Fátima Oliveira: Viva a simplicidade voluntária!

Tempo de leitura: 3 min

são luis

A simplicidade voluntária é um estilo de vida escolhido

Fátima Oliveira, em O TEMPO

[email protected] @oliveirafatima_

Optar pela vida simples é adotar uma filosofia na qual modismos e supérfluos não dão o tom. O difícil é explicar a decisão de simplificar a vida. “A simplicidade voluntária, diferentemente da pobreza, que é imposta, é um estilo de vida escolhido”, alicerçado pela filosofia de dois movimentos focados na sustentabilidade: o “slow food” e o “slow fashion”; na reciclagem e produção mínima de lixo.

Para o Movimento Slow Food, fundado em 1986 por Carlo Petrini, comer bem é um direito humano. Defende a herança, as tradições e culturas culinárias e tem como princípio o direito ao prazer da alimentação, por meio de produtos artesanais de qualidade especial, produzidos com respeito ao meio ambiente e aos produtores (“De pegada carbônica, filosofia slow food e ecogastronomia”, O TEMPO, 8.9.2009).

O Movimento Slow Fashion, criado por Kate Fletcher, do Centro de Moda Sustentável, é uma alternativa ao consumismo e busca unificar “eco”, “ética” e “verde”: qualidade, longevidade, atemporalidade, customização e o resgate do “vintage” – não basta ser antigo para ser “vintage”, que em moda é vocábulo usado para roupas originais de uma dada época. A moda retrô é roupa nova inspirada em moda antiga.

O “slow fashion” é um estilo sustentável que está na contramão do estabelecido nos anos 80, as “fast-fashion” – moda rápida, “design” moderno e baixo preço, que não é “sulanca”, mas jamais “alta-costura”, que chega às vitrines das grandes lojas, como Zara, Riachuelo, C&A e similares.

Nunca fui escrava da moda. Há anos o meu desejo de entrar numa loja para comprar roupa é quase zero. Passo um ano ou mais sem adquirir nenhuma peça. Sempre fui sustentável no vestir e compreendo que a “roupa fala”: diz do meu estado de espírito. Uso roupas com cara de novas, que comprei há 20 anos ou mais, até para festas! Amo moda à la Woodstock: a antimoda “hippie”, a neohippie, a hippie pop – quase obra de arte, de visual despretensioso com ar de “desleixo chique”.

Trilho o caminho da simplicidade voluntária com conforto – uma vida básica e/ou simples, sem as penúrias da pobreza e “canhenguices” franciscanas – aqui no Paranã profundo, na zona rural da ilha de São Luís, na estrada de Ribamar, em Paço do Lumiar (MA), num chalezinho de campo, a bem da verdade um “loft” bem transado, de dois quartos, dois banheiros, com jardim, piscina e um quintalzinho com uma hortinha – num lote de 10m x 25 m (logo, não é um sítio!), de onde acesso em poucos minutos várias praias, as melhores e menos poluídas da ilha, por estradas asfaltadas. Ah, e aprendendo a domar a gana de estocar coisas (tenho tendências acumuladoras…), inclusive alimentos, perecíveis ou não, para além de 15 dias. A minha compra é minúscula e bem seletiva, apenas para uma pessoa!

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É inenarrável acordar pela manhã e dar comida aos pássaros livres, cuidar das plantas – quase 100% dos meus muitos vasos são reciclados (garrafas PET, caixas de leite e de suco, latas, etc.), pero… Muita gente recrimina silenciosamente, com olhares longos, misto de admiração e incredulidade, ao mirar o meu cafofo, que mais parece uma casinha de boneca, que intriga muito a minha neta… “Mas, vó, por que a tua casa não é de tijolo, como a de todo mundo?”

Ao resgatar as baterias de cozinha (paneleiros) das minhas ancestrais, Clarinha, ao vê-las, tascou: “Vó, tu não achas que as panelas ficam melhor no armário?” Depois de muitas risadas, contei uma linda história do sertão, do tempo das panelas “areadas” com tabatinga, anterior ao Bombril…

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Comentários

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Zilda

Adorei a bateria. Ganhei uma -daquelas de pé- presente de casamento do meu saudoso pai, pelos idos de 1974. Para mim o “anterior” ao Bombril era cega-machado para arear os copos de alumínio (folhinha crespa) e sambaíba para tirar o “grosso” das panelas de ferro. A areia fina dos rios também era usada para lavar as panelas. No Norte de Goiás, atual Sudeste do Tocantins. Natividade, meu pé de serra querido.

Antonio Morais

Papa Francisco e pepe Mujica, dois grandes exemplos de simplicidade voluntaria. Acho que esta é a unica maneira de melhorar o mundo, ou seja, não dar tanto valor ao dinheiro. Eu também faço parte dessa turma.

