Professora da USP: Senhor, reitor, que falta de diálogo é essa?

Tempo de leitura: 13 min

Charge_Zago_Veja (1)

O professor Zago antes e depois de se tornar reitor da USP. Fonte: site da Adusp

por Marlene Guirado 

O contexto

Há um mês completo todas as categorias que fazem esta universidade na qualidade de funcionários, docentes e alunos, em número expressivo, sustentam uma greve, em nome da abertura de negociação com as instâncias de direção e seus representantes (o CRUESP), que decidiram 0% de aumento dos salários.

Nesse momento, a revista Veja (na íntegra, abaixo) abre suas páginas amarelas para uma entrevista com o Reitor da USP, Marco Antônio Zago. Numa sensível desigualdade de posição, os outros polos nesse jogo de forças não dispõem de espaço e de voz nos meios de comunicação. E são tomados de surpresa por uma curiosa e paradoxal fala desse Reitor, em nome próprio, e aparentemente sem respaldo numa prática institucional concreta de sua Universidade.

Nós, professores do Instituto de Psicologia da USP (IPUSP) em greve, por decisão de Assembleia Setorial da ADUSP, vimos tomar em consideração a referida entrevista, para proceder a uma análise do modo como se organizam o discurso e as posições daquele que, no atual contexto, foi empossado Reitor desta Universidade de São Paulo.

A entrevista

Com um título que condensa uma suposta posição de vanguarda do entrevistado e com uma chamada geral que enuncia, de seu ponto de vista, o que contraria essa posição, logo se caracterizam: (a) o âmbito privilegiado do fazer universitário (a pesquisa); (b) os antagonistas de sua estratégia mais avançada (professores/pesquisadores); e (c) a atitude reinante, indesejável e contraditória ao esforço do protagonista, a de pouco empenho na produção de conhecimento inovador por parte de estáveis e acomodados pesquisadores.

Como se demonstrará, já está praticamente desenhada aqui a cena imaginária que explicaria ao leitor um problema possivelmente grave pelo qual a USP estaria passando. Qual? A revista fala de um problema de qualidade, conforme os rankings internacionais.

Apoie o VIOMUNDO

Mas Zago descarta a gravidade desse fato; coloca-o como circunstancial; e dirige a atenção para outros, que seriam mais “estruturais”, como os alunos não saberem falar inglês (!!!), a estabilidade do vínculo empregatício, a idade e a atitude acomodada de professores que envelhecem na função, o baixo nível de conhecimentos e habilidades desenvolvido no ensino secundário, pouca dotação de verba para o ensino superior, o que impediria um sistema mais competitivo de contratação e promoção na carreira docente e… a organização sindical.

Tudo com igual peso, sendo que as soluções que já estão sendo dadas atingem, como se fossem a pedra de toque de saídas para todos os problemas, são as medidas referentes ao inglês e à inclusão (!!!).

Se, no entanto, considerarmos que toda a entrevista se esgota em argumentos e descrições em torno dessa cena que sugere um problema grave, que o descarta e o desloca para uma outra situação, supostamente mais séria, aliviada, de início, com soluções pontuais e periféricas, poderíamos nos perguntar se a gravidade não estaria em outro lugar, em outra cena.

É aí que a consideração do contexto em que a entrevista aconteceu aponta para um fato no mínimo controvertido: em seu transcorrer, em nenhum momento foi mencionada a situação de greve atual. Houve apenas uma menção genérica da própria redação, que torna a greve um evento sazonal, que vai e vem (“A USP … sai de uma greve para entrar em outra”), de efeitos pífios para todos.

Mas, se nos perguntássemos sobre a ocasião em que a matéria “sai” na imprensa, que outra ação social concreta teria dado visibilidade à Universidade na mídia, agora? E, numa leitura mais atenta da entrevista, podemos perceber que, ao não ser comentada, a greve se torna a importante cena ofuscada, encoberta, sobre a qual se coloca uma outra discussão que, por sua vez, não parece desinteressada. Tentaremos mostrar, na sequência, que seus motivos estampam-se, pelo avesso, nos argumentos do Reitor.

