Lena Lavinas, autora do estudo
Feliz ajuste fiscal
A identidade fugidia do patrimonialismo no Brasil hoje pode ser desvendada na fiscalidade
por Luiz Gonzaga Belluzzo — publicado 11/01/2015 08:20, na CartaCapital
O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, manifestou sua rejeição ao patrimonialismo. O ministro utilizou o conceito para designar a concessão de incentivos, subsídios e favorecimentos a determinados setores da economia.
Na raiz da rejeição, está a concepção da economia competitiva: povoado por indivíduos racionais e otimizadores, o mercado, sem favores ou barreiras, tem a virtude de gerar os incentivos adequados ao crescimento econômico e para a elevação do bem-estar da comunidade. Nessa visão, mesmo com a economia resvalando para a recessão, o equilíbrio intertemporal das contas públicas é condição para o crescimento econômico saudável. É o que tenta há cinco anos a Europa da senhora Merkel.
Vamos ao patrimonialismo. O leitor certamente conhece o livro de Raymundo Faoro, Os Donos do Poder, uma aventura intelectual na busca do desvendamento das raízes patrimonialistas da sociedade e do Estado no Brasil. O livro de Faoro não é de fácil leitura. A obra não investiga apenas os caminhos e descaminhos do patrimonialismo brasileiro. Avança, sim, na perquirição a respeito das origens luso-colonial-mercantilistas do patrimonialismo nativo. No fim do percurso encontra a encruzilhada weberiana: o patrimonialismo tupiniquim junta-se ao fenômeno universal do “patrimonialismo capitalista”.
O capitalismo realmente existente na Inglaterra liberal do século XIX surgiu das entranhas dos privilégios mercantis. No século XVIII, às vésperas da Revolução Industrial, diz Eric Hobsbawm, a Inglaterra era comandada pela aristocracia enriquecida na esfera financeira e mercantil. Prevaleciam os grandes comerciantes, banqueiros e negociantes de dinheiro, concentrados em Londres. Os industriais manchesterianos auferiam rendimentos muito inferiores àqueles obtidos pelos mercadores e financistas. Ainda mais ricos e influentes do que os empresários da indústria eram os que se valiam de privilégios e sinecuras: soldados, magistrados, todos incluídos na rubrica de “offices in profit of the crown”.
Os privilégios sobreviveram à Revolução Industrial. Metamorfoseados no poder da finança internacionalizada da City londrina, decretaram o destino econômico da Inglaterra, logo suplantada pela escalada das industrializações retardatárias. Os retardatários usaram e abusaram de subsídios e privilégios: protecionismo nos Estados Unidos, dirigisme na França e íntimas ligações entre o chanceler Bismarck, a burocracia Junker e o banqueiro-lobista Bleichröder, na Alemanha.
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No Brasil, o patrimonialismo capitalista vestiu muitas máscaras ao longo da história, mas hoje sua identidade fugidia pode ser desvendada na fiscalidade. Vamos enveredar pela estrutura tributária e de gasto para entender o caráter regressivo e concentrador dos juros de agiota sobre dívida pública.
Entre 1995 e 2011, o Estado brasileiro transferiu para os detentores da dívida pública, sob a forma de pagamento de juros reais, um total acumulado de 109,8% do PIB. Se avançarmos até 2014, essa transferência de renda e riqueza chega a 125% do PIB. Isso significa atirar ao colo dos detentores de riqueza financeira, ao longo de 19 anos, um PIB anual, mais um quarto. É pelo menos curioso que os idealizadores do “impostômetro” não tenham pensado na criação do “jurômetro”.
É possível alinhavar algumas cifras para apontar os perdedores e ganhadores do jogo. Para tanto, vou recorrer ao excelente estudo da professora Lena Lavinas, A Long Way from Tax Justice: The brazilian case.
