Maria da Conceição Tavares: “Resistir para avançar. O resto é arrocho”

Tempo de leitura: 7 min

11/06/2014 – Copyleft

Maria da Conceição Tavares: Resistir para avançar

Em conversa com Carta Maior, Maria da Conceição Tavares adverte para o risco de soluções supostamente redentoras e faz uma exortação: ‘Resistir para avançar.

por Saul Leblon, na Carta Maior

Cautelosa, quase reticente em falar  de  economia, ‘numa hora em que tem tanta gente falando bobagem’, Maria da Conceição Tavares, a decana dos economistas brasileiros, voz   sempre ouvida com atenção quando o horizonte se anuvia, como agora, rejeita  as soluções miraculosas oferecidas  na praça para destravar os nós do crescimento brasileiro.

A campanha eleitoral antecipada na queda de braço em torno da Copa do Mundo  exacerbou a divisão do país em duas visões de futuro, diz a voz cautelosa.

Uma valoriza os avanços obtidos na construção da democracia social  nos últimos doze anos.

Não considera o caminho concluído, mas é o que está sendo construído.

A outra, majoritariamente abraçada pelo conservadorismo e seu martelete midiático, equipara o resultado desse  percurso  a uma montanha desordenada de escombros.

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Um Brasil aos cacos.

Propõe-se a saneá-lo de forma radical.

Em primeiro lugar, esse ‘começar de novo’ retiraria  o país  das mãos do ‘populismo petista’, em outubro próximo.

Para entregá-lo em seguida a quem entende do ramo: os mercados e suas receitas de ‘contração expansiva’, que combinam  arrocho salarial e fiscal  com fastígio dos fluxos de capital sem lei.

Na conversa com Carta Maior, Conceição  avança com cuidado, escolhendo as palavras ao transpor o limite que havia se imposto de não mexer nesse ambiente conflagrado.

“A situação é muito delicada por conta do  encavalamento  de gargalos econômicos e disputa eleitoral”, admite.

“Mas o fato é que o projeto em curso é o mais adequado à sociedade brasileira”, afirma  esticando  seu divisor no campo minado.

“Avanços sociais, emprego, salário e crédito para manter a atividade  –- não para puxar, me entenda, mas para manter o nível de atividade”, desfia a economista enquanto delimita a sua trincheira de resistência.

“São doze anos de estirão por essa via, agora é manter, enquanto se avança no investimento em infraestrutura, que vai puxar o novo ciclo. É o que tem que ser feito. E está sendo feito”, enfatiza para demonstrar certo desalento em seguida:

“A maior dificuldade reside justamente nisso. Não há muito mais o que inventar,  essas coisas mirabolantes que se puxa da cabeça, como se a crise fosse uma coisa mental e não uma luta social, não fazem sentido e arriscam por tudo a perder”.

Em outras palavras, os desafios graves  não são endógenos ao modelo, nem superáveis na atual correlação de forças. Daí a dificuldade em se traçar um caminho reto e previsível em direção ao passo seguinte da história.

Quem fala entende de crise.

Conceição nasceu em abril de 1930, seis meses depois da 5º feira negra de outubro de 1929, quando as bolsas reduziram todo um ciclo capitalista de riqueza especulativa a pó e pânico.

“O que se passa  é distinto de tudo aquilo”, dizia ela em entrevista a Carta Maior no calor dos acontecimentos da desordem neoliberal, em 2011.

Aquele  entendimento pioneiro  é reiterado hoje quase com as mesmas palavras,  agora endossadas pelos fatos em curso.

“Essa é uma crise que estreita o campo de manobra, ao invés de ampliá-lo, como em 29. Sim, você tem a comprovação empírica do fracasso neoliberal,  mas são eles que persistem e dão as cartas no xadrez  global. Vivemos um colapso do neoliberalismo sob o tacão dos neoliberais:  a pasmaceira política aqui é reflexo desse paradoxo”.

A professora de reconhecida bagagem intelectual, em geral prefere não  avançar na reflexão política e ideológica. Mas tem feito concessões diante do cenário de areia movediça no qual a bússola política parece  ter perdido a capacidade de mediar o cipoal econômico (leia ao final desta nota trechos de um artigo de Maria da Conceição , A era das distopias, publicado originalmente na revista Insight Inteligência).

