Paulo Nogueira: Dois pesos, duas medidas na Justiça brasileira

Tempo de leitura: 3 min

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Kamel versus Nassif: a diferença de tratamento que a Justiça dá a casos semelhantes

por Paulo Nogueira, no Diário do Centro do Mundo, em 14.01.2015

Da Justiça se espera ao menos uma coisa: que seja coerente nas decisões.

É a única forma que os cidadãos têm de medir eventuais consequências jurídicas de suas ações.

Estou falando isso a propósito da decisão da Justiça do Rio de condenar Luís Nassif a pagar 50 mil reais de indenização para Ali Kamel, diretor de jornalismo da TV Globo.

A juíza Larissa Pinheiro Schueler baseou sua decisão no fato de Nassif haver afirmado que Ali Kamel é “manipulador” e faz “jornalismo de hipóteses”. Isso, segundo ela, extrapolaria o “direito à informação”.

Aplique esta mesma lógica não apenas para Nassif, mas para a mídia em geral. Não faz muito tempo, no âmbito da mesma Globo de Kamel, os nordestinos foram chamados de “bovinos” por Diogo Mainardi.

Se “manipulador” custa 50 mil reais, qual seria a indenização para “bovinos”? Ou, já que falamos de Mainardi, de “anta”, como ele tratava rotineiramente Lula em seus dias de colunista da Veja?

A Justiça deveria, em tese, ser igual para todos, mas é mais igual para alguns do que para outros.

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Há uma decisão jurídica recente que demonstra isso com brutal precisão.

O jornalista Augusto Nunes, o Brad Pitt de Taquaritinga, foi processado por Collor. Quer dizer: Collor fez o que Kamel fez.

Com uma diferença: perto do que Nunes disse dele, Nassif arremessou flores na direção de Kamel.

Começa no título: “O farsante escorraçado da Presidência acha que o bandido vai prender o xerife”.

Um trecho: “… o agora senador Fernando Collor, destaque do PTB na bancada do cangaço, quer confiscar a lógica, expropriar os fatos, transformar a CPMI do Cachoeira em órgão de repressão à imprensa independente e, no fim do filme, tornar-se também o primeiro bandido a prender o xerife.”

O site Consultor Jurídico noticiou o caso assim:

“Na sentença, a juíza Andrea Ferraz Musa, da 2ª Vara Cível do Foro de Pinheiros, disse que, em um estado democrático, o jornalista tem o direito de exercer a crítica, ainda que de forma contundente.

(…) “Embora carregada e passional, não entendo que houve excesso nas expressões usadas pelo jornalista réu, considerando o contexto da matéria crítica jornalística. Assim, embora contenha certa carga demeritória, não transborda os limites constitucionais do direito de informação e crítica”, disse a juíza.

(…) No pedido de indenização, Collor alegou que foi absolvido de todas as acusações de corrupção pelo Supremo Tribunal Federal e que há anos vem sendo perseguido pela Abril.

A juíza, entretanto, considerou irrelevante a decisão do STF. “As ações políticas do homem público estão sempre passíveis de análise por parte da população e da imprensa. O julgamento do STF não proíbe a imprensa ou a população de ter sua opinião pessoal sobre assunto de relevância histórica nacional”, justificou.”

Um momento. Ou melhor: dois momentos. “Irrelevante” a decisão do STF? Então você é absolvido de acusações na mais alta corte do país e mesmo assim isso não vale nada? Podem continuar a chamar você de bandido sem nenhuma consequência?

A juíza aplicou uma espetacular bofetada moral no STF em sua sentença. Como para Augusto Nunes, também para ela não houve nenhuma consequência.

Se um juiz trata assim uma decisão da Suprema Corte, qual o grau de respeito que os cidadãos comuns devem ter pela Justiça?

O segundo momento é por conta da expressão “certa carga demeritória”. Raras vezes vi uma expressão tão ridícula para insultos e assassinato de imagem.

Regular a mídia é, também, estabelecer parâmetros objetivos para críticas e acusações feitas por jornalistas.

Não é possível que “manipulador” custe 50 mil reais e “bandido”, “chefe de bando”, “farsante” e “destaque da bancada do cangaço” zero.

Quando você tem sentenças tão opostas, é porque reinam o caos e a subjetividade.

A única coisa que une o desfecho dos dois casos é que jornalistas de grandes empresas de mídia se deram muito bem.

Isso é bom para eles e as empresas nas quais trabalham.

Para a sociedade, é uma lástima.

PS do Viomundo: Paulo Nogueira não viu nada! Na ação movida contra este blog, Ali Kamel argumentou que não era tão poderoso quanto nós sugeriamos que ele era, nas Organizações Globo. A Justiça comprou a tese. Meses depois, Kamel assumiu a direção de todo o jornalismo da TV Globo!

Leia também:

Nassif, os livros didáticos e os 50 mil reais para Ali Kamel

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Comentários

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Serralheiro velho

O benefício da dúvida para a justiça, espero que esta estupida decisão seja reformada.

Marat

Basta ver de que classe vieram, quem são, e os países que amam nossos “grandes” magistrados!

Ricardo

O Paulo Nogueiro tem razão; são dois pesos e duas medidas. “O que não se sabe, ainda, é se uma condenação tão expressiva terá efeito pedagógico na casa editorial dos Civita, acostumada a assassinatos impunes de reputação.” Foram essas as palavras de Luís Nassif quando Veja foi condenada a pagar cerca de 1 milhão por ofensas a Fernando Collor. Ou seja, para Nassif e Paulo Nogueira, quando a condenação é de alguém de direita é porque houve “assassinato de reputação”, quando alguém de esquerda é condenado houve atentado á liberdade de expressão!

    cesar

    exatamente! esse artigo não pode ser levado a sério.

José Martins

A lei é igual para todos, mas a justiça não.

Fábio Moreira

Pimenta nos olhos dos outros é refresco. Observem as palavras de Luís Nassif por ocasião da trânsito em julgado em que a editora Abril foi condenada a indenizar Fernando Collor em 1 milhão de reais por ofensas morais publicadas nas páginas de Veja : “O que não se sabe, ainda, é se uma condenação tão expressiva terá efeito pedagógico na casa editorial dos Civita, acostumada a assassinatos impunes de reputação”. Ou seja, para a esquerda quando ocorre a condenação de alguém de direita, ela é merecida por “assassinar” reputações, quando alguém de esquerda é condenado, é porque há cerceamento de liberdade de expressão!

Daniel

O FATO, incontestável, é que NÃO existe esse negócio de “justiça” no Brasil. É meramente uma questão de qual advogado mente melhor e/ou quem paga mais para o juíz.

Mauro Assis

A diferença talvez seja porque um é homem público e o outro não, não?

Fabio Passos

A justiça burguesa atende aos interesses da burguesia.
Livra a pele de ricos e poderosos… e persegue quem ousa desafiar o sistema.

dinarte

Ela diz em determinado ponto da sentença que nada proíbe que a população tenha sua opinião pessoal,portanto, acrescento,será que só foi bom para eles e as empresas nas quais trabalham,ou será que mais alguém levou vantagem nessas decisões.

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