Nesse caso, como em outros, há brasileiros e brasileiros. Em 2011, a carga tributária bruta chegou a 35,31% do PIB. No Brasil os impostos indiretos, como o IPI e o ICMS, representam 49,22% do total da carga tributária. Como se sabe, esses impostos incidem sobre os gastos da população na aquisição de bens e serviços, independentemente do nível de renda. Pobres e ricos pagam a mesma alíquota para comprar o fogão e a geladeira, mas o Leão “democraticamente” devora uma fração maior das rendas menores. Os chamados encargos sociais representavam 25,76% da carga total e o ônus estava, então, distribuído entre empregados e empregadores.
Já o Imposto de Renda contribui com parcos 19,02% para a formação da carga total, enquanto os impostos sobre o patrimônio são desprezíveis, sempre empenhados a beneficiar a riqueza imobiliária e financeira dos mais ricos. As estimativas sobre a distribuição da carga tributária bruta por nível de renda mostram que, enquanto os que ganham até dois salários mínimos recolhem ao Tesouro 53,9% da renda, os que ganham acima de 30 mínimos contribuem com 29,0%.
“A quem tem, mais se lhe dará, e terá em abundância; mas, ao que quase não tem, até o que tem lhe será tirado.” Feliz ajuste fiscal.
PS do Viomundo: Cadê o imposto sobre fortunas previsto na Constituição de 1988? Ou o Levy foi colocado lá para taxar só os pequenos?
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Comentários
Yacov
Gentein …. Que injustiça !!! (Com voz de MALUF) São os Ricos (que vivem de tetas governamentais e pregando os valores da PRIVADA), que com seu empreendedorismo e iniciativa intrépidos, dão emprego aos pobres coitados dos pobres … Se não fosse os ricos, os pobre trabalhariam para quem !?!?!?!?!?!?
“O BRASIL PARA TODOS não passa na REDE GLOBO de SONEGAÇÃO & GOLPES – O que passa na REDE GLOBO de SONEGAÇÃO & GOLPES é um braZil-Zil-Zil para TOLOS”
MacCain
Rico nesse País nao trabalha, nao paga, sonega e ainda pega empréstimo em banco publico a juros minimos para agiotar o trabalhador pobre e médio neste País
Daniel
Olhem, se for contar o imposto de renda, ICMS e tantos outros impostos que são aplicados em toda e qualquer coisa que você compre, dá de ver facilmente que metade de TUDO o que você ganha fica em impostos, e eu aposto que é ainda mais na verdade. Nós normalmente só pensamos no imposto de renda, mas é necessário somar ele com todos os outros impostos que você venha a pagar ao comprar um produto para ver no final quanto você está realmente pagando em impostos.
E enquanto isso, os nossos reis… perdão, “juízes” ganhando um privilégio atrás do outro para garantir que isso continue
Regina Fe
A verdade é que desde sempre os ricos, os chamados nobres e os poderosos sempre forjaram entre si uma aliança para conseguir manter os privilégios e a concentração da riqueza. O povão, na figura dos pobres (a classe média é uma ficção), sempre ficou com o sacrifício, com o trabalho pesado, com o fardo.
Fabio Passos
Os ricos roubam dos pobres… descaradamente.
Os ricos são o crime!
renato
Vamos tirar os direitos dos trabalhadores.
Uma formula de fácil resolução e efetivação.
Qualquer Governo faz isto.
Menos o Governo DILMA..altamente POVÃO…..
Se deixar o POVÃO por as mãos de fora, falta água em
São Paulo..
SIM…estou revoltado..com DILMA..
Ary Gurgel
Absurdo!Mais um…
Afonso
Engraçado…outro dia um imbecil me disse que era contra os cubanos no “Mais Médicos” porque o governo cubano “toma” metade do que eles ganham. Eu disse a ele que no Brasil – e não é de hoje – era a mesma coisa. Ele ficou com cara de mais bôbo ainda. Ou seja, nem isso ele sabia. É imbecil ou não ?