Preocupa-a  a ansiedade que a crispação  política injeta no quadro econômico.

“Os partidos estão desengonçados, os movimentos sociais fracionados, os sindicatos aquém do espaço que  lhes cabe. Essa pulverização incentiva soluções redentoras”,  avisa com um misto de preocupação e revolta.

Conceição metaboliza  o diagnóstico alguns segundos  para alvejar:

 “Uns querem milagre social, outros arrocho fiscal”.

Repete a disjuntiva, satisfeita com a síntese extraída à força do denso nevoeiro.

“‘E  ambos estão desastradamente equivocados!”, arremete então escalando as sílabas.

A crítica aberta alveja, de um lado, movimentos avulsos que se comportam às vezes como clientes da sociedade e não corresponsáveis pela arquitetura  de sua emancipação.

De outro, a pregação ortodoxa, a ecoar a agenda tucana para outubro de 2014.

“Uns querem milagre, outros arrocho”, reitera. E nesse corredor estreito elege a resistência histórica como  o chão pelo qual vale a pena lutar nesse momento.

“Lula está certo, em geral ele está certo”, pondera.

 “Lula é uma pessoa sensata, ao contrário de muitos economistas visionários que estão à procura de um novo modelo; ele sabe que uma conquista histórica não se pode perder”.

“Se não há inflação de demanda, e não há, então por que arrochar o crédito?”, questionou o ex-presidente em evento recente no Rio Grande do Sul, diante de autoridades da área econômica do governo.

Conceição o ampara.

 “A inflação de alimentos tem origem na seca, não na exacerbação da demanda. O custo da energia, idem. Do lado externo, o dólar baixo  que desestabiliza o setor externo da economia é um reflexo da fraca recuperação mundial. Vamos negociar um novo modelo com o clima ou com o Fed ?”,  detona.

Sem mudar o tom de voz, a economista debulha e esfarela  os grãos das receitas alternativas: “Vamos fazer um arrocho fiscal? Arrocho quem faz são eles. Eu não recomendo mexer em modelo algum. O que devemos é sustentar  o nível de atividade  e avançar no investimento em infraestrutura, com forte aporte estatal”, discorre  já inteiramente à vontade e rompida com a decisão de não discutir ‘aquilo que vive um momento delicado’: a luta pelo desenvolvimento brasileiro.

Conceição não acredita que o país  possa recuperar integralmente o espaço perdido pela sua indústria para  a concorrência internacional.

Mas preconiza uma revitalização em novas bases. Injetando nervos e musculatura à capacidade competitiva com uma dose combinada de  desvalorização cambial e redução do juro – “Não agora, no próximo governo, quando a inflação climática perder seu ímpeto”.

A reinvenção do sistema industrial conta, no seu entender, com uma alavanca fortemente apoiada em três pontos de chão firme: mercado de massa, pré-sal e  grandes projetos de infraestrutura. “Não é coisa pouca”, encoraja.

O ceticismo dos que enxergam uma contradição insolúvel num capitalismo que bordeja a fronteira do pleno emprego não ofusca seu campo de visão.

O emprego, o salário e o crédito ordenam a ótica histórica dessa economista que modulou  a filiação  keynesiana pela chave da esquerda.

Formam trunfos da luta pelo democracia social, não obstáculos.

Muito diferente da estranha ponte de consenso que se esboça entre segmentos progressistas e concepções ortodoxas acerca do passo seguinte do desenvolvimento brasileiro.

Os pilares dessa construção híbrida constatam que o pleno emprego no capitalismo enseja ganhos salariais acima do incremento de produtividade.

Uma dissociação que resultaria em  desequilíbrios esgotantes circunscrevendo a história em uma espécie de inferno de Sísifu: luta-se para gerar empregos até que, uma vez criados, eles se tornam disfuncionais e devem ser destruídos.

Pelo bem do sistema.

E ai de quem não o fizer. 

O ‘populismo petista’ está entre os que resistem. A um custo alto para a economia.

 Em miúdos e graúdos a fatura assumiria a forma de uma inflação ascendente, com retração do investimento produtivo em proveito da especulação rentista  – que se beneficia da alta dos juros inerente à tensão inflacionária do conjunto.

É o diagnóstico híbrido que se dissemina.

Mas que Conceição rejeita.