Isso causa uma distorção notável no conjunto de sua fala e, nos detalhes, ficam mais claros os paradoxos das práticas e discursos da instituição universitária na voz de seu dirigente. Vamos a eles.

1. Ainda no texto da redação, os problemas para os quais o Reitor é convocado a falar (a queda da USP nos rankings internacionais, a crise financeira e o sair e entrar em greve), são por ele assumidos como passíveis de solução, sendo que, com surpreendente naturalidade, desliza para a primeira delas: cursos de inglês aos estudantes que têm se mostrado inábeis nessa língua tão importante(!!) para o seu sucesso para “trabalhar globalmente”.

A surpresa vem por conta da redução, aparentemente gratuita, do quadro das dificuldades, no momento de propor saídas. Como assim? É por que é ranking internacional? Claro que não! Muito provavelmente, a internacionalização é que é uma meta anterior que já funciona como critério de avaliação, não para estudantes, mas para professores e pesquisadores, alimentando uma maquinaria avaliativa que envolve agências de pesquisa, financiamentos, cursos de pós e graduação, uma industriosa rede de publicações como produção intelectual.

Ou seja, o “desavisado” afunilamento no raciocínio de Zago já carreia, por contexto institucional, todos os naturalizados/legitimados mecanismos dessa nossa comunidade discursiva universitária.

2. “Outros entraves tiram o sono do reitor”, diz o editorial: “a falta de ousadia dos pesquisadores e a predominância da cultura sindicalista”.

Leia-se, aqui, que: (a) há uma cultura sindicalista e, que ela incomoda; (b) há falta de ousadia e que ela se dá no âmbito da pesquisa, por parte dos pesquisadores; (c) citadas na sequência, essas duas afirmações sugerem o envolvimento dessa categoria profissional, o professor, na pesquisa e no sindicato.

No decorrer da entrevista, este ponto (c) se confirma, praticamente indicando uma resistência ao desafio e ao risco da produção científico-intelectual de ponta, por esses que se protegem no sindicalismo e na estabilidade profissional como docente que apenas replica estudos já consagrados. “A estabilidade precoce de professores e funcionários paralisa as coisas. (…) Isso depende de questões políticas e leis federais. Mas, internamente, é preciso abandonar a dinâmica de sindicalismo na vida universitária”. São palavras do reitor que, pelo avesso, acusa haver algo mais acontecendo, neste momento, entre nós…

3. Entre ditos expressos e outros colhidos por esta análise, vai-se construindo a base que chamamos paradoxal da proposta de implantar o modelo da meritocracia na universidade.

Em princípio, por um outro deslizamento, meritocracia torna-se superposta à qualidade: “O foco na qualidade e na meritocracia não predomina na administração do ensino superior no país”.

Novamente, como as duas palavras se seguem (e isto acontece em outros trechos da entrevista), a associação ou a equivalência semântica entre elas é um efeito de linguagem e pensamento.

A pergunta que fica é: onde estão as outras possibilidades de qualidade, não só em pesquisa (aliás, outro notório afunilamento que faz o reitor em seu discurso) mas também em ensino e extensão?. Ou, quais poderiam ser os outros modelos de produção (pelos quais alguns segmentos dentre nós vêm insistentemente lutando internamente em seus Programas e Colegiados, bem como nas pesquisas, aulas e trabalhos de extensão) e que não excluam a participação em ações e entidades organizativas, que façam política e ética no exercício mesmo de suas especificidades de área de conhecimento, que busquem medidas de avaliação que levem em conta outros critérios que não aqueles que mencionados no item 1.?

4. É interessante notar que Zago entoa a crítica ao sistema de avaliação de desempenho dos docentes vigente com base na publicação de trabalhos.

Mas o que coloca no lugar? Em suas palavras: “(…) produção de patentes, de material crítico e a realização de debates”.

