New York Times: O boom na América Latina

Tempo de leitura: 5 min

Economies in Latin America Race Ahead

Simon Romero, no New York Times, em 30.06.2010

Tradução do Viomundo

LIMA, Peru — Enquanto os Estados Unidos e a Europa enfrentam grandes déficits e ameaças a uma frágil recuperação econômica, esta região tem uma surpresa guardada. A América Latina, que enfrentou no passado moratórias no pagamento de dívidas, desvalorizações de moedas e a necessidade de resgates por parte de países ricos , está experimentando um crescimento econômico robusto que faz a inveja de seus parceiros nortistas.

A forte demanda da Ásia por commodities como minério de ferro, cobre e ouro, combinada com políticas em várias economias da América Latina para controlar déficits e para manter a inflação baixa, estão encorajando investimento e abastecendo a maior parte do crescimento. O Banco Mundial prevê que a economia da região vá crescer 4,5% este ano.

O crescimento recente na América Latina superou as expectativas de vários governos. O Brasil, o poder ascendente da região, está liderando uma recuperação regional depois da crise de 2009, crescendo 9% no primeiro trimestre em relação ao mesmo período do ano passado. O Banco Central do Brasil disse na quarta-feira que o crescimento em 2010 poderia atingir 7,3%, a maior expansão da Nação em 24 anos.

Depois de uma profunda contração no ano passado, a economia do México cresceu 4,3% no primeiro trimestre e pode atingir 5% este ano, diz o governo mexicano, possivelmente superando o crescimento econômico dos Estados Unidos.

 Países menores também estão crescendo rápido. Aqui no Peru, onde memórias ainda estão vivas de uma economia em frangalhos por causa da hiperinflação e de uma guerra brutal de duas décadas contra rebeldes maoistas que deixou quase 70 mil mortos, o crescimento doméstico atingiu 9,3% em abril em relação ao mesmo mês do ano anterior.

“Estamos testemunhando o que provavelmente serão as melhores condições econômicas do Peru em minha vida”, disse Mario Zamora, de 70 anos, que tem seis farmácias em Los Olivos, um bairro de classe trabalhadora ao norte de Lima, onde milhares de migrantes pobres do altiplano se estabeleceram.

A vibração se mistura com determinação em torno das farmácias do empresário. Uma loja de pizzas Domino disputa clientes com um restaurante peruano de comida chinesa chamada chifas. Mototáxis entregam pasageiros nos clubes noturnos. Competição, na forma de uma recém-chegada rede de farmácias do Chile, agora se posiciona na esquina além da principal loja [de Zamora]. 

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Los Olivos oferece uma janela para ver o crescimento econômico que está tirando partes da América Latina da pobreza, mas exceções persistem. Na Venezuela, a falta de energia e o medo das expropriações fizeram o PIB encolher 5,8% no primeiro trimestre.

Mas a Venezuela e em menor dimensão o Equador, outro país dependente do petróleo que ficou para trás de seus vizinhos, parecem ser a exceção dentro de uma tendência regional ampla.

Mesmo países pequenos alinhados ideologicamente com a Venezuela adotaram políticas pragmáticas e estão se dando bem. Enquanto a Europa foi tomada pelo medo de contágio da crise da dívida da Grécia, a agência Standard & Poor aumentou a nota da Bolívia em maio, citando que as finanças públicas estão em bom estado.

O crescimento da América Latina reflete o aprofundamento das relações com a Ásia, onde a China e outros países estão crescendo rapidamente. A China ultrapassou os Estados Unidos no ano pasado como o maior parceiro comercial do Brasil e é hoje o segundo maior parceiro de países como a Venezuela e a Colômbia, o maior aliado de Washington na região. 

Alguns estudiosos da história econômica da América Latina dizem que a recuperação robusta pode ser boa demais para durar, apontando para a política volátil de alguns lugares, a dependência excessiva de exportações de commodities e o risco embutido no crescimento do comércio com a China.

Michael Pettis, um especialista nas ligações financeiras da China com países em desenvolvimento [da Universidade de Peking em Beijing], disse que a América Latina está especialmente exposta às políticas chinesas que aumentaram a demanda por commodities, inclusive ao que parece ser a decisão chinesa de estocar essas commodities.

