Álvaro dos Santos: Lençol freático, o melhor reservatório para águas de chuva
Tempo de leitura: 3 minLENÇOL FREÁTICO: O MELHOR RESERVATÓRIO URBANO PARA AS ÁGUAS DE CHUVA
por Álvaro Rodrigues dos Santos, especial para o Viomundo
Esses tempos de crise hídrica em vários regiões e centros urbanos do país tem virtuosamente servido a um despertar de leigos e especialistas para certos aspectos de ordem hidrológica que somente não se destacaram antes porque nessas mesmas regiões que hoje sofrem com a falta do recurso hídrico predominava uma certa cultura da bonança hídrica, no âmbito da qual era inimaginável uma circunstância de escassez grave e prolongada.
O absurdo das perdas de água nas canalizações de distribuição, o enorme desperdício por parte os usuários finais, a criminosa poluição das águas urbanas, o desmatamento generalizado dos mananciais, a perda quase total do volume hídrico de chuvas ocasionais, compõem alguns desses paradoxos e aberrações.
No caso específico do melhor aproveitamento das águas de chuva o país pode, a partir dessas constatações, dar um enorme salto de qualidade em um período de tempo razoavelmente curto, com resultado fantástico para o balanço hídrico de suas cidades. Até porque em regiões como São Paulo, e especialmente em épocas como as de crise hídrica, como a atual, choca-nos testemunhar o enorme desperdício de boa água quando de chuvas torrenciais urbanas. É um paradoxo, como uma cidade em crise hídrica pode permitir que tal caudal de água boa se esvaia pelo sistema de drenagem sem um mínimo aproveitamento?
Precisamos distinguir nesse caso dois tipos de aproveitamento de águas de chuva: o direto e o indireto.
Sobre o armazenamento direto, não há dúvida que os reservatórios domésticos e empresariais de águas de chuva para usos mais brutos, como lavagem de pisos internos, praças, arruamentos, autos, regas de vegetação, descargas sanitárias, operações em caldeiras e processos industriais, etc. em muito aliviariam o sistema público de oferta de água tratada potável. Pode-se inclusive pensar em grandes reservatórios urbanos subterrâneos implantados em áreas urbanas circunscritas, nas quais, pelo tipo e consolidação da urbanização presente, o grau de contaminação das águas de escoamento superficial fosse mais baixo e tolerável. O piscinão do Pacaembu, na cidade de São Paulo, seria um bom exemplo. Essas águas passariam por algum mínimo tratamento local e poderiam após ser utilizadas para vários fins que não exigissem sua potabilidade.
Mas há também a excepcional e esquecida possibilidade de armazenamento indireto, ou seja, armazenamento da água de chuva devidamente infiltrada no solo e acumulada nas camadas que compõem o substrato geológico das cidades; em outras palavras a água subterrânea. É conhecida a propriedade das cidades em impermeabilizar os terrenos e impedir a infiltração das águas de chuva, lançando-as rápida e diretamente nos sistemas de drenagem superficial, que ao fim, através de córregos e rios as conduzem e levam para fora do município. Se, através de uma série de dispositivos, como os próprios reservatórios domésticos e empresariais aliados à capacidade de infiltração, a disseminação de bosques florestados, a obrigatoriedade de adoção de pisos e pavimentos drenantes, etc., a cidade aumentar sua capacidade de infiltrar águas de chuva estaremos “abastecendo” o grande reservatório subterrâneo com milhões de metros cúbicos de boa água; a ser retirada e aproveitada através da instalação de uma rede de poços profundos. Essa alternativa ainda trará uma enorme colaboração na redução de riscos de enchentes urbanas.
Nisso tudo está, obviamente, envolvida uma questão de mudança de cultura e muito esforço educativo. Não há o que esperar, mãos à obra.
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Geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos ([email protected]) é consultor em Geologia de Engenharia e Geotecnia e ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas. Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão”, “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”, “Manual Básico para elaboração e uso da Carta Geotécnica”.
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Comentários
JC
Muito oportuna a divulgação de um trabalho como este e de autoria de um profissional como o geólogo Álvaro dos Santos com uma larga folha de servicos prestados à comunidade. De fato, a poupança da água se torna um tema dos mais importantes e as nossas comunidades, sejam ricas ou pobres, se igualam na falta de assistência dos displicentes e por vezes criminosos governantes. E de técnicos desprovidos de sensibilidade social.
