Fátima Oliveira: Leis de proteção à vida esbarram no ‘achômetro’

Tempo de leitura: 3 min

Eliza Samúdio e Bernardo Boldrini

Os danos da subjetividade na aplicação das leis protetivas da vida

Os maiores entraves à execução da Lei Maria da Penha são os juízos de valor que cada operador da referida lei faz

Fátima Oliveira, em O TEMPO

fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_

Na semana passada, uma amiga, separada há quase seis meses de uma convivência eivada de violência, foi comunicada por operadores da lei de uma Delegacia da Mulher da cidade do Rio de Janeiro que ela não precisava mais de proteção porque, desde a queixa, o sujeito não atentara mais contra a vida dela! No período ela foi, pelo menos, duas vezes à delegacia para comunicar novas perseguições e na última deu seus novos telefones: ela mudou os números porque seu algoz não lhe dava sossego!

Todavia, a sapiência e a subjetividade da delegada, sem ouvi-la, decidiram que ela não precisava mais de medidas protetivas, já que continuava viva!

Tais medidas não custam um centavo ao erário, no entanto possuem um alcance pedagógico de vulto na contenção da agressividade. Até mesmo quando o agressor é um sociopata, diante de medidas protetivas, ele pode recuar, aceitando a lei como limite. Em que se baseia uma delegada que, sem ter finalizado o inquérito, quase seis meses depois da queixa, retira medidas protetivas apenas pelo “achômetro” de sua subjetividade?

Os maiores entraves à execução da Lei Maria da Penha são os juízos de valor que cada operador da referida lei faz, interpretando-a segundo sua visão de mundo, em geral patriarcal, machista, racista e outros conservadorismos de diferentes laias.

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Vide o caso Eliza Samudio, que deu queixa da violência sofrida, também numa Delegacia da Mulher da cidade do Rio de Janeiro, e não recebeu medidas protetivas de sua vida, às quais tinha direito. Foi assassinada a mando do seu algoz!

Relembrando: “O Estado brasileiro deve ser responsabilizado, pois se omitiu quando instado por ela a proteger a sua vida… A lei, quando chamada, não compareceu para dar limites ao agressor. Ao contrário, acariciou sua onipotência. Como uma juíza crê que, para não banalizar a Lei Maria da Penha, não deve aplicá-la quando o agressor não coabita com a violentada? O argumento dá um cordel de sentença de morte…” (“A personalidades delinquentes, só a lei é que pode impor limites”, Fátima Oliveira, O TEMPO, 13.7.2010).

Bernardo Uglione Boldrini, 11 anos, assassinado pela madrasta, Gracielle Uglione, em 4 de abril passado, procurou o Fórum de Três Passos (RS), cidade onde residia, em novembro de 2013, queixando-se de insultos da madrasta e abandono afetivo por parte do pai.

A promotora Dinamárcia de Oliveira preparou a ação judicial solicitando a guarda para a avó materna; porém, o juiz Fernando Vieira dos Santos, em audiência em 11.2.2014, optou por mantê-lo junto ao pai, o médico Leandro Boldrini, sob o argumento legalista de reconstituir laços familiares esgarçados.

A Justiça tangenciou diante do fato inusitado de uma criança, sozinha, procurá-la e pedir para trocar de família, tendo uma avó materna que, desde o suposto suicídio da mãe (2010), sofria de alienação parental, pois o ex-genro não permitia que visse seu único neto, filho de sua única filha.

Tais laços esgarçados foram olvidados!

A Justiça foi insensível a um ponto que descartou o alto potencial ofensivo de uma madrasta implicante e do desamor do pai, estando em jogo uma herança não desprezível. Tal subjetividade custou a vida de Bernardo! Não há outra conclusão ética possível: Bernardo está morto, e o Estado brasileiro deve ser responsabilizado, pois se omitiu quando instado por ele, uma criança, a proteger a sua vida!

Tenho a opinião de que, quando a vítima denuncia e, assim mesmo, perde a vida, o Estado deve ser acionado por omissão na proteção da vida.

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Comentários

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Eline

Uma reflexão procedente e bem embasad. Gostei imensamente

Kadu

Ricardo Caçapietra · Fundação Getulio Vargas, vc disse que: “Uma pequena observação: quem determina medidas protetivas é o poder judiciário”.

Pela Lei Maria da Penha, após a queixa as mulheres já saem da Delegacia tendo ou não medidas protetivas. Por qual mecanismos eu não sei. Mas é assim. Acho que o Juiz de plantão é acionado para tanto, na hora. Também o violentador ao ser solto já assina o seu conhecimento das medidas de proteção. O fato é que o Juiz só se faz presente se acionado pela delegada de plantão! Mesmo assim é um avanço. Mas grande parte das delegadas fazem o que querem, não é?

Millena

É agonizante ver a frieza com que esses casos são tratados pelas autoridades, pois essas autoridades são as que mais deveriam se sensibilizar com o sofrimento alheio e não se conformar com essas barbaridades.

Denise Sá

Menina de 11 anos procura delegacia e relata abuso de padrasto em Manaus

Ela disse que ele a atacou após mãe sair para trabalhar; suspeito negou o crime

Uma menina de 11 anos procurou uma delegacia em Manaus (AM), no sábado (10), e relatou ter sido estuprada pelo padrasto após a mãe ter saído para trabalhar. A vítima relatou que o homem esperou ela sair do banho e a atacou.

