Marina Lacerda: O reino doméstico de Dilma na campanha de 2014

Tempo de leitura: 4 min

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A campanha eleitoral e chute na canela do estereótipo de gênero

por Marina Lacerda*

É a segunda vez em que não uma, mas duas mulheres figuram no centro do debate presidencial no Brasil. Evidente que isso contribui para a igualdade de gênero, ao demonstrar que as mulheres podem ocupar relevantes espaços de poder.

Mas o avanço simbólico não é assim linear. Quando Dilma se apresentou como candidata aos eleitores em seu programa de TV da semana passada, eis que surge alguém que acorda cedo, trabalha muito, tem uma vida normal, “cozinha”, “trata do jardim” e “cuida da residência oficial com esmero de qualquer dona de casa” (!).

Só depois de pagar esse pedágio do estereótipo de gênero é que seus marqueteiros podem colocá-la como a Chefe de Governo e de Estado que é. Só depois do estereótipo somos chamados às políticas públicas que a mulher forte capitaneou em seu mandato, e que ela é mostrada, enfim, como um “coração valente”.

Em seu segundo programa Dilma é aquela figura forte que fez “n” obras de infraestrutura. Mas antes e depois de ser tomada como grande realizadora, sua campanha precisa deixar bem claro não esquecer que ela é mulher e, como tal, tem seu lugar. Assim é que, no terceiro episódio, a candidata segue sua sina: é chamada para falar “sobre seu neto e a cozinha do Palácio da Alvorada”.

Ela diz que faz um bom bacalhau no final de semana. Aparece servindo café e fala da sua rotina como avó. Mais uma vez, só depois de pagar o tributo de gênero é que a presidenta aparece num posto essencialmente masculino, como Chefe de nossa República em fóruns internacionais.

A pesquisa Mulheres nas eleições 2010 apontou que o uso de caricaturas desse tipo é uma estratégia para dialogar com uma sociedade machista. Se existe a avaliação de que esse tipo de exposição da Dilma é necessário eleitoralmente, também temos que reconhecer que seu efeito simbólico é terrível. É como se se dissesse que à mulher só é possível participar dos espaços de poder se ela continuar sabendo muito bem que seu reino é o doméstico.

Marina Silva não fez nenhuma pregação a respeito nos pouco mais de dois minutos dedicados à propaganda eleitoral que teve na semana que passou. Mas a coordenadora de seu plano de governo, Neca Setúbal, fez afirmações bastante contundentes, em entrevista ao jornalista Fernando Rodrigues (Folha de São Paulo). Para ela, “Dilma reproduz uma liderança masculina”. Sua linha de raciocínio é obtusa: o “século 21 é o século do novo” e nos coloca o desafio de construir uma sociedade com “um olhar muito mais feminino. A mulher é que dá à luz”. Dilma reproduz o masculino porque é “aquela pessoa dura, que bate na mesa, que briga, que fala que ‘eu vou fazer, eu vou acontecer, eu sei’”.

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É claro que atributos da sensibilidade são importantes no universo da política – como em qualquer outro. Aliás, a maior liderança política das últimas décadas no Brasil, Lula, é marcadamente um ser intuitivo. E é um homem. Mas apontar essa característica como um dever das mulheres é dizer que, se não for assim, são menos legítimas para posições de poder. Trata-se de um chute na canela. Um golpe baixo. Um desserviço ao esforço de décadas das mulheres de conquistarem o espaço público.

Sustentando a concepção do “novo” século XXI está um discurso obscurantista conservador, que atrela normativamente o feminino à maternidade; uma perspectiva essencialista que aprisiona as mulheres a uma suposta natureza, que apenas serve para justificar a distribuição desigual e injusta do trabalho ao longo do tempo e que, por isso, vem sendo contestada de forma persistente pelo feminismo. Nem as mulheres são naturalmente dóceis nem os homens são naturalmente brutos.

Nem as mulheres devem ficar vinculadas inexoravelmente à dedicação à família nem cabe só aos homens gerir a coisa pública.

É verdade que existem, na teoria feminista, correntes “diferencialistas”, que defendem a positividade das particularidades de homens e de mulheres. Algumas teóricas entendem que a esfera pública deve ser redefinida a partir da experiência da maternidade, centradas na ideia de que a relação da mãe com seus filhos não se compreende em termos de interesses instrumentais e de ganhos individuais. Para outra teórica, a civilização ocidental é vociferada de forma masculina; a presença de mulheres na política traria importante voz diferente.