Julio Silveira
Meu caro, o Brasil é muito mais cruel que Cuba, aqui essa maioria mais pobre que é esfolada, é esfolada para sustentar os mais ricos, para aumentar o bolo dos mais ricos, para financiar as mordomias dos mais ricos. Em Cuba comprovadamente existe qualidade nos serviços publicos para os pobres,,mas não só para esses, para todos. Aqui nem é preciso desenhar para mostrar o que sobra para os mais pobres, já para os ricos brasileiros sempre tem a opção Miami com a ajuda do estado Brasileiro, com suas injustiças e covardias continuadas.
FrancoAtirador
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Trabalhadores pagam IPI e ICMS para sustentar um Oligopólio Transnacional
que repassa os impostos e taxas aos preços dos produtos nos Supermercados
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Dez grandes companhias abocanham de 60% a 70% das compras de uma família
e tornam o Brasil um dos países com maior nível de concentração no mundo.
Talvez passe despercebido àqueles que vão ao supermercado que um conjunto pequeno de grandes transnacionais concentra a maior parte das marcas compradas pelos brasileiros.
Dez grandes companhias – entre elas Unilever, Nestlé, Procter & Gamble, Kraft e Coca-Cola – abocanham de 60% a 70% das compras de uma família e tornam o Brasil um dos países com maior nível de concentração no mundo.
(http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia/A-concentracao-das-empresas-nas-gondolas-do-supermercado/7/32575)
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FrancoAtirador
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“Os juros não são altos porque a dívida é alta. É o inverso.”
Luiz Gonzaga Belluzzo, em Julho de 2004
(http://www.horadopovo.com.br/2004/julho/27-07-04/pag2a.htm)
“Entre 1995 e 2014, o Estado Brasileiro
transferiu para os Detentores da Dívida Pública,
sob a Forma de Pagamento de Juros
o Equivalente a 125% do PIB [Riqueza Nacional]:
um PIB anual inteiro, mais um quarto.”
Luiz Gonzaga Belluzzo, 10 anos depois
(http://www.cartamaior.com.br)
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Eunice
Resposta a Romanelli.
o ITBI e apenas sobre imóveis.
Sabemos que imoveis são apenas pequena parte da riqueza de uma familia ou empresa.
Romanelli
FATO, imposto existe (ITCMD ou ITBI) ..e se houver lacunas, é só aperfeiçoar
A DOAÇÃO entre vivos é passível de imposto se o valor ultrapassar 2,5 mil ufesps ..caso vc recebeu e não pagou, sobnegou (dai ser importante o cadastro unico e a CPMF por ex)
E como disse, num país aonde o Estado já morde 4%, advogado 6%, corretor 6%, cartório mais pouco (tudo, uns 20%) ..falar ainda em INVENTAR mais ônus ??!!
caracas, CONFISCA tudo duma vez ..declarem-nos COMUNAS, e manda às favas o esforço e a poupança das células familiares, que achas ?
abra
Romanelli
já existe Imposto sobre grandes fortunas, é o ITCMD ou ITBIV
Se Sobre herança a vivos, 4% ..se por morte, também, em CASH (mesmo se tratando de imóveis)
Fora que tem uma turma que MAMA em silencio ..pois enquanto o ESTADO arrecada 4% das fortunas (ou heranças), advogados cobram 6% pra transcrevê-las, e cartoristas outros tantos ..fora os corretores que sõa convocados pra transformar lote em grana
Verdade, este imposto sobre herança é uma porcaria (promoveria muita fuga)..o melhor de todos continua sendo a CPMF (o menos regressivo e mais universal de todos, o mais barato e insonegável tb)..
..claro que é imprescindível que le seja acompanhado pela substituição dos outros tributos regressivos, e encolhimento da máquina burocrática, arrecadatória e fiscalizadora tb (advogados, contadores, fiscais, auditores etc)
fala pra mim, o que vc prefere, 17% na compra duma roupa, ou 0,38% no débito ..pois é, mas quem tem força de colocar o guizo no gato?
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