“Dentro da China há um debate feroz  sobre a sustentabilidade desse crescimento baseado em investimento”, o sr. Pettis disse. “Estou preocupado com o fato de que poucos planejadores da América Latina acompanham o debate e a vulnerabilidade que ele cria na América Latina”. 

Outros economistas, inclusive Nicolás Eyzaguire, direitor do departamento de Hemisfério Ocidental  do Fundo Monetário Internacional, sugerem que as baixas taxas de juros internacionais, outro fator de sustenta o crescimento da América Latina, não vão durar muito mais. Ainda assim, eles aplaudem as políticas internas adotadas para robustecer o mercado doméstico. 

O Chile, por exemplo, guardou a renda das exportações de cobre quando o preço do produto aumentou no mercado internacional, permitindo assim um plano de estímulo interno para recuperação econômica depois do terremoto de fevereiro.  A economia do Chile cresceu 8,2% em abril em relação ao mês anterior, o maior crescimento desde 1996.

“Desta vez, o choque positivo parece ainda melhor, já que alguns países guardaram parte do que ganharam nos anos bons”, diz o sr. Eyzaguirre.

Dentro do FMI, a recuperação econômica da América Latina se traduz em novas políticas, particularmente em relação ao Brasil, que pagou tudo o que devia ao Fundo e está em busca de fortalecer sua posição no FMI.

Com o Brasil crescendo a taxas chineses, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está alimentando ambições de soft-power, com ações políticas como uma TV estatal que transmite programação para a África.

David Rothkopf, uma ex-autoridade do Departamento de Comércio no governo Clinton, apontou para dezenas de embaixadas e consulados que o sr. da Silva abriu em todo o mundo.

“Como outros países latino-americanos, o Brasil precisa melhorar sua infraestrutura e treinar mais engenheiros”, o sr. Rothkopf afirmou, “mas demonstra a ascensão de novos poderes, uma dos grandes temas deste século”.

O Peru, cujo crescimento econômico deverá superar o do Brasil dentro dos próximos anos, exemplifica os desafios para a manutenção de uma economia vibrante.

O país tem companhias como o Ajegroup, fundado durante o caos dos anos 80. Agora a empresa de refrigerantes compete com gigantes como a Coca-Cola, não apenas no Peru mas em outros países da América Latina.

O investimento estrangeiro tem entrado no Peru, a maior parte em mineração. Mas este investimento revela ao mesmo tempo a força e a fraqueza da economia. A mineração responde por 8% da atividade econômica do Peru, mas por cerca de metade da arrecadação de impostos, criando problemas se os preços das commodities cairem, diz Pedro Pablo Kuczynski, um ex-ministro das finanças.

Profundas desigualdades persistem, especialmente entre a capital, Lima, e o planalto andino e as florestas da bacia amazônica , onde facções do Sendero Luminoso se abastecem do tráfico de cocaína.

Cerca de 70% da força de trabalho ainda é informal, o que reduz o acesso dos trabalhadores a benefícios e reduz a arrecadação do governo.

Mas parte daquilo que brilha na recuperação do Peru parece pavimentar o caminho para a prosperidade duradoura. Felipe Castillo, de 60 anos, prefeito de Los Olivos, está investindo em uma nova universidade municipal que terá mensalidades baixas para atender a 4 mil estudantes. Ele recentemente visitou o prédio de 11 andares que está em construção em uma favela que aos poucos está se tornando um bairro de classe média baixa.

 “Talvez os estudantes dessa instituição aprendam sobre os erros de nossa política econômica no passado apenas como dados trágicos de uma era que acabou”, disse o sr. Castillo.

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Comentários

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william porto

Apenas o ponto de vista do imperialismo. Despeito com a China.

kokimoto

Vomito só de ler New York Times

    H. Back™

    Esse NYT é o porta voz do conservadorismo no mundo.

J. Eduardo Camargo

Peru superando o Brasil? Há, há, há! O autor diz isso porque o Peru tem um governo de direita! Só isso basta para que sua análise seja enviezada (ou cega!).

