A capa do espanhol Marca
Chauvinismo midiático à brasileira
Página 12, 11 de julho de 2014
Tradução de Jair de Souza
A construção desportiva do outro como antagonista, da alteridade – se me permitem – em termos filosóficos, dessa explicação que no Brasil se tenta esboçar ante o inexplicável (o 7 a 1 diante da Alemanha, ver a Argentina na final do Mundial), é um exercício que a imprensa local trata de cultivar, com uma ligeireza e um chauvinismo que alarma. O curioso é que na Espanha se constroi sentido na mesma sintonia. A revista Marca intitulou em sua capa: “A Argentina arremata o Brasil”. A seleção argentina eliminou a Holanda, mas no imaginário coletivo o rival é outro. É o Brasil.
As identidades futebolísticas prefabricadas com artifícios transformam a alegria alheia em desgraça própria. A tendência de gozar com o sofrimento do outro é forte demais, de viver a consagração estrangeira como um calvário e, se esse outro for o adversário histórico, ainda mais. É uma moda que se impôs como um combustível muito inflamável. Até a mais ingênua das gozações pode tornar-se a mecha para o pior incêndio. O nocivo é que essa visão de recorrido curto, extraviada, seja exacerbada através dos meios de comunicação. A reconstrução, desde as cinzas futebolísticas brasileiras que a goleada sofrida deixou, ergue-se a partir de uma identidade forjada, a-histórica, como a que a revista esportiva Lance mostrou em sua capa.
Este meio brasileiro intitulou: “Agora, somos todos Alemanha”. De onde eles podem se arrogar essa representação de cidadania desportiva? De que coincidências histórico-futebolísticas? Qual é o objetivo com que se intitula assim, a não ser que se trate de encontrar a revanche no outro, esse outro que hoje é a Argentina e que está longe no somatório de títulos mundiais? Cinco a dois.
A revelação pode ser encontrada na humilhação esportiva, na ausência de explicações próprias, no afã de cicatrizar rapidamente uma ferida fugindo para frente. A excepcionalidade de um 7 a 1 em casa, da amargura de quase 200 milhões de habitantes, da glória pretérita enlamaçada por uma jornada fatal, antes de ser explicada, é sofrida. E, como se sabe, o sofrimento não é um bom processador de emoções, sobretudo quando estas são exacerbadas, quando sobre elas se lançam veneno, se forem transformadas em uma caça às bruxas.
Na história da humanidade há exemplos nefastos de como se constroi sentido depositando no outro as frustrações próprias. O papel dos meios de comunicação determina em boa medida essa visão tendenciosa, chauvinista, que inclusive coloca um esporte – o futebol – em um lugar de implicações superiores às que representa, ou deveria representar.
Apoie o VIOMUNDO
O talentoso Dante Panzeri sustentava com sua sabedoria habitual que o esporte deveria ser para as maiorias “um desintoxicante e não um tóxico mais”. É evidente que o Mundial, segundo a visão de certa imprensa brasileira, deve continuar intoxicando. E o melhor veneno que encontraram está na Seleção Argentina: a representação dessa alteridade que lhes vem sob medida para evitar por alguns dias o não concentrar-se nos verdadeiros responsáveis por sua catástrofe futebolística.
Leia também:
Por que a Alemanha reformou seu futebol e o Brasil perde espaço
Comentários
Oswaldo
“O esporte é uma fonte inesgotável de rancor. As competições esportivas internacionais geram, invariavelmente, uma orgia de ódio”. – George Orwell.
Ricardo JC
Já morei na Espanha em dois períodos de minha vida e, como quase todos os brasileiros, sou um apaixonado por futebol. Lia o Marca diariamente e este é um periódico dedicado aos esportes que trabalha no sentido de acentuar a rivalidade Madrid-Barcelona. Seu ganha pão é este…mostrar apenas o seu lado da questão (será que isto não nos soa familiar?), dedicado ao Real Madrid. Fazem um jornalismo esportivo muito fraco. Não me espanta que trabalhe também no sentido de atiçar a rivalidade Brasil-Argentina. Mas cá entre nós…é apenas futebol. Não é possível que nos deixemos levar, até no futebol, por uma provocaçãozinha barata de um jornal espanhol. Até poque eles ambém não estão com esta bola toda (lembrem-se que a Espanha levou uma goleada muito similar à do Brasil no seu primeiro jogo da Copa e foi eliminada na primeira fase – um vexame ainda maior do que o nosso).
