Lincoln Secco: Na superfície, partidos vagam como um corpo sem alma
Tempo de leitura: 4 minO trabalho de base
por Lincoln Secco, no Blog da Boitempo, sugerido pelo Antônio David
Em julho de 1919 Filip Mironov ousou escrever uma carta aberta a Lenin onde reportava que os camponeses da região do Dom gritavam “Queremos sovietes, fora os comunistas”. Claro que se referiam aos “comunistas” que oportunamente aderiram depois de 1917. Mironov tinha sido o responsável pela resistência ao avanço das tropas brancas do General Krasnov. Em 1920 foi preso e assassinado pelo governo bolchevique. Em 1960 o Exército Soviético o reabilitou.
O dilema daquele cossaco pobre que se fizera chefe militar foi o da esquerda histórica desde a Revolução Francesa. Jacobinos sob Napoleão, comunistas sob Stalin e anarquistas na Rússia ou na Espanha tinham que escolher entre o déspota progressivo ou a derrota para inimigos muito piores.
Longe estamos de situação parecida no Brasil. Nenhum grupo de esquerda tem aquelas qualidades que só o momento histórico e as escolhas humanas podem forjar. Ainda assim, vivemos uma situação política muito grave. Desde 1964 a Direita não saía às ruas. O governo caminhou tanto à direita que perdeu parte do apoio que tinha nos movimentos sociais e não recebeu nenhum alívio de seus opositores do mundo oficial da política.
O que deveriam fazer os novíssimos movimentos populares diante de uma ameaça de impeachment da presidenta eleita?
TRABALHO DE BASE
Antes de mais nada cabe dizer que, individualmente, ninguém deveria permanecer indiferente à cassação de um mandato legítimo. O atual governo tem o direito de cumprir seu mandato, ainda que o atual governo seja conciliador e não tenha percebido que o pacto social rentista que outrora o sustentava se quebrou.
Mas a pergunta não se refere a indivíduos e sim a coletivos.
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Os novíssimos movimentos fazem aquilo que o PT abandonou faz muito tempo: trabalho de base. Por isso, a ascensão do Movimento Passe Livre no período de junho de 2013 a janeiro de 2015 só surpreendeu quem estava preso ao país oficial. Desde 2005 ele operava longe dos gabinetes da esquerda bem empregada.
Como ele, muitos coletivos e movimentos fazem seu trabalho silencioso nas periferias. Se despontarem aqui ou ali na cena política não será por obra das redes sociais. Na maioria dos casos não atuam com pautas amplas, concentram-se numa única de grande capacidade de mobilização local ou até nacional. Sua organização horizontal e sua utopia não acorrentam seus membros. Eles e elas formam ali esculturas sociais fora do circuito dos partidos de esquerda. A política oficial está numa frequência, eles e elas em outra.
COBRANÇAS
Constantemente tais movimentos são cobrados à direita e à esquerda. E os black blocs? Irão à marcha antifascista? São contra a Copa do Mundo? Ao atacar a prefeitura deste partido não colaboram com o governador daquele outro? Por que não se engajam na campanha pela água? Por que abriram a porta do inferno em junho de 2013? O que pensam do programa Mais Médicos? Por que não dão mais entrevistas?
A mais nova pergunta, caso a luta política venha a se acirrar será: são a favor do governo federal ou ficarão passiva e objetivamente ao lado dos fascistas?
A resposta mais óbvia é manter a autonomia. É que esses movimentos, diferentemente daqueles tradicionais da esquerda (sindicalismo, MST, MTST etc) não têm nenhuma relação orgânica com os governos petistas. Os movimentos sociais citados são parte importante de nossa história e têm todo o direito (talvez, o dever) de lutar pelo governo que ajudaram a construir.
Mas os novíssimos movimentos podem dizer tranquilamente que quem criou a crise política atual e tem que enfrentá-la é o próprio PT. Portanto, é incabível que eles se associem a um partido e a um governo cuja maioria condenou as manifestações populares dos últimos anos e, em alguns casos, apoiou a repressão a elas.
Muitos neopetistas defendem abertamente a prisão de “vândalos”. Não deixa de ser sugestivo que o único aspecto positivo que a grande imprensa destacou ao mesmo tempo nos dois protestos de 13 e 15 de março foi o caráter “pacífico”. Embora as selfies com a tropa de choque e a apologia da Ditadura Militar não deixem de causar dúvidas… Apenas no dia 15 foram presos em São Paulo alguns “carecas” fascistas, logo soltos. Nenhuma palavra sobre Rafael Braga, o preso símbolo de junho de 2013.
RECUO ESTRATÉGICO
Apesar disso, os novos movimentos não deveriam ficar indiferentes à conjuntura. O ciclo recessivo de uma economia estruturalmente semi-estagnada, a nova estratificação social e as tensões políticas nas ruas também atingem o trabalho de base.
O lutador de rua é preso como criminoso comum, vândalo, associação criminosa e, possivelmente no futuro por terrorismo. Se até dirigentes petistas são selecionados entre a totalidade dos políticos corruptos do país para serem exemplarmente julgados, o que esperar para quem não possui a rede de apoio jurídico e parlamentar dos partidos estabelecidos?