Sem esclarecer o que entende por “crítico” ou exemplificar a que tipo de “debate” se refere, prossegue, indicando sentidos possíveis para esses termos, no contexto de “seu” projeto para a Universidade, tendo como norte, sempre os condicionantes da internacionalização ou os modelos de outros países. Aliás, não fica claro se, quando e em que nível tem um olhar concretamente voltado para o contexto regional e institucional da USP. E, nesse mesmo jogo de uma fala que não denuncia oposições intrínsecas, estende a avaliação com vistas à meritocracia desde a contratação de docentes até a mudança no regime de dedicação exclusiva, como uma espécie de exigência praticamente necessária para que haja um aumento na qualidade da produção científica.

Pesquisadores seriam pagos por quanto valessem e a diferenciação salarial seria o incentivo para o trabalho de cada um, que passaria, assim, a entrar numa “benéfica e desafiadora” concorrência com seus pares (!!), saindo do que ele chamou de “zona de conforto” em que vivem os pesquisadores.

5. É nesse ponto que seu discurso beneficia-se, insidiosamente, da ambiguidade do dizer para o giro que faz uso de termos e conceitos que, outra vez deslizam, sem fronteiras, do raciocínio que responsabiliza um modo de funcionamento institucional, um procedimento, para atingir qualidades e características pessoais no segmento docente.

Algumas delas inalienáveis, como a idade, por exemplo, dividindo os pesquisadores entre velhos e jovens, sem ter usado a primeira qualificação, em qualquer momento. Tudo ficou por conta da sequência de enunciados e do sentido global do texto.

O caráter mais moralizante da fala, entretanto, vem exatamente quando por associações feitas às condições geracionais no trabalho, afirma que, no regime de estabilidade, os jovens “se casam, têm filhos, ficam mais prudentes e o sistema aceita”.

Ou seja, a comunidade dos produtivos no modelo reitoral é uma sociedade discursiva que atrela saltos no escuro, descobertas decisivas, avanços revolucionários, por indivíduos que, para permanecerem for ever young, precisarão não se casar, não ter filhos ou… não pertencerem ao sistema da USP.

Como sua proposta é essa de mudar o sistema, um outro desafio está lançado: (a) apostar em sua aposta e comprar todo o pacote de mudanças (e cada um pode imaginar a cena docente uspiana para daqui alguns anos: de um lado, sem a prudência dos mais velhos, mas também sem seus defeitos de ficar repetindo experimentos, e, de outro, com o arrojo e a criação, na pesquisa e na vida familiar, dos mais jovens, em concorrência aberta por melhores salários, mostrando eficiência e novidade na produção de patentes, financiados por agências de pesquisas e qualificados por órgãos e comissões provavelmente externos ao…sistema!); (b) insistir, ainda, em discutir, em várias instâncias da própria universidade, com todos os seus segmentos, um estatuto que atenda suas exigências e seu lugar social, num país como o nosso, com vistas, sim, à comunidade internacional, mas que parta do contexto regional e institucional concreto que fazemos e temos hoje, como instituição pública.

6. De fato, há muito o que pensar. O cenário é complexo. As divergências se anunciam de todos os lados. Mas, como imaginar que poderia ser de outra forma?

7. O reitor definiu seus antagonistas: todos os setores que hoje estão em greve (alunos, funcionários e professores), sem em qualquer momento mencioná-la.

Somos os entraves para seus visionários vaticínios de progresso. Mas mais que isto: praticamente negando em sua fala, as instâncias institucionais que fazem a USP, ratificou seu caráter burocrático quando privilegiou a meritocracia e atribuiu, às raias da indelicadeza com seus parceiros, uma espécie de indolência a todos os que, hoje, exercemos lugares de pesquisadores; deixados ao azar do “sistema”, da natureza(!!) e da idade (!!), estragaríamos todo o produto e o brilho que a universidade deve oferecer “ao mundo”.

8. Ora, Senhor Reitor, que mundo é esse?; e, até quando o senhor o estará dirigindo?

 Marlene Guirado é professora do Instituto de Psicologia da USP.