A ideia de um sistema econômico intrinsecamente avesso ao pleno emprego é estranha a essa economista.

“Como assim, se o que tivemos nos trinta anos do pós-guerra foi exatamente pleno emprego, com estabilidade, direitos  e crescimento?”, questiona.

O que existe hoje, no seu entender, é um pouco mais complexo e enervado de história do que uma fórmula fechada em si.

A desregulação  financeira — que se explica em parte por erros, rendições e derrotas da esquerda mundial — catalisou e fortaleceu interesses contrários a um desenho de  desenvolvimento comprometido com a maior convergência da riqueza e das oportunidades.

“Aceitá-lo como inexorável explica o funeral  da socialdemocracia europeia”, diz Conceição.

Mas não significa que não se possa – se deva, retruca —  reinventar o espaço de um desenvolvimento cuja finalidade seja gerar empregos, salários, qualidade de vida e direitos.

Esse espaço morreu na Europa hoje.

“Mas está vivo no Brasil e partes da América Latina”, lembra essa portuguesa que escolheu  a luta pelo desenvolvimento com justiça social como sua pátria.

De dentro dela, Conceição encara as adversidades à sua volta e endossa a intuição de Lula e o destemor de Dilma com uma palavra  tantas vezes pertinente em sua vida: resistir, resistir, resistir.

“Resistir para avançar. O resto é arrocho”.

Leia, abaixo, trecho de um artigo de Maria da Conceição Tavares, publicado originalmente na revista Insight Inteligência.

A era das distopias



As pessoas estão perdidas, não sabem como se guiar do ponto de vista político, econômico. E com isso a história parece que não se move. O futuro fica ilegível, amorfo.

Na verdade, se o PIB é pibinho ou não, qual o problema? Vai ser 2%, 3% ou 4%? O problema é ter emprego. Para mim, os critérios clássicos são emprego, salário mínimo e ascensão social das bases.

Desde o século XVIII, os movimentos políticos, sociais e econômicos deixaram de se orientar pela ideia de tradição, substituindo-a pela de um futuro diferente e melhor.

Eles acreditavam que a história tinha um sentido, um objetivo, uma utopia: criar uma sociedade mais livre e mais igualitária.

A busca da liberdade pautou o século XIX: liberdade do indivíduo, política e econômica, representada pela Revolução Francesa.

Depois, no século XX, veio o marxismo e a promessa do reino da igualdade, representada pela Revolução Russa.

Foi também em nome da igualdade que se construiu o Estado do bem-estar, como uma alternativa ao socialismo.

O planejamento era uma ideia inseparável dessa visão de mundo.

Democratização, planificação, esse é o século XX.

As pessoas acreditavam que o futuro estava destinado a isso.

E orientavam-se politicamente em função da reconstrução do mundo.

Mas essa orientação histórica rumo à liberdade e à igualdade, elaborada no Iluminismo, acabou no final do século XX.

Acho difícil saber para onde vamos. Não dá para dizer se o resultado do que está ocorrendo será positivo ou negativo, à luz do que se conheceu até aqui.

O que ocorre hoje pode ser uma transição ou um apodrecimento.

Transição não sei para quê, porque não há uma utopia prévia. Você podia falar em transição para o socialismo no século XVIII ou XIX porque estavam lá as manifestações e as utopias prévias.

Mas, agora, a transição para o socialismo quer dizer o quê?

Tudo bem, pode ser que seja um viés reformista da minha geração…

Eu sou uma adolescente do século XX e me identifico muito com ele, a favor do que era bom, e contra o que era ruim.

Por outro lado, não vejo causas que sirvam para agregar de forma propositiva tantos interesses fracionados.

Ninguém sabe como reagir se não há conceito e pensamento, organizados a partir de uma utopia.

Acho que esta sensação de impotência, de não se ver ninguém pensando diferente, deriva daí.

Diga-me um autor relevante que não esteja pensando dessa maneira, prostrado pela falta de alternativas? Não há ousadia em nada, pelo menos do ponto de vista do pensar.

Ninguém na academia está falando nada muito diferente.

Por isso, não gosto de dar entrevista, não quero engrossar o coro de lamentação dos intelectuais. Pode ser que eu já esteja ultrapassada, que esteja velha. Mas é como eu estou vendo.

