Juliano Medeiros: A queda de Eike é a de um modelo fracassado

Tempo de leitura: 4 min

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Quando a Veja puxava o saco

AS LIÇÕES DA QUEDA DE EIKE BATISTA

por Juliano Medeiros*

Em lista divulgada no mês de março de 2012, Eike Batista era considerado o 8º homem mais rico do mundo, com um patrimônio estimado em R$ 34,5 bilhões de reais. Nos últimos meses, porém, tem estampado os jornais devido à decadência de seu império.

As empresas do grupo EBX somam prejuízos de quase R$ 25 bilhões. Apesar disso, as abordagens mais comuns na grande imprensa atribuem à “personalidade” de Eike as razões de sua derrocada: excesso de confiança decorrente do sucesso, a busca desenfreada por mais lucros e a falta de cautela diante investimentos arriscados…

Seria muito simples se o fracasso do maior grupo econômico privado do Brasil pudesse ser atribuído apenas à personalidade de seu principal executivo. A questão, porém, é que essa explicação não corresponde à verdade do fenômeno.

No controle do grupo EBX, Eike entrou de corpo e alma no mercado de capitais, um mercado sempre considerado de risco. Enfrentou uma brutal crise econômica expandindo e diversificando investimentos.

Nessa empreitada encontrou apoio de players de peso na bolsa de valores, além, claro, de generosos financiamentos públicos.

Segundo matéria publicada pela revista Exame, apenas entre 2005 e 2012, Eike Batista captou investimentos de 26 bilhões de dólares para as empresas que levou à bolsa. Também financiou o conglomerado com empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que chegam a R$ 10,4 bilhões.

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Há muitas versões sobre as razões da queda de Eike, mas poucas delas chegam ao “X” da questão (com o perdão do trocadilho, já que o empresário tem um livro com esse nome).

A verdade é que Eike aproveitou-se da absurda dinâmica que comanda o mercado de ações e que permite que uma empresa recém-criada acumule “valor” equivalente a de grupos tradicionais com décadas no mercado. Um bilionário da especulação, com um império pouquíssimo produtivo, com exceção da MMX, mineradora vendida recentemente.

Além disso, a remuneração de seus executivos seguia uma lógica insana: enquanto outras multinacionais oferecem bônus atrelados ao crescimento de longo prazo das companhias, Eike distribuía dividendos atrelados ao preço das ações no curto prazo.

O resultado é que vários executivos da EBX ficaram milionários antes mesmo que a empresa tivesse extraído uma gota de petróleo. Tudo graças à valorização artificial – isto é, especulativa – das ações das empresas de Eike.

Alguns dirão que “essas são as regras do jogo”, que Eike está colhendo os frutos de uma estratégia arriscada. Acontece, porém, que neste “jogo” estão envolvidos milhões de empregos e enormes quantidades de recursos públicos oferecidos através de empréstimos (recursos que poderiam ser direcionados à infraestrutura nacional ou à ampliação de direitos como saúde e educação). Por isso é necessário discutir se este é um “jogo” interessante para o Brasil e o mundo.

No início, Eike foi financiado por grandes fundos privados. Não demorou muito para que fosse impulsionado também pelo BNDES.

Isso porque os governos petistas apostaram na estratégia dos “campeões nacionais”, preconizada pelo ex-presidente da instituição, Luciano Coutinho, que visava privilegiar grandes grupos econômicos privados que deveriam ser fortalecidos com a anunciada intenção de conter a internacionalização da economia brasileira.

Uma estratégia aparentemente bem-intencionada, mas com trágicas repercussões sobre o conjunto das cadeias produtivas nacionais. Isto porque, diferente de outros países que adotaram a mesma estratégia com suas empresas de ponta, o governo investiu nos gigantes do setor primário-exportador (a JBS Friboi, na exportação de carnes, ou Vale, na exportação de minério, por exemplo), aprofundando a monopolização – vide a quebra de diversos pequenos frigoríficos pelo país afora – e a fragilidade externa, já que quanto maior o grupo, mais dependente do mercado de ações, e assim, das flutuações do mercado internacional.