*******

Veja e Zago

É PRECISO ARRISCAR MUITO MAIS 

Entrevista a Lucas Souza e Mariana Barros

O médico Marco Antonio Zago assumiu em janeiro a reitoria de uma instituição que já teve dias melhores. A Universidade de São Paulo (USP) perdeu posições importantes nos rankings internacionais, vive uma dramática crise financeira e sai de uma greve para entrar em outra. Zago, no entanto, vê soluções.

Na escala de preocupações desse paulista de Birigui, o desconhecimento da língua inglesa pelos alunos ocupa hoje o primeiro lugar (“Inglês é a ferramenta de que eles precisarão para trabalhar globalmente”). A falta de ousadia dos pesquisadores e a predominância da cultura sindicalista na vida universitária são outros entraves que tiram o sono do reitor. Zago falou a VEJA em seu gabinete na Cidade Universitária.

A USP perdeu onze posições no mais recente ranking de reputação universitária da revista britânica Times Higher Education e na lista das melhores caiu da 158ª posição para a faixa que vai da 226ª à 250ª. O que explica essa queda?

Nada. As oscilações são normais e não representam mudança significativa de qualidade. Além do mais, as classificações são obviamente relativas e, se alguns dão saltos de qualidade, isso pode determinar a queda de outros que não necessariamente pioraram. Por outro lado, os índices anuais acusam oscilações cuja natureza pode ser apenas metodológica.

Mas a USP caiu também na listagem deste ano da britânica QS Rankings. Foi ultrapassada pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Chile como a melhor da América Latina.

Os rankings comparam universidades de dimensões, missões e focos diferentes. Nós estamos em segundo agora, mas a USP tem 92 000 estudantes. A PUC do Chile tem 22 000 alunos e um orçamento expressivo para o seu tamanho. Para mim, a queda nessa lista latino-americana não significa nada.

A USP continua sendo a universidade mais relevante da América Latina. Mas claro que há problemas. Sobretudo porque não temos ensino secundário de qualidade no Brasil. O aluno que traz da escola dificuldades de escrever bem, compreender textos e fazer cálculos básicos não poderá ter um bom desempenho no ensino superior.

Outra questão deriva do fato de as universidades brasileiras enfrentarem enormes dificuldades de gestão. Seria muito melhor se houvesse um orçamento anual definido e a prerrogativa de contratar ou demitir de acordo com o desempenho. Porém, o foco na qualidade e na meritocracia é algo estranho à administração do ensino superior no Brasil.

A estabilidade precoce de professores e funcionários paralisa as coisas. Isso não existe em nenhum outro lugar do mundo.

O que é preciso para a USP implantar o modelo que privilegia a meritocracia?

Isso depende de questões políticas e de leis federais. Mas, internamente, é preciso abandonar a dinâmica de sindicalismo na vida universitária. Não é fácil dar esse passo. Mas ele é essencial e já foi dado em outros países.

O que a USP está fazendo para aperfeiçoar o sistema de avaliação de professores?

Infelizmente, ainda não se definiu claramente como avaliar o desempenho dos docentes na USP. Por isso, criamos um grupo de trabalho para determinar o que deve ser entendido como excelência.

Não basta verificar se o pesquisador está publicando trabalhos ou não. Há outras formas de análise, como a produção de patentes, de material crítico e a realização de debates.

A USP leva em conta o mérito ao contratar professores?

Em lugares como Harvard ou o Instituto de Tecnologia de Massachusetts, o MIT, os diretores das universidades contratam pesquisadores pagando o salário que consideram que eles valem. Aqui, isso não é possível. Não temos diferenciação salarial. Não oferecemos premiações.

Portanto, o único mecanismo de controle – e que não tem sido usado com muita eficiência – é a promoção. Mas são concursos em que o profissional concorre com ele mesmo, caso da livre-docência, ou com os demais, caso das vagas de professor titular. Há vantagens salariais nos dois casos.