A combinação de economias exportadoras de matérias-primas, demanda mundial crescente por elas e governos de centro-esquerda entrou em crise no Brasil, Argentina, Equador, Venezuela e talvez até na Bolívia. Em Honduras e Paraguai, extremamente periféricos, nem chegou a funcionar. A demanda dos países ricos pelas commodities esbarra, todavia, no fato de que aqueles governos latinoamericanos eram permeáveis também à mobilização popular por maiores compromissos do Estado com saúde, educação, transporte, agricultura familiar e livre de transgênicos e contra grandes obras destinadas à geração de energia para a economia primária exportadora e à construção de corredores de escoamento dos produtos exportáveis. Ainda que tais governos mantivessem intacto o grande capital.
Diante disso, o trabalho de base enfrentará maior hostilidade policial quando levar a protestos públicos, ocupações e manifestações nas ruas. O que fazer? A resposta não pode estar neste texto e sim na própria dinâmica dos novíssimos movimentos sociais. Eles continuarão seu trabalho silencioso na infraestrutura da sociedade civil. A aposta é que depois de junho vivemos um novo ciclo político no Brasil. A luta dos partidos continuará e alguns deles, se souberem fazer um aggiornamento à esquerda, continuarão importantes na superfície, mas como um corpo sem alma.
Mas no subterrâneo da política, há um espírito vibrante, ainda sem um corpo social. Como um espectro que nos ronda.
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Comentários
Paulo Falcão
Vocês não aprovaram meu comentário anterior. Sei que a censura não é estranha ao ideário da esquerda, mas estranhei a iniciativa. O que incomodou? A clareza? A demonstração de que Lincoln Secco não entende do que está falando?
Vocês optaram por censurar um leitor atento que acredita que debate com quem concorda conosco não é debate, é conversa entre amigos. Um leitor liberal que concorda com a mais famosa frase da marxista Rosa Luxemburgo.
Repito abaixo o que foi censurado antes. Quem sabe o moderador deste turno também concorde que “A liberdade é quase sempre, exclusivamente, a liberdade de quem discorda de nós”:
Lincoln Secco consegue a façanha de ser mais errado que Safatle. Estes dois apologistas do conflito, estes dois “sonhadores” da ditadura que liderarão com o “aggiornamento à esquerda”, fazem uma leitura estranha da realidade e estranha à realidade.
Exagero? Vejamos este trecho:
“A combinação de economias exportadoras de matérias-primas, demanda mundial crescente por elas e governos de centro-esquerda entrou em crise no Brasil, Argentina, Equador, Venezuela e talvez até na Bolívia. Em Honduras e Paraguai, extremamente periféricos, nem chegou a funcionar. A demanda dos países ricos pelas commodities esbarra, todavia, no fato de que aqueles governos latinoamericanos eram permeáveis também à mobilização popular por maiores compromissos do Estado com saúde, educação, transporte, agricultura familiar e livre de transgênicos e contra grandes obras destinadas à geração de energia para a economia primária exportadora e à construção de corredores de escoamento dos produtos exportáveis. Ainda que tais governos mantivessem intacto o grande capital.”
Por que esta análise é uma coleção de bobagens? Vamos lá:
1) Os governos citados, todos eles, entraram em “crises anunciadas” por todos que sabem que, na discussão entre a ideologia e a matemática, a segunda sempre acaba com a razão.
2) A demanda dos países ricos, no que toca à energia e escoamento, esbarrou em escolhas ideológicas erradas, incompetência gerencial e falta de planejamento. No Brasil, por exemplo, os programas sociais não tiveram qualquer impacto negativo nestas áreas. Nem tampouco os gastos com saúde e educação lhes tiraram verbas. Esta é uma conclusão que desqualifica o autor para qualquer debate sério. Os problemas foram todos gerados por decisões equivocadas dos governos de turno. A culpa é deles, não dos países ricos. O nome disso é incompetência.
3) Citar agricultura familiar na frase foi meramente uma carona ideológica. Este tema, no período analisado, foi irrelevante até como assunto.
Há análises mais lúcidas no próprio campo da esquerda, como a de Antônio David decupando discurso de Safatle e analisada no artigo “COMPANHEIRO, VOU FAZER SUA AUTOCRÍTICA”: http://goo.gl/m1hzWv
Há também uma contraposição comentada de dois artigos, um deles de Lincoln Secco, que pode ser lida aqui: O REACIONÁRIO E O LIBERTÁRIO: QUEM É QUEM?: http://goo.gl/FJZs0I
Fica o convite para a leitura.