De qualquer forma, esse ciclo vai passar. Torcemos para que ele não seja longo.

PS do Viomundo: Arrocho e invasão de domicílio para caçar quem pensa diferente!

Leia também:

Bob Fernandes: Os interesses que estão por trás da Copa

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Comentários

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Cláudio

Viva o povo brasileiro!!!! … “Com o tempo, uma imprensa [mídia] cínica, mercenária, demagógica e corruta formará um público tão vil como ela mesma” *** * Joseph Pulitzer. … … “Se você não for cuidadoso(a), os jornais [mídias] farão você odiar as pessoas que estão sendo oprimidas, e amar as pessoas que estão oprimindo” *** * Malcolm X. … … … Ley de Medios Já ! ! ! . . . … … … …

lando carlos

resistir para avançar o resto e arrocho neves.

Bruno

Caro Viomundo,
eu prefiro quando vocês fazem textos com parágrafos grandes e articulados. Estas notícias em duas linhas me parecem desconexas.
Obrigado

edward

Sempre adorei ouvir essa maravilhosa economista.

Ela é didática, sua fala pode chegar ao povo, mesmo o mais inculto. Fazem ouvidos moucos a nossa elite que burramente busca se proteger com os conservadores, mas se esquecem que o capitalismo, máxime hoje, necessita do consumo. Sem dinheiro no bolso do povo, não há consumo. Não havendo consumo, desnecessária a produção. Sem produção e consumo, não há lucro.

Os empresários devem estar de braços dados com os trabalhadores, um depende do outro. Assim, é burrice o neoliberalismo.

    É isso

    Ela é uma das poucas que diz a verdade. Pobre é a único de presta nesse país, da classe média para cima só temos escórias sociais.

Pedro luiz

Velha Conceição de guerra.Partilha do sentimento da professora no que diz respeito ao que estamos vendo, ouvindo, vivendo neste século XXI, até agora.Tudo muito amorfo, um pouco ou muito sem sal.O que virá pela frente em termos políticos, econômicos, ou mesmo na política social dos futuros governos?.Realmente o que importa é o emprego num país.O emprego move qualquer economia com Pibinho ou pibão.Concordo com a professora onde LULA ér o grande estadista dos últimos tempos no mundo, apesar de muitos não verem, não quererem, mas é LULA.

FrancoAtirador

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“Ninguém sabe como reagir
se não há conceito e pensamento,
organizados a partir de uma utopia”
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    FrancoAtirador

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    Recapitulando

    O Garrote da História

    Mídia Interdita o Debate e a Solução da Crise

    Por Saul Leblon, na Carta Maior

    Até que ponto o monopólio midiático é responsável pelo ‘consenso’ que jogou o mundo na pior crise do capitalismo desde 1929?

    A pergunta não é retórica, tampouco a resposta é desprovida de consequências políticas práticas. Imediatas, urgentes, imperativas.

    Trata-se, por exemplo, de saber em que medida a formação do discernimento social, condicionado por esférica máquina de difusão de certos interesses, dificulta a própria busca de soluções para a crise.

    Mais que isso. Se esse poder blindado que se avoca imune à regulação — como se constata em tintas fortes hoje na Argentina, mas não só– tornou-se um dos constrangimentos paralisantes dessa busca, um difusor de impasses e confrontos, como democratizá-lo?

    Medicada com doses adicionais da poção que a originou, graças ao receituário reiterado pelo dispositivo midiático, a desordem neoliberal arrasta a humanidade para o seu quinto ano de arrocho e incerteza.

    A rigor, não há qualquer sinal otimista de convalescença ou superação.
    A OIT estima que o mundo cadastrável chegará ao final de 2012 com um exército de 200 milhões de desempregados (http://migre.me/jN7cU).

    O estoque não foi acumulado integralmente na derrocada iniciada em 2008, mas é ela que o robustece e realimenta.

    Ademais de gerar sucessivas massas de demitidos, a desordem neoliberal torna irrealizável a tarefa projetada pelo organismo da ONU que inclui a criação de 600 milhões de vagas nos próximos dez anos — duzentos milhões para zerar o saldo acumulado; mais 40 milhões de novos empregos anuais para atender às gerações que chegam ao mercado de trabalho.