Um programa instituído em 2011 criou a progressão horizontal, sistema em que o profissional passa de doutor 1 para doutor 2 e vai evoluindo. As mudanças não pressupõem aprovação de uma banca, e os aumentos salariais que proporciona são menos significativos. É cedo ainda para saber se isso surtiu o efeito desejado.

Criamos também um grupo para propor mudanças no regime de dedicação exclusiva, revendo critérios de promoção e progressão na carreira.

O sistema atual compromete a inovação?

Os pesquisadores precisam se arriscar mais, sair da zona de conforto que os leva a projetos de sucesso garantido de antemão. Ora, isso permite que a vida deles transcorra sem surpresas muito positivas ou negativas, o tempo passa, eles criam vínculos estáveis e passam a dispor de uma estrutura de pesquisa. Para quê? Para con­ti­nua­rem repetindo experimentos consagrados.

Tudo bem que isso, de certa forma, contribui para o progresso, mas não é essa abordagem que produz grandes e decisivas descobertas. Sem salto no escuro não surgem avanços revolucionários. Os que se arriscam mais são sempre os mais jovens. Depois eles se casam, têm filhos, ficam mais prudentes, e o sistema aceita.

Atualmente, no Brasil, tanto as universidades quanto as agências de pesquisa premiam a prudência e inibem a inovação.

Recentemente, 110 alunos do programa Ciência sem Fronteiras retornaram ao Brasil por não terem fluência em inglês. Como essa deficiência afeta a produção acadêmica?

Esse problema no Ciência sem Fronteiras serviu de alerta para todos. Ele é resultante também da má qualidade do ensino secundário. De modo geral, um estudante da PUC do Chile teve acesso ao ensino médio de maior qualidade e, diferentemente do brasileiro, já chega à faculdade competente em inglês. Mas não podemos nos esquivar do problema. Quando o graduando receber o diploma, ele trabalhará em uma sociedade global em que o inglês é necessário.

Posso dizer que a prioridade número 1 da USP hoje é garantir o conhecimento da língua inglesa para os seus alunos. Já neste ano, a USP oferecerá aulas de inglês aos estudantes da graduação em parceria com o British Council.

A USP atualmente compromete 105% do que capta com a folha de pagamento e está próxima da insolvência. O senhor fazia parte do Conselho Universitário que aprovou as contas da gestão anterior. Como se chegou a essa situação?

O Conselho Universitário não tinha consciência dessa situação financeira. Durante todo o segundo semestre do ano passado não houve reuniões do Conselho Universitário. Nem o próprio orçamento foi discutido e aprovado. Tivemos de aprová-lo neste ano.

Esses fatos não foram discutidos, ninguém tinha informações reais. Precisamos investigar onde tais decisões foram tomadas e onde as informações pararam de circular. Para isso, resolvemos contratar uma auditoria externa para buscar respostas a essas perguntas. Essa história precisa ser contada de maneira formal.

Mas não é verdade que a universidade se encontra em estado de insolvência. Há uma dificuldade financeira conjuntural que será resolvida.

Como reduzir as despesas?

Temos de lembrar que nas universidades públicas é possível contratar, mas não demitir. Então, a primeira medida foi conter a sangria. Suspendemos obras em andamento e revogamos um pedido feito pela gestão anterior de contratação de mais 535 docentes.

Não estou falando de corrupção, mas de tomada de decisões. Temos de rever como chegamos a esse ponto e evitar novos equívocos.

Por que no Brasil não se adota o princípio óbvio e justo de cobrar mensalidade nas universidades públicas daqueles que podem pagar?

A cobrança de mensalidade não é, a meu ver, uma alternativa para o financiamento da universidade pública no atual momento.

No caso da USP em particular, sou contra a cobrança se o objetivo visado for obter uma nova e significativa fonte de recursos. Há inúmeros exemplos de iniciativas na área pública que mostram que, quando se introduz uma fonte de financiamento, ela logo deixa de ser adicional para se transformar em substituta.