carlos saraiva e saraiva
Parece que estamos todos contaminados, pelo discurso ideológico do “fim de um ciclo”, ” fim dos movimentos tradicionais”, crise da democracia representativa, que alimenta o anti petismo, o fim do lulo petismo. O despertar do novo e a incompreensão “seletiva” do PT e dos governos democrático populares que aqui se instalaram, junto com vários na América Latina, mudando a geopolitica da região e do mundo. Assim , pergunto ao nobre articulista, o movimento de 2013, iniciado pelo MPL e capturado pela classe média reacionária que levou ao inicio do desgaste do governo e da presidenta, foi espontâneo? O nobre articulista sabe que não, pois não existe movimento espontâneo e sabe que foi articulado pela autodenominada “esquerda autêntica”, que o entregou ou lhe foi retirado pela classe média reacionária, preconceituosa e colonisada. Os movimentos “de massa”, “espontâneos”, que foram às ruas , capitaneados pelo “vem pra rua”, “revoltados on line”, respaldados pelo PSDB e interesses internacionais, são movimentos de “base”, apartidários, inconformados pela “direitização” do PT e do governo? Ou é a direita fascista organizada e golpista. Precisamos entender o que se passa aqui , na Argentina, na Venezuela, no Equador, e na geopolitica internacional. Ver o ataque à Petrobras. O novo não nasce como um clarão, ele tem raizes no passado, nas condições do presente e para onde nos leva o futuro. O PT, precisa autocrítica, sim , necessita rever seus métodos, fazer uma leitura bem feita da conjuntura, sim, mas a intelectualidade engajada e a “esquerda autêntica”, tem de trocar o “senso comum publicado” e muitas vezes oportunista, pelo “bom senso” revolucionário.
Márcio Gaspar
O MPL conseguiu arrastar a direita coxinha para as ruas naquele junho 2013 com a ajuda da mídia, que deu um 180° após ter seus jornalistas feridos gravemente na repressão da PM. Causou comoção na população, que começou a criticar a atitude da PM, e acharam justos as reivindicações do MPL, que ganhou adesão de outros participantes com pautas que não eram do movimento. Cartazes contra o governo, propositadamente planejado a aparecer no noticiário midiático global com intuito de causar prejuízos políticos eleitorais nas eleições para presidente. Seguiu no ano seguinte outro movimento, o não vai ter copa, também com intuito político. Esse organizado pela direita, mas que também arrastou às ruas a parcela mais à esquerda que se indignava com os gastos da Copa do Mundo e a situação precária dos direitos sociais(saúde, educação, transporte etc). O que levou em massa esses movimentos as ruas foi, sem sombra de dúvidas, a grande mídia, que queria manipular, e conseguiu, politicamente esses movimentos para enfraquecer o governo. Recordem que, antes do junho de 2013, a aprovação de Dilma e o governo estavam boas. Infelizmente continuaremos a ter movimentos em massa nas ruas, patrocinados pela mídia(Globo) para atacar o governo, mas não teremos um movimento de MASSA para lutar por Direitos trabalhista e lutar contra a terceirização do trabalho. O que veremos nas ruas para lutar contra a terceirização serão os gatos pingados dos integrantes dos sindicatos apanhando da PM e sendo esculhambados pelo jornalismo patronal no noticiário o dia inteiro. Se fizerem uma pesquisas nas redes sociais verão que muitos estão apoiando a terceirização, pois entendem que isso tirará dinheiro dos sindicatos, e que esses por apoiarem o PT merecem isso mesmo. A desconstrução do PT serve também para a desconstrução dos sindicatos, que servirá para o enfraquecimento dos direitos trabalhistas e o retrocesso das (poucas) conquistas até agora conseguido. Se a terceirização de fato vier a se concretizar, nós teremos o aumento da pobreza, diminuição da classe média, aumento da violência e outras coisas ruins pela frente.
assalariado.
Na belissima e politizada passeata do dia 13/ 03, sob uma chuva intensa, não tive duvidas, alguma coisa estava, e está, diferente com relação aos partidos vagarem que nem fezes nas aguas daquela chuva e nas aguas da luta de classes, aberta na temporada pós Junho/ 2013. Ali estavam, em maioria, aqueles que, mesmo com visão critica ao governo da governabilidade, defewnderam a continuidade de um mandadto, digamos, popular. Muitos até tiraram a bunda do computador, não ficaram escondidos atras de um gabinete, um mandato. Fomos! Infelizmente, graças a midialixo e a sempre ausencia dos partidos que se dizem defensores dos assalariados e do povo, estão e ficarão a deriva, com relação a reação da massas quando esses (os partidos do povo), começarem a frequentar o lugar que nunca deviam terem se ausentado.
Trabalho de base, embora muito trabalhoso e cansativo, deixa para o militante comum/ ideologico, sem rabo preso economico com fisiologismo dos mandatos. Busca sim, um objetivo político que extrapola a estreiteza dos partidos aburguesados, acorrentados ao status quo do Estado burgues, capitalista e, jaz naufragados no seculo 20. Partidos esses, que não tem mais autoridade para cobrar porra nehuma dos militantes sociais que, por sua vez, estão vacinados contra a usura e a desfaçatez de nos procurar, só a cada dois anos eleitorais. Chega de sermos usados como massa de manobras da midialixo e por aqueles que vagam sem alma politica que nem cheiro de povo sabem mais como é. Ainda bem que, a história é dialetica. Caminhemos! Saudações Socialistas.
Edgar Rocha
Nenhum “PS do Viomundo” diante desta pérola?????
Por favor, desçam do muro! Estão parecendo tucanos.
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