Edgar Rocha

Que diacho! Agora que caiu no gosto classe média, logo logo, o viver despreocupado com moda e gastando o mínimo possível, sem desperdício e reutilizando, vai virar moda e vai passar a ser caro viver assim. Odeio isto! Poxa gente, comam quieto!!! Será que ainda não entenderam que, quando um comportamento vira tendência, tudo vira comércio? Os hippies tentaram, os punks (comprar calça rasgada em boutique e pagar uma fortuna é o cúmulo da idiotice)… A gente que é brasileiro fez tudo isto a vida inteira sem pensar, sem racionalizar, ideologizar…
Pomar e horta: quando virar moda ter pomar em casa, vai ser um inferno de especulação imobiliária. Comida caseira (façam-me o favor, só a classe média deixou de usar panela! Não f*de!). Se isto virar moda, pobre não vai mais comer feijão com arroz.
Ostentar simplicidade: a nova onda do consumo! Vão escrever tese na USP sobre isto (seus pares vão adorar) e não encham o saco.

Bacellar

Ganhei uma bermuda da marca Khelf, não é das mais caras mas tb não é baratinha, na primeira vez (primeira!) que fui usar o botão em cima da braguilha estourou na costura…Pô, obsolescência programada vá lá, mas isso já é ridículo…

Gerson Carneiro

Eu sou estilo largadão mas de veneta adoto temporariamente o “look” arrumadinho engravatado sem chegar perto do almofadinha.

Semana passada um desavisado no trânsito bateu no meu carro comprado novo há cerca de dois meses depois de vinte anos usando carro usado. Trocava de carro mas sempre por carro usado.

Vieram vários fantasmas me atormentar quando eu imaginava como iria me virar enquanto o carro estivesse na oficina (e está, deixei ontem lá). Até pensei em alugar um carro para ir de casa ao trabalho. Vi que aluguel de carro é muito caro. Mudei o plano para comprar uma bicicleta mas com tanta ladeira no trajeto de minha casa até o trabalho fui forçado a abandonar o plano “B”. Respirei, tomei uma pinga, e decidi: – eu vou é de a pé mermo.

Cinco quilômetros distanciam minha casa do meu “job”. Cinquenta minutos na paleta enfrentando as ladeiras. Ora subindo. Ora descendo. Igual eu na vida.

Vou encarar essa por pelo menos duas semanas, mas se eu gostar, vou adotar essa forma antiga de deslocamento no meu cotidiano. Cinquenta minutos na ida, e mais cinquenta pra voltar.

Hoje foi o primeiro dia.

Catei uma roupa qualquer no armário e saí pra labuta. Já tinha andado uns três quilômetros quando encontrei um grupo de uns quinze homens vestidos iguais a mim. Camisa “t-shirt” branca e calça caqui. Aí a ficha caiu. Eram os reeducandos com suas enchadinhas carpindo o canteiro central da rua. Bateu um desespero. Diminui o passo e passei por eles na moita. Fiquei preocupado do chefe deles ficar confuso e pensar que eu fazia parte do grupo e estava fugindo. No fim deu tudo certo.

Foi engraçado mas tenso. Agora não paro de sorrir quando lembro do acontecido. Esse primeiro dia de mudança da minha rotina, pela história vivenciada já foi gratificante e me estimulou a seguir.

Essa história não teria sido possível se não fosse minha falta de noção em relação à moda e minha simplicidade voluntária.

FrancoAtirador

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Bom seria se todo Ser Humano pudesse ter a Opção de Escolha da Simplicidade

e não tivesse a Pobreza como Única Condição imposta por um Sistema Perverso.
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Carla

Adorei. Pela qualidade de vida a gente faz opção, com muita luta. Beleza de crônica

Caracol

Você não está sozinha nessa, Fátima.
Vivemos na nossa casinha na montanha, a casa dos meus sonhos, no lugar dos meus sonhos, na zona rural de uma pequena cidade que julgo bastante grande para que seu burburinho me incomode quando lá vou trabalhar um pouco e ajudar a ganhar algum.
Sou pobre de dinheiro, mas rico de Vida, escrevo, desenho, pinto, fotografo, amo a mulher que me ama, não temos rede de televisão em casa (temos só o aparelho e um DVD), passamos nossos serões lendo, assistindo filmes garimpados e ultra selecionados e principalmente conversando no varandão vendo a lua cheia nascer atrás das montanhas. Cara, como conversamos!
Minhas roupas são antigas, você diz bem, elas têm caras, elas são eu, jamais compro roupas, consumimos o necessário, não desperdiçamos e pouco descartamos. Nossa alimentação é saudável, nenhum enlatado, raríssimas frituras, temos uma hortinha para ajudar e meu lugar também é um lote, e não um “sítio”.
Sinto que vivo a quadra mais feliz de minha existência. Se Confúcio me vier a julgar, serei aprovado: escrevi muito, criei filhos e plantei centenas de árvores.
Com um ou dois vizinhos à distância, consegui me manter afastado das três coisas que mais me causam pavor: crédito, notoriedade e estupidez humana.
E não sou eremita, mas sim razoavelmente sociável e bem tratado pelos amigos.
Parabéns pra nós!
Abraço forte.

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