Muitas pessoas, no entanto, defendem o ensino pago como forma de justiça social e argumentam que isso poderia aumentar a inclusão, pois quem pode pagar ajuda a subsidiar quem não tem condições para isso. Se lembrarmos que a USP é financiada com recursos públicos arrecadados de pobres e ricos, o argumento da justiça social ganha força.

Pessoalmente, temo que um ensino pago na USP possa representar não um avanço, mas um entrave à inclusão.

Mesmo se associado à oferta de bolsas de estudo a quem não pode pagar?

Sim. Em São Paulo, 460 000 estudantes concluem o ensino secundário por ano. Destes, 82% vêm de escolas públicas. Mas, quando se examina o corte socioeconômico entre os aprovados para a USP, a relação se inverte. A inversão começa já na inscrição para o vestibular. Apenas 37% dos vestibulandos da USP são egressos da rede pública.

A maioria dos alunos das escolas públicas já se exclui naturalmente e nem sequer se anima a prestar o exame vestibular para a USP. Esse quadro permanece apesar dos nossos esforços de propaganda e do programa de convites a alunos de escolas públicas para visitar a universidade. Muitos perguntam quanto teriam de pagar para estudar na USP.

Se cobrarmos mensalidade, como explicaremos ao aluno que vem de uma escola da periferia que, caso ele seja aprovado, ainda terá de fazer outro concurso para tentar obter uma bolsa? Ele dirá: “Bom, nesta aqui não dá mesmo”.

O que o senhor pensa da atual política de cotas?

Estou convencido de que há outros meios que ainda não foram plenamente explorados – como o que a USP está adotando, na forma de bônus. Desde o ano passado, o estudante que vem de escola pública ganha um acréscimo de pontos na nota do vestibular e, aditivamente, sendo preto, pardo ou indígena, tem outro acréscimo. Essa bonificação pode representar 25% da nota, o que é bastante em uma disputa acirrada como a que temos.

A meta é chegar a 2018 com metade dos alunos egressa da rede pública. Por enquanto, não temos queixas de que os alunos favorecidos pelo bônus social ou racial estejam tendo maior dificuldade para acompanhar os cursos ou sofrendo qualquer forma de segregação.

O senhor acha razoável que uma em cada duas vagas nas universidades federais seja preenchida por critérios indiferentes ao mérito, como determinado pela atual Lei de Cotas?

A questão central é a seguinte: o que seria um critério meritocrático para a seleção de alunos para a universidade?

Estamos acostumados a responder que é a avaliação do seu desempenho no vestibular. Só que o vestibular não revela os melhores talentos, apenas os mais preparados para ele. Para um aluno da rede pública, a chance de bom desempenho é reduzida. Isso não denota falta de talento, mas de oportunidade.

Por isso, sou favorável a examinar a seleção para a universidade com base em mais de um critério, de forma que outros talentos, além do treino para o vestibular, possam ser avaliados de modo mais justo e eficaz.

O que falta para alguém da USP ganhar um Prêmio Nobel?

Não tenho isso como meta. Temos é de dar melhor condição de trabalho aos pesquisadores e reduzir as tarefas administrativas e burocráticas. As condições para fazer pesquisa competitiva estão no estabelecimento de um ambiente favorável, com parcerias como as que temos hoje. Não dá para criar pesquisa de qualidade isoladamente.

Leia também:

Apoie o VIOMUNDO


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

abolicionista

A USP foi usada para caixa dois de campanha tucana. Por isso o reitor não aceita uma auditoria nas contas da universidade. Querem saber onde foi parar o dinheiro, sigam a trilha de penas. Podem começar com a estranhíssima parceria USP-Santander.

Oswaldo

A grande imprensa, assim como o PSDB, só é contra a “cultura sindicalista” de funcionários, uma vez que defendem ferozmente as corporações empresariais.

    laura

    É mesmo!

    evair da costa nunes

    Oswaldo, não só defendem como são parte integrante delas!!!!!!!

Deixe seu comentário

Leia também