Antigas civilizações como a do Império Romano já cuidavam com desvelo do assunto e os complúvios e implúvios eram sistemas comuns da condução e armazenamento de água em habitações. No Semi-árido nordestino a tradição e a modernidade confluem muitas vezes para o objetivo maior, desde os tanques de pedra e cisternas, aos excelentes implúvios dos tempos atuais e as barraginhas, ambos criados pela Embrapa. Estas, feitas de ramos e cipós e instaladas para não só sustar o ímpeto a correnteza pluvial mas também visam elevar o lençol freático para as culturas.
Aqui tomo a liberdade como profissional de agronomia sugerir que, no uso de importantes aquíferos e poupança de suas águas, sejam também considerados os aspectos da contaminação por agrotóxicos e poluentes industriais. A chamada ‘agricultura moderna’ que importamos é a grande responsável pelos primeiros que já contaminaram todos os grandes aquíferos dos Estados Unidos e já comprometem muitos dos grandes aquíferos brasileiros.
O agronegócio, além dos malefícios comumente mencionados, será o responsável maior em futuro próximo pelo impedimento da recarga natural dos aquíferos. E mais uma consequência do dematamento radical que se pratica em grandes áreas brasileiras como as dos Cerrados, por exemplo.
Cordial abraço
JC
Lafaiete de Souza Spínola
Mas isso não gera renda para os acionistas da SABESP!
A maioria dos governos dá pouca atenção ao tema!
O sistema é assim, perverso, tudo gira em torno do lucro. Segundo o Aurélio, Socialismo: Doutrina que prega a primazia dos interesses da sociedade sobre os dos indivíduos. É isso!
Mas os que semeiam o ódio pregam o individualismo totalitário e deformam o significado da palavra, propositadamente, confundindo-o com ditadura, colocando como exemplo países que se proclamavam socialistas, mas nunca foram. Onde existiam, apenas, nuances de socialismo! Como só havia nuances, pois esses países eram governados por pessoas que não tinham compromissos com essa descrição do Aurélio, não demorou para retornar à total primazia do individual sobre toda a sociedade. A prova está em que a maioria desses dirigentes abocanharam as propriedades! Não havia sociedades socialistas, assim como na Alemanha nazista, como no México governado pelo PRI, após o assassinato de Zapata. O sentido da palavra socialismo, hoje, é propositadamente manipulado, deturpado!
Socialismo não é ditadura! Numa sociedade socialista o povo passa a ser o autor da história, não necessita de Salvadores e Caciques, não existe ditadura que é a condição, quase sempre, do individualismo manipular a sociedade impondo a primazia dos interesses dos indivíduos sobre os da sociedade, invertendo a descrição do Aurélio.
Álvaro R. Santos
Caro Lafaiete,
Eu concordo com algumas de suas premissas filosóficas, mas peço sua atenção para um aspecto. Se formos condicionar todas as melhorias que nossa sociedade possa adotar ao advento da sociedade socialista, não chegaremos vivos lá. Em um exemplo simplório poderia lhe dizer que o amigo seguramente usa antibióticos e luz elétrica, conquistas científicas da Humanidade, mesmo sabedor que está gerando lucros para grandes grupos econômicos que se especializaram em comercializar estes insumos. Assim acontece com a água, e nem por isso deveremos nos abster de propor e implementar medidas indispensáveis ao bom uso e à boa gestão desse sagrado produto.
Forte abraço,
Álvaro
Julio Silveira
Eu gostaria de entender por que os asfalto tomou conta das cidades? Existem formas de pavimentação das ruas muito mais adequadas que o asfalto, na minha opinião, que se presta mais a grandes rodovias. Mas até dentro dos bairros? tenham dó. Existe no mercado blocos de concreto para calçamento de ruas muito mais apropriados para uso nos bairros, com capacidade de absorção e infiltração das águas muito maiores que a plastificação causado pelo asfalto. Não sei se a questão é custo, se a questão são esquemas já montados, mas os administradores sérios deveriam pensar maneiras de substituir o asfalto pelo menos nas ruas mais residenciais dos bairros, deixando o asfalto, ou coisa semelhante, para aquelas vias de uso mais industrial. Mas há muita preguiça mental e comodismo físico, incorporado nos gestores e postulantes a gestores públicos desse Brasil, com raras exceções, será doença hereditária?
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