Ainda que se aceite que existe uma contribuição particular que as mulheres podem oferecer, isso não significa que devem se comportar de determinada forma que atenda a requisitos afetivos. Como outras correntes do feminismo enfatizam, essas identidades essencialistas precisam ser desconstruídas. As mulheres não podem ser definidas a partir do papel que ocupam na reprodução. E podem ser o que bem entendem, sem precisarem dizer que se preocupam com a casa ou se mostrarem dóceis para isso.

O déficit de participação de mulheres na política é um fenômeno mundial. E como é óbvio – e reafirmado pelas pesquisas – isso se deve à divisão sexual do trabalho: às mulheres, o cuidado para com a família, o trabalho doméstico; aos homens, as interações mais amplas e o espaço público. Isso, porém, não explica tudo.

O Brasil tem uma participação de mulheres na política tão pequena que é ridícula se compararmos. Segundo a União Interparlamentar, no mundo, em média, as câmaras de deputados possuem 22,3% de representação feminina. Nas Américas, 25,6%. No Brasil, ínfimos 8,8%. Média menor inclusive do que aquela dos Estados Árabes (17,8%). No Iraque, são 25,3% da câmara baixa; na Arábia Saudita, onde as mulheres não podem sequer dirigir, são 19.9%! Permanecem em aberto na literatura as razões dessa proporção tão pequena no Brasil.

Apesar disso, integramos o seleto grupo de países que têm uma presidenta. Isso contribuirá simbolicamente para a igualdade de gênero tanto mais quando menos se estereotipar a figura da mulher, sob pena de se manter seu confinamento no espaço doméstico. Deve-se avançar no sentido de ser irrelevante a diferença entre os gêneros para a atuação na esfera pública. Do contrário, serão sempre intrusas – ou, na melhor das hipóteses, convidadas excepcionais – na condução dos temas que dizem respeito à coletividade.

O período de campanha é, de certa forma, um vale-tudo. Mas deveria ser encarado como um momento de formação dos cidadãos. Uma boa contribuição que as candidaturas poderiam dar ao Brasil é estabelecer um jogo justo em relação às questões de gênero, deixando de lado os golpes baixos que só servem para estigmatizar e reforçar a subordinação feminina.

Marina Lacerda é mestra em Direito Constitucional pela PUC/Rio e doutoranda em Ciência Política pelo IESP/UERJ.

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Comentários

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Marta

Não me interessa se a Dilma sabe conzinhar, lavar e passar. Estou interessada em ver a Dilma, em tempo de eleição, fazer política partidária.

Bia

Fiquei perplexa com a contradição da Sra. Neca Setúbal que cobrou respeito para não ser apontada apenas como herdeira do Itaú, mas uma profissional com mestrado, doutorado etc…Até entendi os motivos dela. Mas, depois ela me sai com essa de “forma feminina de administrar”, “Dilma é masculina/Marina feminina” e outras tonterías!!

Pior foi ouvir a comentarista de política da Globo News, Cristiana Lobo, acrescentar ao comentário da Cantanhede – sobre o marketing querer vender Dilma como maternal – que “melhor seria mostrar Dilma como avó, pois avó é mais doce” ! Cristiana sempre se refere à Presidente como “carrancuda, antipática”. É concurso de miss ???
Com mulheres assim quem precisa de preconceito e/ou machismo vindo de outras hostes ??

Mardones

Realmente, essa mania de ‘jogar para torcida’, agradando a gregos e troianos é maléfico para a sociedade e a redução das desigualdades. Não tenho visto os programas eleitorais. Ainda assim, a análise aqui é essencial para o debate de gênero e o ‘seu lugar no mundo’.

Quando eu li a entrevista da assessora da Marina Silva, a doutora pela PUC, Neca Setúbal – herdeira do Itaú (banco que sonegou bilhões de reais quando da compra do Unibanco)- imaginei que ela estava no século XIII. Para uma ‘doutora’ é um discurso vazio, coisa de quem ‘comprou’ o doutorado ou fez um curso muito ruim, pois não foi capaz de permitir a mudança de pensamento necessária para compreender a história e suas limitações que precisam ser superadas.