Claro que diante da explosão do preço das commodities no mercado internacional, a partir de 2005, era de se prever que os financiamentos seriam concentrados em empresas que exportassem esses bens (grãos, carne, minério de ferro, petróleo, etc.). Além disso, esperava-se que o boom das commodities pudesse acelerar os investimentos em infraestrutura, o que acabou não acontecendo – nesse caso a solução de Dilma foi a privatização de portos, aeroportos e rodovias.

Além disso, essa estratégia veio acompanhada de desindustrialização e fortalecimento do setor primário-exportador, um péssimo negócio para o Brasil.

Um país da periferia do sistema deveria investir no fortalecimento de cadeias produtivas capazes de aumentar a competitividade externa, diminuir a vulnerabilidade de nossa economia e ampliar o investimento produtivo, único gerador de empregos.

A queda de Eike, portanto, não se explica apenas pelas opções equivocadas do empresário. Ela é também expressão do fracasso de uma estratégia na qual estavam todos envolvidos, governo, acionistas e executivos de grandes grupos econômicos: a estratégia de apostar nuns poucos grupos econômicos, que apesar de concentrarem boa parte dos investimentos públicos e privados, não tem dado o retorno esperado.

Num tempo em que o mundo todo – de Piketty a Obama – consideram necessárias profundas mudanças nas “regras do jogo” o Brasil vai na contramão da história.

Como lembrou um intelectual de esquerda, o lulismo fez seus milionários: alguns deram certo – na JBS Friboi, TAM, Ambev, etc. – e outros não. Essa história toda ainda precisará vir à tona.

Que a debacle de Eike Batista sirva como alerta àqueles que ainda acreditam que apostar em “poucos e bons” é o melhor caminho.

*Historiador, é Secretário de Comunicação da Executiva Nacional do PSOL.

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Comentários

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Julio Silveira

Para mim, um dos principais problemas do Eike, que pode ter contribuído para esse seu momento debacle, foi sua compulsão por aparecer. No mundo em que vive, onde as vaidades são exacerbadas e a mediocridade dos espirito mais ainda, isso certamente atraiu para seu lado todo tipo de inveja, sortilégios alem de pessoas que viam nele (inclusive por sua abertura politica, ao lidar com um segmento politico da sociedade que não faz parte do dna da cúpula da burguesia nacional) como uma especie de sujeito permissivo, como um intrometido. Isso, num meio de pessoas em que grana pode pesar menos que a cultura de posições e títulos.
Dai a sofrer todo tipo busca e perseguição, para exporem suas fraquezas, para desmistificá-lo, foi um pulo.
Fosse mais comedido, praticasse o mesmo tipo de gestão empresarial que pratica, a mesma que nesse brasil varonil muitos outros menos lembrados praticam, mas que por serem mais cautelosos e avessos a exposição ficam imunes e impunes, poderia ainda continuar a aspirar ser o homem mais rico do Brasil, e quiça do mundo. Se expôs demais, ambicionou demais, num meio em que expor suas intenções, inclusive ambições, pode ser altamente arriscado.

Andre

Uma certa esquerda pelo jeito continua querendo reformar o capitalismo, divindo esse em um capitalismo ‘bom'(ideal) e um ‘ruim’. Até endendo que não se têm em vista alternativas ao capitalismo. Mas isso não significa que a saída é se conformar tragicamente com o ‘não há alternativas’ e não procurar construí-las.

Parece que a experiencia do PT no governo não ensinou nada a alguns membros ou correntes do PSOL. Parece que a lição é de que o PT não quis reformar o capitalismo ou não o fez direito. Pior ainda é o autor revelar admiração pela preocupação retórica do premio nobel da guerra com ‘mudar as regras do jogo’, o que ele não fez em 6 anos!. Deveria perguntar a população americana desempregada ou que ganha um salário de fome, sem assistencia médica gratuita, endividada pelo resto da vida para cursar uma universidade, expulsa de seus imóveis e com empregos totalmente instáveis e precários o que ela acha do Obama. Patético vindo de alguém de esquerda!