Quando ele dormiu, ela trancou toda a casa e procurou a polícia. O suspeito foi preso e negou o crime. Ele disse que mordeu os pés e quadris da menina durante uma brincadeira. A adolescente passou por exames de corpo delito que confirmaram o abuso.

O suspeito foi preso em flagrante e autuado por estupro de vulnerável. Ele foi transferido para à Cadeia Pública Raimundo Vidal Pessoa.

Fonte: R7
http://www.geledes.org.br/menina-de-11-anos-procura-delegacia-e-relata-abuso-de-padrasto-em-manaus/

Urbano

Nessa área a achologia, no staf a vudoologia…

José Arlindo

Coincordo que o Estado deva ser responsabilizado nesses casos, mas o operador do Direito, pessoa física, representando o Estado deve ser igualmente responsabilizado e punido por sua ação ou omissão.

    FrancoAtirador

    .
    .
    A Lei brasileira dá “imunidade ao Juiz”

    “no exercício da função jurisdicional”

    “O Magistrado é inviolável pelas opiniões que expressar
    ou pelo conteúdo das decisões que proferir,
    não podendo ser punido nem prejudicado
    em razão de tais pronunciamentos.”

    É por isso que os juízes deitam e rolam nas sentenças

    e não acontece absolutamente nada contra eles.

    Vide as decisões de Joaquim versus Zés do PT.
    .
    .

    Ulisses

    É, ninguém pega juiz, promotor… Acobertados pelo Estado, então que o Estado pague! Mas parece que há um caminho pelo qual ´Estado pode cobrar deles. É verdade?

    Érica Batista

    Tem razão. Juiz decide tudo e se errar quem paga o pato é o Estado!

    FrancoAtirador

    .
    .
    Em resumo, Ulisses, a Jurisprudência dominante diz o seguinte:

    “1. É sempre direta do Estado a responsabilidade
    pelos danos decorrentes do exercício da função jurisdicional.

    2. Essa responsabilidade tem causa na ação do Juiz que age com dolo, fraude
    ou culpa grave (negligência manifesta ou incapacidade para a função),
    no erro judiciário e nos demais casos de mau funcionamento
    dos serviços da justiça, incluindo a falta anônima.

    3. São inaceitáveis as teses que justificam a irresponsabilidade
    pelo exercício da soberania, respeito à coisa julgada
    ou necessidade de preservação da independência do Juiz.

    4. A independência do Juiz preserva-se vedando a responsabilização
    por interpretação do direito ou dos fatos, de acordo com o sistema.

    5. Por exercício da função jurisdicional entende-se a prática do ato jurisdicional
    em sentido estrito (sentença) e dos demais atos judiciais praticados
    durante o processo, na jurisdição contenciosa ou voluntária.

    6. A ação de indenização por ato jurisdicional em sentido amplo
    somente pode ser intentada após esgotados os recursos ordinários
    ou afastada a coisa julgada cível ou criminal.

    7. O direito de regresso contra o Juiz somente ocorre
    havendo dolo, fraude ou culpa grave, nos casos definidos na Lei.”

    [Ruy Rosado de Aguiar Júnior.
    “A Responsabilidade Civil do Estado
    pelo Exercício da Função Jurisdicional no Brasil”.
    Em: AJURIS, v. 20, n. 59, pp. 5-48, nov. 1993.]

    Íntegra do artigo, para leitura em ‘html’: (http://migre.me/jb85L)

    ou em ‘pdf’: (http://migre.me/jb8RD)

    Para download, em formato ‘doc’: (http://migre.me/jb8oR)
    .
    .
    Leia também:

    “Judicialização da política:
    um ensaio sobre o procedimentalismo deliberativo
    na jurisdição constitucional brasileira”

    Por Marcio Renan Hamel

    [Direito e Práxis, vol. 01, n. 01, 2010]

    (http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/1146/5070)
    .
    .
    Glossário de Termos Jurídicos

    (http://www.prba.mpf.mp.br/sala-de-imprensa/glossario)
    .
    .

Maria Thereza

Fátima é precisa em apontar o peso do achismo na aplicação da lei. Mas penso que deveríamos lutar por mecanismos que responsabilizem o autor – pessoa física- que produz as sentenças que resultam em morte, mesmo considerando que tais operadores são representantes do Estado. Responsabilizar um não significa eximir o outro. Mas é muito tranquilo uma “autoridade” dizer que não há mais necessidade de proteção, baseada talvez em um sexto sentido, porque ela vai continuar a dar as mesmas sentenças, em milhares de casos semelhantes, sem sentir um pingo de remorso (essa conclusão é devida ao meu próprio sexto sentido).

Armando Braga

Análise justa. Foi assim mesmo, por descuido, que Bernardo e Elisa Samúdio perderam suas vidas

Denis de Carvalho

Texto que deve se torna leitura obrigatória para todos os operadores do Direito e também por nós, cidadãos comuns que desejamos que nosso país supere sua condição de barbárie.

Joana A. Medeiros

Tem razão. O descuido é grande com a vida das pessoas que necessitam de proteção. Um absurdo

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