Em resumo: Dilma afaga o machismo. Marina finge que não existe. E Neca precisa voltar aos bancos da pós-graduação.

Vida que segue.

augusto2

Em lugar nenhum se viu escrito ou implicito no programa que “como mulher ela tem seu lugar”. Alias nos programas sociais de AÇAO de Lula-Dilma desde 2003 ocorre precisamente o contrario, q é coisa facil de provar.
ou será q o ”lugar” por si mesmo, onde está Dilma nao quer dizer nada?
Atenha-se ao circulo de que se trata, pq passo logico fora das premissas é furada.

Agora que tenha lugar na cabeça das expectadoras, é certo. Mas o nome disso nao é pedagio, é voto. E as eleitoras nao sao as norueguesas mas as tupiniquins, e por sinal as de hoje, nao as da proxima e vindoura década de 30.

Sidnei Brito

Ora, ora! É propaganda política, gente!
A grande verdade é que, mais do que mostrar a Dilma “mulher”, o objetivo é humanizá-la como forma de tentar dialogar com o alto índice de rejeição que apresenta. Quem não acha simpático qualquer avó falando do netinho?
Não tenho números mais novos, mas me lembro que, em 2010, a maior resistência ao nome de Dilma vinha justamente das… mulheres! Daí, talvez, a busca de tal viés.
Confesso não gostar muito do marqueteiro João Santana. Mas duvido muito que ele não esteja mostrando esse “lado” de Dilma baseado nas terríveis pesquisas qualitativas.

Urbano

Só que para o bem ou para o mal sempre há verdadeiros gigantes. E sempre a crescer mais e mais…

RILDO FERREIRA

Texto tosco, arcaico.

Eu faço essa porra toda todo dia. Lavo banheiro, panelas, cozinho, lavo roupas, passo, limpo o quintal… A minha leitura é diferente. A peça me revela um fenômeno de uma pessoa que viveu toda uma história de “Amélia”, mas conquistar postos secularmente ocupados por homens, ou seja, uma transição de uma historicidade para outra.

Acho que a gente precisa crescer viu!…

FrancoAtirador

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É a segunda vez em que não uma,

mas TRÊS mulheres figuram no centro

do debate presidencial no Brasil:

1) LUCIANA GENRO (PSoL)
(http://lucianagenro.com.br/programa)

2) Osmarina Silva (PSB/REDE)

3) DILMA VANA ROUSSEFF (PT)
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    FrancoAtirador

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    .
    Considerando-se @s candidat@s a Vice-Presidente,

    pela primeira vez tem-se QUATRO MULHERES no Pleito:

    CLAUDIA DURANS concorre pela segunda vez ao cargo

    de Vice na chapa encabeçada por Zé Maria do PSTU.

    (http://www.pstu.org.br/node/20811)
    .
    .

Cassius Clay Regazzoni

Putz… eu cozinho igual a ela e arrumo minha casa, lavo minha roupa e só não passo porque sou ruim demais nisso. Minha ex-esposa não fazia metade das tarefas domésticas que eu (e isso porque eu trabalho fora e ela ficava ainda por conta da segunda faculdade e estágio).

É parte da vida de qualquer um fazer uma comidinha e arrumar a casa.

O marqueteiro quis mostrá-la apenas como uma mulher normal, como a maioria das eleitoras do Brasil, que fazem comida, arrumam a casa e ainda dão duro no trabalho para sustentar os filhos.

Até porque há o preconceito contrário contra a Presidenta (de que ela tem uma imagem muito masculina, seja lá que raios for isso).

Feminismo às vezes enche o saco, aliás, a vulva.

    Giba-PE

    Parece a Ana Maria Braga.Só falta o papagaio atrás…quem seria?

    Joao Batista

    Concordo com você, é tão normal hoje homem cuidar das coisas da casa quanto mulher destacar-se profissionalmente… simplesmente quiseram combater a imagem por demais “gerentona” que a Dilma carrega.. acho que a articulista tem o assunto mal resolvido….

Mauro Bento

Sr. Luiz Carlos Azenha , socorro-me de seu tirocínio sobre o seguinte: no horário

eleitoral de hoje 19 horas observei os candidatos a Governador de SP Alckmin e Scaff,

com propostas de alterações nas “Leis em Brasília”, pergunto não deveriam se

candidatar ao Senado para propor leis ??

E o TSE e o PROCON, alguém ??

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