New York Times: O boom na América Latina | Projeto ORBIS – Observ@tório de Relações Internacionais

[…] Tradução do Viomundo […]

mariazinha

HUMMM!
Na verdade, não há elogios nem sinceridade, no texto, apenas uma constatação de uma verdade incontestável. Parece até que a sustentação dos States/israel, estava ancorada na nossa crônica desventura e sofrimento de anos e anos; logo que começamos a melhorar, eles começaram a desmoronar.
Ôxente!

Rodolfo Matos

O texto fez questão de sobrevalorizar o Peru (aliado dos EUA) e de desdenhar a Venezuela e o Equador (desafetos dos EUA).

Marcelo Fraga

Eles estão quase numa torcida para que a economia chinesa não dê certo. Aí, por efeito dominó, tudo aqui desmoronará, e eles voltam ao controle da coisa.

Só que isso não acontecerá. O século dos EUA já acabou. Eles nos davam o peixe. Agora, aprendemos a pescar.

    Mariana

    Concordo com o que você disse, exceto quanto a que "agora aprendemos a pescar". Acho que demora mais um tanto para isso.

    Marcelo Fraga

    Eu acredito que já aprendemos a pescar já que, como diz o texto, a China passou ou EUA como nosso maior parceiro comercial. Não nos desligamos da influência deles, mas estamos a caminho.

    Abs.

    José Sabino

    Como pescar é fácil: somente vender TODOS os dólares em nosso poder.

    Mas vá falar isso!

    Somente o super hiper preparado "economista" Henrique Meireles compra US$ 1,5 milhão em média por dia. Com o nosso dinheiro, evidentemente.

    Essa medida simples retiraria o Brasil do caminho do melancólico fim do império do norte com dólares e tudo.

    José Sabino

    Carlos

    "vender TODOS os dólares em nosso poder"
    Em troca de qual outra moeda?
    Euro?

    José Sabino

    Só para complementar: quando é que eles nos deram algum peixe? Muito pelo contrário, desde Bretto Woods estamos pagando o pato que os americanos comem, e isto sistematicamente…

    José Sabino

francisco.latorre

propaganda da mais nova vitrine neoliberal.. o peru.

não cola.

..

Hans Bintje

É um texto que mostra resultados de políticas "quadrúpedes". Como diz Deonísio da Silva, no Observatório da Imprensa, "quem já cavalgou, sabe, por experiência, que o burro é inteligentíssimo."

Destaco três pontos do artigo:

1) "Desta vez, o choque positivo parece ainda melhor, já que alguns países guardaram parte do que ganharam nos anos bons", diz Nicolás Eyzaguire, diretor do departamento de Hemisfério Ocidental do Fundo Monetário Internacional.

2) "Eles [FMI] aplaudem as políticas internas adotadas para robustecer o mercado doméstico [na América Latina]."

3) "Dentro do FMI, a recuperação econômica da América Latina se traduz em novas políticas, particularmente em relação ao Brasil, que pagou tudo o que devia ao Fundo e está em busca de fortalecer sua posição no FMI."

Milton Hayek

É aquela baboseira sobre déficit público e crescimento com poupança externa que sempre vemos na idiotia conservadora.Recomendo Michael Hudson:

Unidos contra nós, divididos entre si:Toronto e o assalto europeu aos padrões de vida

"……Mas as classes dominantes não estão perturbadas. O seu objectivo principal não é simplesmente administrar as consequências da crise financeira. Elas têm um plano a longo prazo para esmagar totalmente a classe trabalhadora, deitar abaixo o consumo e remodelar as expectativas de como o ser humano tem direito de viver. Como mencionou um responsável do Tesouro Britânico ao Financial Times ainda antes de o orçamento confirmar:

