingtonpost.in/2015/04/15/internetorg-withdrawal_n_7071532.html
Jader
Ruim com ele, pior sem ele. Eita povo reclamâo, esse de esquerda.
Mark Twain
Ruim sem ele pior ainda COM ele. Eita povo otário este de direita.
Nelson
É irritante e deprimente ao mesmo tempo.
–
Parece muito aquelas medidas que são tomadas para bajular o amo. Esfriou o relacionamento com os EUA devido à espionagem e a Dona Dilma ao invés de deixar que o Obama viesse se retratar, sai a “pedir bixiga”.
–
Enquanto isso, a Internet pública e de qualidade, que seria a única a servir realmente ao povo brasileiro, fica represada.
–
Esta tendência de boa parte dos governos do PT, de ficarem bajulando os neoliberais e o empresariado privado, ao invés de assumir as responsabilidades do Estado, é irritante, é de causar náuseas. Vai bem no rumo que quer o duo FMI/Banco Mundial.
–
A ainda insistem em tentar me convencer de que o FMI foi mandado embora do Brasil.
Enrico Siles
Concordo com as preocupações do autor. Só falta dona dilma procurar o bill gates e propor dar um windows eunuco para os de baixo. Alas, tudo a ver , aos bacanas tudo, aos de baixo migalhas de pão bolorento.
Lukas
O que os que seriam beneficiados pelo programa acham disto?
Athos Rache
Os beneficiários, que hoje não tem acesso, quando tiverem acesso, pode optar por NÃO usar o Facebook.
E aí a tese do artigo cai por terra.
Me parece OBVIO que o autor não entendeu o que é NEUTRALIDADE de acesso a internet.
Athos Rache
FB é um dos maiores incentivadores DA NEUTRALIDADE.
Seu NEGÓCIO depende da NEUTRALIDADE!
Tudo bem que vc seja contra o capital, mas o que vc diz TEM que fazer sentido, ok.
Carlos Salgado
De pleno acordo!
É muita ideologia e pouco pé no chão!
Panino Manino
Espero que vi você esteja mal informado apenas.
Facebook um dos mais incentivadores da neutralidade? Poder escolher como e por onde navegar? Como linkei acima os indianos já pularam fora do barco justamente por causa disso. Sem mencionar que a Dilma deveria é financiar infraestrutura nacional, essa iniciativa vai contra tudo que ela falou tempos atrás.
Deixe seu comentário