    A colisão de longo curso que esses números condensam desvela a raiz política de um impasse que expõe a natureza imiscível da supremacia financeira com os requisitos indispensáveis à convivência compartilhada.
    O emprego e tudo o que ele adensa em nossa sociedade em termos de direitos e dignidade é um desses pontos de tensão inegociáveis.
    Inclua-se ademais o principio do escrutínio democrático dos conflitos, do qual o capital a juro se isenta, e o acervo de direitos que revestem o cristal da civilização — patrimônio humanista que o atrapalha.

    Em nenhum outro lugar do planeta essa incompatibilidade revela um ambiente de conflagração tão eloquente e pedagógico quanto no cenário desconcertante da zona do euro.

    Se os mercados doentes deles mesmos são capazes de reduzir o berço do Estado do Bem Estar Social a um matadouro de direitos, em que a classe média recorre a instituições de caridade para não passar fome, caso hoje da Espanha,
    o que pode esperar o resto do mundo premido pela mesma lógica?

    A Europa paga em libras de carne humana o ajuste de competitividade entre economias pobres e ricas cobrado pelo esgotamento do ciclo de crédito barato e irresponsável.

    A paridade intocável do euro revela-se assim o pelourinho de uma unificação subordinada aos desígnios do mercado — e sobretudo da exportação e da finança germânica.
    Em respeito a esse ‘senhor’ — e a sua senhora, Angela Merkel — aciona-se o triturador de uma austeridade que reduz humanos a coisas, atribuindo-se às coisas a deferência que caberia aos humanos.

    Saldo da reciclagem até o momento:
    mais de 19 milhões de desempregados na zona do euro;
    119,6 milhões de pessoas – 24,2% da população – no limiar da pobreza em toda a Europa;
    US$ 1,3 trilhão entregues aos bancos europeus para salvá-los deles mesmos, depois de se esponjarem em estripulias tóxicas e ativos podres.

    O custo humano da inversão de papéis não sensibiliza a mídia conservadora.

    Ela continua a rezar pela cartilha da autossuficiência dos mercados, mesmo depois de desautorizada nos seus próprios termos por cifras épicas como essas.

    Para a lógica editorial predominante, vivemos sob a irrelevância das evidências.
    A narrativa hegemônica, ressalvadas as exceções de analistas honestos, não cede.

    No Brasil criou-se uma fronteira sanitária esquizofrênica.

    O noticiário internacional da crise não dialoga com a pauta local que ainda não virou o calendário anterior a 2008.

    O empenho em desqualificar o ativismo estatal dos governos petistas continua intacto, auxiliado pelo radicalismo golpista das editorias de política.

    Hoje, a ênfase editorial, já colada à campanha tucana de 2014, consiste em provar a ineficácia das medidas contracíclicas que redefiniram o tônus da política econômica herdada do ciclo tucano neoliberal.

    Incluem-se no alvo, naturalmente, a derrubada dos juros — ainda altos para o padrão internacional, mas no menor nível da história;
    a intervenção estatal indireta na banca, induzindo-a a cortar spreads pela concorrência agressiva das instituições públicas;
    as desonerações e subsídios ao setor produtivo, da ordem de R$ 45 bi (1% do PIB);
    a persistência de incentivos ao investimento, ao crédito e à construção civil e, mais recentemente, uma turquesa nos lucros indevidos das concessionárias de energia elétrica — impondo-lhes um desconto tarifário proporcional ao valor das amortizações consolidadas.

    Três estados da federação sabotaram a medida reivindicada,entre outros, por associações industriais, como a Fiesp, de São Paulo.
    Os três estão sob o comando de governadores do PSDB.

    Palavras de um deles que ilustra a mórbida reafirmação de um passado posto em xeque pela crise, cuja reiteração conservadora sonega o direito ao futuro aqui e alhures:

    “A presidenta Dilma Roussef está fazendo uma profunda intervenção no setor elétrico a pretexto de reduzir a conta de luz”.

    A sentença condenatória dá pistas da sofisticação intelectual e do arrojado arcabouço político do novo delfim a suceder Serra na preferência conservadora à presidência da República em 2014, Aécio Neves.

    Recapitulemos: estamos na maior crise do capitalismo em 80 anos, produzida pelo credo do Estado mínimo associado à celebração suicida dos mercados autorreguláveis.

