Vladimir Safatle: “Nada melhor no Brasil do que ser tucano”

Tempo de leitura: 2 min

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Enfim, o desespero

Vladimir Safatle, na Folha, em 24/02/2015 02h00 

“A situação desesperadora da época na qual vivo me enche de esperanças.” A frase é de Marx, enunciada há mais de 150 anos. Ela lembrava como situações aparentemente sem saída eram apenas a expressão de que enfim podíamos começar a realmente nos livrar dos entulhos de um tempo morto.

Há tempos, insisti que o lulismo entraria em um esgotamento. Era uma questão de cálculo. Chegaria um momento em que o crescimento só poderia continuar por meio de políticas efetivas de combate à desigualdade e acumulação. Afinal, estamos falando de um país que, ao mesmo tempo, apresenta crescimento econômico próximo a zero e bancos, como o Itaú, com lucro anual de 20 bilhões de reais. Um crescimento de 29% em relação a 2013, com inadimplência recuando para mínima recorde.

“Políticas efetivas de combate à desigualdade e acumulação” significam, neste contexto, ir atrás do dinheiro que circula no sistema financeiro e seus rentistas blindados. Mas isto o governo não seria capaz de fazer. Difícil fazê-lo quando você também se torna alguém a frequentar a roda dos dançarinos da ciranda financeira. Ninguém atira no próprio pé, ainda mais quando se é recém-chegado à festa.

Restaram ao governo federal duas coisas. Primeiro, chorar por não ser tratado como um tucano. É verdade. Nada melhor no Brasil do que ser tucano. Como acontece hoje no Paraná, você pode quebrar seu Estado, colocar quatro de suas universidades públicas em risco de fechamento por falta de repasse e, mesmo assim, irão te deixar em paz. Nenhuma capa de revista sobre seus desmandos nem sobre seus casos de corrupção.

Por estas e outras, o sonho de consumo atual de todo petista é ser tratado como um tucano. Eles até que se esforçaram bastante.

Fora isto, resta ao governo ser refém de um Congresso que ele próprio alimentou. Na figura de gente do porte de Eduardo Cunha e seus projetos de implementar o “dia do orgulho heterossexual”, entregar o legislativo à bancada BBB (Bíblia, Boi e Bala) e contemplar cada deputado com seu quinhão intocado de fisiologismo, o Brasil encontra a melhor expressão da decadência e da mediocridade própria ao fim de um ciclo.

Neste contexto, podemos enfim ver claramente como as alternativas criadas após o fim da ditadura militar não podiam de fato ir muito longe. Nenhuma delas sequer passou perto da necessidade de quebrar tal ciclo de miséria política dando mais poder não aos tecnocratas ou aos “representantes”, mas diretamente ao povo, que continua a esperar seu momento.

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Por isto, a situação desesperadora me enche de esperanças.

Vladimir Safatle é professor livre-docente do Departamento de filosofia da USP 

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Comentários

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Lauro Cordeiro Diniz

1) “o crescimento só poderia continuar por meio de políticas efetivas de combate à desigualdade e acumulação” – o “mágico” poderia dar um exemplo? tipo taxar em 85% as grandes fortunas e mais outras bobagens do gênero?

2) “ando mais poder não aos tecnocratas ou aos “representantes”, mas diretamente ao povo” – mais uma vez, saindo das teorias furadas, tem como dar um exemplo de “poder diretamente ao povo”? Tipo assim… Botar a CUT e o MST pra governar?

Acho q eu vou passar a escrever artigos… Aparentemente, qualquer um consegue falar bobagens como essa!

Luiz Clete

O PT paulista é quase todo ele tucano, é só ver as posições equivocadas que tomaram ao longo dos anos, e principalmente depois de 1994. A última foi o jose eduardo cardoso dar entrevista para a veja. A militância ainda é a única coisa que resta de salvação e de bom dos idos de luta do PT. Expulsaram os radicais, agora que se expulsem os moderados.

Roberto de Souza

É, se chegamos ao fim do poço, não continuaremos a cair, a não ser que o fundo do poço tenha porão.

abolicionista

O PT cavou sua própria cova quando desistiu de politizar a classe trabalhadora. Lula disse que luta ideológica era coisa de intelectual. Bom, parece que estava errado. O PT teve 12 anos seja para mudar as estruturas, seja para angariar o capital político necessário às mudanças, mas elas permaneceram intocadas. O PT foi covarde no enfrentamento com a classe endinheirada, preferiu fazer um acordo com data de validade. Lembro de quando o PSDB, até então um partido respeitável, aliou-se ao PFL. Vladimir Safatle está coberto de razão, a ascensão do fascismo atual é consequência da política de conciliação iniciada com a Carta aos brasileiros, aquele pacto fáustico em que o PT aceitou os termos da doutrina neoliberal. Walter Benjamin disse uma vez que toda ascensão fascista surge no lugar de uma promessa fracassada da esquerda. Chico de Oliveira vinha alertando isso há tempos. A história lhe deu razão.