A especulação faz parte do jogo do capitalismo sempre fez, desde a ‘mania’ das tulipas na Holanda do século XVII. Há varias pesquisas históricas sobre isso é espantoso o desconhecimento do autor. O problema de reformar o capitalismo é que este entrou em falência como sistema produtivo. Falência porque sua capacidade de gerar empregos produtivos é cada vez menor com o avanço avassalador das tecnologias poupadoras de trabalho. A única alternativa a isso são salários de fome como os que são pagos na China. Mas isso não pode valer para todo o sistema e todo o tempo pois deve se encontrar demanda externa suficiente para vender a produção crescente. O capitalismo só pode prosseguir concentrando cada vez mais a renda através do jogo especulativo e portanto, diminuindo cada vez mais a possibilidade de expansão pela demanda. A cobra está mordendo o próprio rabo. O texto é um primor de ingenuidade face a realidade econômica do mundo de hoje.

abolicionista

Gostaria de entender mais de economia para acompanhar a argumentação, mas o texto parece – na opinião de um leigo – muito bom.

O Mar da Silva

Sem dúvida, a política dos campeões nacionais by Luciano Coutinho gerou essa problema para o Brasil. Se Lula criou alguns milionários como o da JBS, da AMBEV e da TAM trouxe o desastre para o campo.

    Isabela

    Discordo, desculpe. Os investimentos na agricultura familiar na era petista é indiscutível; houve a legalização de terras ocupadas há anos pelos moviemntos sociais Brasil afora; incentivo às cooperativas com linhas de créditos vantajosas via bancos públicos; sem contar os programas do MEC que levam às escolas merenda feita com produtos da agricultura familiar local…

Patrick

O PSOL tem um traço em comum com a Veja: “tudo de errado neste país é culpa do PT!” (menos a eleição de um simpatizante de Bolsonaro pelo PSOL-RJ para a Câmara dos Deputados; ou não? será que é culpa do PT também?)

Os empréstimos ao grupo X foram feitos por bancos privados usando as linhas de crédito do BNDES (e da Caixa também).

Qual a diferença? Será meramente retórica?

Não, pois neste caso, os bancos privados intermediários são avalistas dos empréstimos perante os bancos públicos. Se o grupo X não pagar o que deve, esses bancos (Santander, Itaú) terão que ressarcir as entidades públicas.

Plutarco

Taí um texto lúcido sobre o caso X. Alguns reparos: a TAM não é mais um campeão nacional, já que é na verdade controlada pelos acionistas chilenos, depois de quase quebrar, e a AMBEV já era um gigante nos tempos do FHC, e seu crescimento nào tem a ver com as generosas arcas do BNDES.

Isabela

Ok, bem entendido, mas é preciso considerar uma característica pessoal da figura: a megalomania!! Morei no Rio no período auge de Eike, e sempre desconfiei. Ele comprou o hotel Glória, criando desemprego em massa, pois fechou o mesmo para refazer a fachada original: pra que isso? Comprou prédios inteiros no Flamengo e na Glória. Em dezembro estive lá e foi bem triste constatar que os imóveis estão abandonados, semi destruídos… Esse cara nunca me convenceu. O representante maior do capitalismo tupiniquim, deslumbrado e burro!

Diogo Silva

Só um detalhe: Luciano Coutinho ainda é presidente do BNDES, não?

Vejo que o BNDES arrisca muito dinheiro do contribuinte sem perspectiva de aumento de jogadores e competição, aumentando sim a desigualdade e a injustiça. O país cresce, e as pessoas continuam pobres.

Ao meu ver, as escolhas do desenvolvimentismo do governo são as mesmas do período da ditadura.

FrancoAtirador

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No Mercado Econômico-Financeiro Globalizado

não existe mais Empresa Privada ‘Nacional’.

Aliás, nem as Sociedades de Economias Mistas.

Caiu na Bolsa de Valores foi para a ‘Nuvem’.
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