"Qualquer pessoa que pense que a revisão da despesa é apenas para poupar dinheiro está a errar o alvo… Isto é uma oportunidade que só ocorre uma vez numa geração de transformar o modo como o governo funciona". http://www.ft.com/cms/s/0/9f396eac-71aa-11df-8eec
………..
Ou seja, o governo não deveria funcionar. Não para os pobres, pelo menos. Outrora dizia-se que o capitalismo podia sobreviver a qualquer crise desde que os trabalhadores pudessem arcar com o peso da mesma. Talvez. O problema para os ricos e poderosos, contudo, é que esta crise é estrutural. Os trabalhadores e os pobres não a provocaram. Atacá-los – mesmo que isto signifique remover todos os ganhos social-democratas dos últimos 60 anos – não a resolverá. Os ricos também precisam empurrar o fardo dos pagamentos para os ombros uns dos outros'.
"………. http://resistir.info/crise/hillier_30jun10.html

UE de hoje, EUA de amanhã
A distopia fiscal da Europa: a estrada da "Nova Austeridade"

"………A explicação, naturalmente, é que o planejamento económico de hoje não está a ser efectuado pelos representantes eleitos. A autoridade de planeamento foi cedida aos bancos centrais "independentes", os quais por sua vez actuam como lobistas para os bancos comerciais venderem o seu produto – dívida". http://resistir.info/crise/hudson_25jun10.html

O planejamento central da economia pelos bancos centrais idependentes do povo e dependentes dos banqueiros vai nos levar à ruína e à uma guerra.

    Hans Bintje

    Milton Hayek:

    Eu também leio e admiro os textos de Michael Hudson, mas quem está ganhando "corações e mentes" nos EUA e países aliados é gente como o esquisitão Glenn Beck, da Fox "News".

    E pensar que ele é apenas a parte mais visível de um sistema ainda mais "Blackwater".

    Eu respeito esse artigo do jornal "The New York Times" porque tenta navegar por essas águas sinistras e mostrar, nas entrelinhas, que "outro mundo é possível".

    Basta ver a linha editorial dos jornais mais lidos nos EUA hoje em dia para ter uma idéia de como esse artigo é "diferente". Para ser franco, pensei que o jornal jamais iria publicá-lo.

Klaus

Estranho, quem controla os destinos da AL? Tivemos épocas de ditaduras militares em vários países do continente, depois abertura política, governos liberais, governos de esquerda e agora forte crescimento econômico, tudo aocntencendo quase ao mesmo tempo em muitos países… Fica parecendo que há um caminho comum a todos os países e que alguém (ou algo) controla-o.

    Leider_Lincoln

    Está aí uma boa pergunta, Klaus. Penso assim: as ditaduras foram um presentinho dos EUA, todos sabemos. Os governo liberais, idem; os governos de esquerda, uma reação aos governos neoliberais. O forte crescimento econômico, penso que resultam de uma decisão mais ou menos comum de se afastar do antigo algoz, procurar novos mercados e incluir consumidores.

    H. Back™

    Também acho isso. Só um descerebrado pensaria que o nosso crescimento econômico não é dirigido. Não acontece nada sem que as potências hegemônicas não queiram. Os países periféricos fazem um “planejamento” para dez, vinte ou trinta anos, enquanto as economias dos países centrais fazem um planejamento para cem, duzentos, ou trezentos anos.

    Lucas Cardoso

    A conjuntura na América Latina é semelhante em todos os países (algumas poucas exceções, claro). Apesar de algumas diferenças culturais e sociais e culturais, os países têm muito em comum. Incluindo suas origens históricas como colônias de exploração, grande influência britânica no século XIX, gigantesca influência estadunidense no século XX, e o recente colapso econômico causado em grande parte por medidas neoliberais.

    Além disso, se você for ver, as grandes mudanças históricas sempre aconteceram em regiões, e não países isolados. Até porque nos influenciamos os vizinhos e os vizinhos nos influenciam. Como exemplo contemporâneo, as legislações islamofóbicas europeias não são restritas a apenas um país, mas, de fato, estão sendo criadas independentemente em praticamente toda a região (os países ibéricos são, acredito, uma exceção), sem um agente misterioso por trás dos panos.

Guanabara

Achei o texto bem reacionário, no melhor estilo Bom (?) Dia Brasil, como diz o PHA, cheio das adversativas. Pra não dizer que não é no mínimo uma dor de cotovelo com a China, em suma, quem desdenha…

Abs.

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