Moraes

Talvez seja bom ser tucano, como sugere o articulista. Bom, daí ele já parte para a ofensa generalizada e, como tal, perfeitamente idiota: “o sonho de consumo atual de todo petista é ser tratado como um tucano. Eles até que se esforçaram bastante.” Primeira bobagem e safadeza: ele pelo menos deveria admitir que nem todo petista tenha esse sonho. Mas acho que tem coisa pior no sr. Safatle (que nome sugestivo!). Ele não sonha ser tratado como tucano. Afinal, pensando bem, ele já conquistou esse galardão. Alias, não foi por outro motivo que renunciou a uma candidatura, com uma desculpa vergonhosa de tão esfarrapada, em troca… de continuar a ser colunista da Folha. Ele menciona que escândalos tucano não chega às capas das revistas. Bom, talvez seja bom ele, por uma vez pelo menos, falar do jornal em que escreve (e pelo qual, como disse, renunciou à sua fé política).

Antonio Luiz

Sou petista desde o início do partido e nunca tive vontade de ser tucano e tampouco frequento ou frequentei a “roda dos dançarinos”. Sequer conheço petistas que assim como descreve o missivista queira ser. A generalização que ele faz é, pelo menos, sórdida e só compatível com o padrão de ética e moral do seu patrão, o Sr. Frias, para o qual escreve tão “brilhantemente”. Aliás, parece que Safatle escreveu seu texto mirando-se no espelho e com dores no cotovelo. Seu texto poderia ser reproduzido no Estadão, Globo, Veja e etc. É compatível com esses meios, principalmente para quem se mostra um exímio dançarino pelas redondezas da Barão de Limeira.

Mais uma vez é a “esquerda radical” a serviço da direita.

    abolicionista

    Você participou da reforma dos fundos de pensão? Como avalia a relação do PT com o FAT? E o que acha redação da Carta aos brasileiros? Realmente gostaria de saber.

JorgeSP

quantos equívocos.
tudo é culpa do PT… até o avanço da direita no Brasil!
somente não vê quem não quer que o avanço da direita ocorre em toda América do Sul.
ou seja, é uma questão bem mais complicada do que dizer que o lulismo criou isso.
por outro lado pergunte no Nordeste ou MG se o PT está desesperado…nem um pouco.
então não tomemos SP pelo Brasil.

    abolicionista

    Como já dizia Walter Benjamin, “cada ressurgimento do fascismo dá testemunho de uma revolução fracassada”. A culpa é principalmente do PT, porque era maior partido de esquerda do Brasil. Mas também de todos nós, evidentemente.

Patrick

Gente, coloquem uma coisa na cabeça: “Quanto pior, pior mesmo”. Não acreditem na extrema esquerda quando ela diz que “quanto pior, melhor” que não tem fundamento algum na realidade.

Edgar Rocha

Faço minhas as palavras deste texto irreparável! Pra mim, ser tucano é ser conivente. É entrar na ciranda de achaques e assumir de uma vez por todas que a conquista de direitos se dá pelo conformismo diante da “realidade” ética e moral que nos é imposta. Em São Paulo, já se culturalizou o cangaço. De forma que, ou você se submete aos bandidos do Estado, ou se submete aos bandidos do paralelismo institucional. E ambos – Estado e Governo paralelo – colocam-se no mesmo jogo sujo, como faces da mesma moeda que inexoravelmente representam a mesma carga de valores, irmanando-se na exploração de quem fica sem alternativa. A recusa do jogo político – no sentido estrito da palavra – redunda em marginalidade, injustiça e exclusão social. Ninguém é cidadão neste Estado se não tiver ao seu lado uma “otoridade”, seja ela um agente público de qualquer esfera, seja um traficante de grosso calibre. E ambos se reconhecem e legitimam suas esferas de poder em nível hierárquico, valendo sobretudo, o poder econômico e bélico como moeda de troca. A lei aqui não se presta a outra coisa senão a uma forma de coação e geração de dificuldades para acordos facilitadores, com as bênçãos do judiciário, incluindo ministério público e OAB.

A luz no fim do túnel, portanto, não vem do jogo sujo tão bem delineado pelo Vladimir Safatle. Nem dos que o aceitaram com vistas a construir atalhos para a chegada ao poder, no mais raso estilo trotskista do senso comum à esquerda, com base em orelhas mau lidas de livros e conversas de cervejinha em centros acadêmicos. Esta gente já deu o que tinha que dar.

Quando, há anos atrás, um grupo de mães de uma favela na zona leste de São Paulo se viu proibido de participar de trabalhos sociais em sua comunidade, o traficante que implementou tal proibição foi achado enterrado de pé, em frente à porta do barracão onde as mães e filhos da favela iniciavam seus trabalhos comunitários. Uma História com H maiúsculo, uma lenda local, silenciosa, despretensiosa, garantia o mínimo de respeito à comunidade, da parte dos manda-chuvas do crime e do Estado criminoso. Conheci este caso e fiquei maravilhado. Na hora do “vamo-vê’, quando as coisas ficam extremas, são os que mais necessitam que tomam pra si a defesa do Estado de Direito propriamente dito. Que juiz, polícia, autoridade local, se atreveria a enfrentar a fúria de gente honesta, acuada ao limite? É no abuso que a Deusa Vitória muda de lado, já diziam os antigos.

    leila Perez

    Edgar, vou copiar seu texto para meu facebook com o devido credito, é claro. E espero que voce tenha razão em suas tres ultimas linhas. Estou muito preocupada com o que está acontecendo. Assustada até.

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