Jair de Souza
Em um comentário externado via facebook, uma colega nos pede que não nos esqueçamos de que a imprensa argentina também gosta de jogar lenha no fogo.
É claro que isto é inteiramente correto. A máfia midiática argentina é tão, ou até mais, nefasta quanto a brasileira. Lá a mídia é controlada pelo grupo Clarín, um dos maiores conglomerados máfio-midiáticos de nosso continente. Em seu plantel de serviçais eles contam com verdadeiros crápulas, bandidos, delinquentes, do nível do jornalista Jorge Lanata, alguém que não fica a dever nada em viralatismo quando comparado a nossos arnaldos jabor.
Neste preciso momento, a máfia midiática argentina está totalmente empenhada em fazer o jogo dos chamados “fundos abutres”, que querem quebrar o país para sugar seu sangue (o sangue de seu povo, entendamos bem) até a última gota. Um revés no mundial de futebol seria (segundo eles creem) uma nova oportunidade para tentar derrotar a resistência que o governo de Cristina Kirchner exerce contra as pretensões desses fundos.
Tudo isso precisa ser levado em conta. Não é bem o caso de Página 12, um jornal que não está alinhado com os tradicionais grupos mafiosos e oligárquicos que hegemonizam o controle dos meios de comunicação na Argentina. Página 12 é algo como era nossa Última Hora nos tempos de Getúlio Vargas.
Ivonete
Vou ficar muito satisfeita vendo a Argentina se sagrar campeã. Amanhã estarei com Argentina!
PauloH
O texto tenta combater o chovinismo brasileiro praticando chovinismo argentino. Foge de um comportamento absurdo pra cair em outro.
Nelson
Meu caro PauloH.
Sugiro que, para compreendê-lo melhor, tu voltes a ler texto. Assim, tu poderás entender o que o autor quer, de fato, dizer.
Lukas
Sugiro aos progressistas irem ao Capão Redondo, antro de coxinhas, torcer para a Argentina. Boa sorte.
Fabio Passos
Sugiro ao PiG-boy ir ao Capão Redondo… levando um poster do fhc. Aí vai ver o que é bom prá tosse. rsrs
Ricardo JC
O seu comentário não me espanta nem um pouco, afinal de contas nem torcer para o Brasil você torce!!!
Fabio Passos
Não acompanho o PiG. Não leio lixo.
Mas pela necessidade que sentem os PiG-boys em atacar a Argentina, posso imaginar o quão estúpida deve ser a “linha editorial” da globo, veja, fsp e cia…
Brasil x Argentina é rivalidade regional.
Saudável quando estimulada em disputas dentro das quatro linhas.
Esconder o fracasso do nosso futebol, destruído pela incompetência e roubalheira da globo-cbf, atacando a Argentina é uma tolice.
A final será muito legal e minha torcida é por vitória Argentina.
Caracol
Admiro o trabalho futebolístico dos alemães, ele é fruto de uma herança cultural que valoriza a organização e a administração. Vieram pra cima do Brasil como uma panzer divisionen, e não há desmerecimento nessa metáfora, muito menos ilações políticas. Ponto para os alemães.
Mas vou torcer pela Argentina. Pelos latinos, pelos vizinhos. Mais: a Argentina encontra-se no momento fragilizada e acuada pelas hienas monetaristas internacionais. Precisa de sucesso muito mais do que os adversários.
Além disso, o futebol argentino, também fruto de sua herança cultural, está mais perto daquilo que aprecio como o futebol bem jogado, mais apoiado em valores individuais de seus jogadores. Não posso aceitar um futebol sem dribles, como o jogado pela Alemanha.
Um conhecido meu enalteceu o “espírito coletivo” dos alemães, e eu lhe disse que achava gozado ele valorizar o “coletivo” no futebol e ao mesmo tempo votar no individualismo dos neoliberais. Perguntei-lhe como é que ele explicava isso e ele ficou mudo, exibindo aquele olhar opaco revelador de acometimento de nó mental.
Gostaria e espero que o Brasil torça pela Argentina. Nesse momento, é mais coerente.
Deixe seu comentário