    Por ‘profunda intervenção’ entenda-se a prerrogativa do poder concedente de abrir o leque de alternativas à renovação de concessões, adicionando-lhes medidas de interesse do desenvolvimento do país e de sua gente em meio à hecatombe econômica mundial.

    São esses os parâmetros de um confronto mediado por um dispositivo de comunicação todo ele alinhado ao atilado equipamento analítico do senhor Neves.

    Transporte-se os mesmos personagens, o mesmo imperativo de redefinição regulatória, a mesma rebelião das naftalinas para a discussão de uma outra concessão estratégica a reclamar a atualização dos seus termos:
    a área das telecomunicações, cujo protocolo de funcionamento remonta a 1962.

    Não se trata de um exemplo aleatório.
    O que está em jogo é um incontornável requisito à superação da crise, cuja origem –o corpo de interesses e idéias que a engendrou – teve no monopólio midiático um pregador de eficiência implacável.

    Coube-lhe acionar a britadeira da desqualificação e disparar os mísseis do interdito contra agendas, políticas, lideranças, plataformas, governos e países recalcitrantes ou insubordinados.

    Ação equivalente registra-se agora na deriva do ciclo histórico demarcada pela falência do Lehman Brothers,em 2008.

    A urgência democrática é clara e corre contra o relógio da restauração em marcha.

    Trata-se de afrontar a espiral descendente da recessão mundial com uma nova hegemonia de forças e políticas que afrontem e superem a desordem dos mercados desregulados em sua derradeiro cobiça:
    fazer do colapso o ‘novo normal’ sistêmico, às custas da exceção permanente de direitos e conquistas sociais.

    Os interesses ameaçados por esse mutirão progressista, do qual Brasil –com os seus limites, que não são poucos — é um dos protagonistas de peso, jogam hoje a rodada do vale tudo.

    A expressão vale tudo descreve com fidelidade o que tem sido — e será, cada vez mais — a rotina do noticiário não apenas econômico, mas político, judicial e policial dos últimos meses.

    As ideias e interesses assim veiculados amplificam a sua força material graças à abrangência de um aparato de mídia sem rival no país — assim como acontece na Argentina pautada pelos interesses do polvo difusor que atende pelo nome de ‘grupo Clarín’ [as Organizações Globo de lá].

    A superação dessa usina de consenso asfixiante não se dará exclusivamente no plano da luta ideológica.

    Os partidos e forças que evocam a democratização das comunicações tem a obrigação de dar o exemplo prático em casa.

    Urge, entre outras iniciativas, materializar a democracia na vida interna das organizações e, sobretudo, na gestão participativa da sociedade sob o comando de administrações progressistas, como será a da capital paulista.

    Mas o empenho beligerante com que o dispositivo midiático assumiu a defesa dos interesses associados à crise não pode ser subestimado.

    Ilude-se ao ponto da irresponsabilidade suicida o governante que ainda acredita ser possível superar o círculo de ferro do colapso mundial no plano exclusivo do êxito econômico.

    Política é economia concentrada.

    O espessamento político da crise tem na sabotagem tucana à redução da tarifa elétrica, e na forma como ela é noticiada, uma tênue ilustração do horizonte escuro que se prenuncia.

    Quem tem a responsabilidade de liderar o passo seguinte da história não pode conceder à regressividade narrativa o monopólio do diálogo político com a sociedade.

    A lição é clara e vem se juntar a uma montanha desordenada de escombros históricos originários de desastres causados pela hesitação e o acanhamento político diante do dia D — como o ‘7D’ argentino, corajosamente agendado pela democracia do país vizinho.

    (http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/O-garrote-da-historia-midia-interdita-o-debate-e-a-solucao-da-crise/4/26342)
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Luís Carlos

Os que querem “arrocho e invasão de domicílio” nós sabemos quem são e o que querem. E os que dizem fazer críticas à esquerda com os mesmos argumentos? O que querem de fato e que propostas apresentam? Até agora não li nenhum texto sobre isso nem ouvi algo diferente, apenas repetindo argumentos encontrados na Folha, onde alguns desses escrevem, e em outros veículos da mídia corporativa.
Por isso Aécio continua desconhecido da população e por isso quem cola nessas críticas à esquerda sequer conseguiu manter candidatura.

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