Fisk: Obama, o conciliador “sórdido”

Tempo de leitura: 4 min

EUA-Israel: propina que fede a conciliação vergonhosa [1]

20/11/2010, Robert Fisk – The Independent, UK

Robert Fisk: An American bribe that stinks of appeasement

Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu

“Conciliador é quem oferece carne de outro ao crocodilo, na esperança de ser devorado por último” (Winston Churchill)[2]

Em qualquer outro país, a propina que os EUA ofereceram a Israel, e a relutância de Israel para aceitá-la, mesmo que em troca de uma reles suspensão temporária do roubo de propriedade dos árabes, seriam considerados escandalosos. 3 bilhões de dólares em aviões bombardeiros, para ‘comprar’ uma suspensão temporária na colonização da Cisjordânia, e só por 90 dias? Não inclui Jerusalém Leste – portanto, adeus à última chance de capital palestina na cidade santa; – e, se Benjamin Netanyahu assim o desejar, logo depois poderá retomar furiosamente as construções em terra árabe. No mundo comum e são no qual cremos viver, só há um nome para o que Barack Obama ofereceu: ‘arreglo’, conciliação vergonhosa, expressão que nossos senhores e mestres sempre usam com desdém e repulsa.

Quem cede ante a injustiça que um povo comete contra outro é dito “conciliador” [2]. Quem espere a paz a qualquer preço, mesmo que ao preço de propina de 3 bilhões de dólares para o criminoso, é dito “conciliador”. Quem se acovarda ante o risco de defender a moralidade internacional contra a cobiça territorial de Israel é dito “conciliador”. Quando tantos de nós nos manifestamos contra invadir o Afeganistão, fomos execrados porque seríamos “conciliadores”. E também fomos execrados como “conciliadores”, quando nos opusemos à invasão do Iraque. Pois “conciliar” foi o que Obama tentou, nesse patético, inacreditável esforço, nessa súplica dirigida a Netanyahu, para que respeite a lei internacional só por 90 dias! Obama é conciliador, no sentido sórdido da palavra.

O fato de o Ocidente e as elites políticas e jornalísticas – e aí incluo o cada dia menos respeitável New York Times – aceitarem esse disparate como coisa normal, como se o disparate pudesse ser realmente apresentado como outro “passo” no “processo de paz”, para repor “nos trilhos” aquele delírio místico, é útil para avaliarmos a que ponto já avançou nossa loucura, em tudo que tenha a ver com o Oriente Médio.

É indício de o quanto os EUA (e, porque fracassamos na empreitada de condenar essa insanidade, também a Europa) deixaram agigantar-se por lá o medo que têm de Israel – e de o quanto Obama deixou que se agigantasse nele o medo que tem dos apoiadores de Israel no Congresso e no Senado.

3 bilhões de dólares por três meses é um bilhão por mês, para suspender temporariamente o roubo de terras palestinas. É meio bilhão de dólares por quinzena. 250 milhões por semana. 71.428.571 de dólares por dia, 2.976.190 por hora e 49.603 dólares por minuto. E, como se o pote de ouro não bastasse, Washington continuará a vetar toda e qualquer Resolução da ONU que critique Israel ou que admita a criação de algum estado palestino. Que bom negócio! Já teria valido a pena invadir qualquer país só para por a mão numa bolada dessas! Em seguida, encenava-se a retirada! Imaginem então receber a mesma bolada, só pelo cavalheiresco movimento de não construir novas colônias ilegais e só por 90 dias – com plena autorização para avançar simultaneamente as construções ilegais em Jerusalém!

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A versão de Hillary Clinton para essa palhaçada seria engraçadíssima, não fosse trágica. Na pena afiada de Roger Cohen do NYT, LaClinton persuadiu-se de que a Palestina é “alcançável, inevitável e compatível com a segurança de Israel”. E quem teria persuadido Madame Hillary de tal coisa? Ora… Aconteceu numa viagem a “capital” Ramallah da pseudo-Palestina, ano passado. E ela viu as colônias exclusivas para judeus – “a brutalidade da coisa atingiu-a com violência” – mas ela achava que sua comitiva estivesse sendo escoltada por soldados israelenses “porque são tão profissionais”. E aí, ta-ta-ta-ti-ti-ti, acabou por descobrir que estava sob escolta de militares palestinos, “muito profissionais”. – Isso mudou completamente a visão de mundo de Madame!

Sem considerar o fato de que o exército israelense é ralé e que os palestinos são massa de miseráveis, esse incidente na “estrada de Ramallah” fez com que os apoiadores de Madame, nas palavras de Cohen, constatassem que já acontecera uma transição: “da psique de autopiedade e autoflagelação dos palestinos, sempre se apresentando como vítimas, para uma nova cultura pragmática de autoafirmação e de construção de instituições”. O ‘primeiro-ministro’ palestino Salam Fayyad, educado nos EUA e, portanto, gente confiável, “pôs o crescimento acima das lamentações, as estradas acima da agitação, e a segurança acima de tudo.”

Sob brutal ocupação por 43 anos, os palestinos roubados, reduzidos à miséria, com os primos da Cisjordânia que vivem sem casa há 62 anos, afinal pararam de lamentar-se e lamuriar-se e puseram-se repentinamente a cultuar a única coisa que realmente importa no mundo. Não é a justiça. Com certeza não, tampouco, é a democracia. Mas o único Deus que Madame espera que cristãos, judeus e muçulmanos cultuem: a segurança.

Agora, afinal, Israel está segura. Os palestinos uniram-se à humanidade em geral.

Com essa narrativa ginasiana, infantilizada, a mulher que, há 11 anos, dizia que Jerusalém seria “a eterna e indivisível capital de Israel” demonstra que o conflito Israel-Palestina atingiu o apogeu, o momento mais traiçoeiro e decisivo.

Se Netanyahu tiver algum juízo – falo de juízo sionista, expansionista – bastará esperar os 90 dias e passará pelos EUA de nariz erguido. Durante os três meses de “bom comportamento”, claro que os palestinos terão de segurar o rojão e manter-se sentados na cadeira das conversações “de paz” que decidirão as futuras fronteiras de Israel e “Palestina”. Mas, dado que Israel controla 62% da Cisjordânia, Fayyad e a turma dele ainda poderão disputar 10,9% da Palestina do Mandato.

E, ao preço de 827 dólares por segundo, melhor se forem rápidos. Serão. Deveríamos nos enforcar de vergonha. Mas ninguém se enforcará. Não se trata de gente. Tudo é falso. Não se trata de justiça. Só se trata de “segurança”. E de dinheiro. Muito, muito dinheiro. Adeus, Palestina.

Notas de Tradução

[1] No orig. appeasement. O dicionário Cambridge registra para appeasement: “conceder ou ceder a exigências do inimigo (nação, grupo, pessoa etc.) em esforço para conciliar, algumas vezes ao arrepio da justiça ou de outros princípios”.

[2] No orig. appeaser. A citação mais conhecida, em inglês, é frase atribuída a Churchill: “An appeaser is one who feeds a crocodile, hoping it will eat him last” [Conciliador é quem oferece carne de outro ao crocodilo, na esperança de ser devorado por último].

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Comentários

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TavaresdeMello

Agora entendi Peter Sellers… "O Rato que Ruge", é Israel!

Yacov

And so, THAT is what "WE CAN", mr. OBAMA?!?!?!? What a focking shit, man!!!!!! Shame, shame, shame!!!
I think you better give back the Prize Nobel of Peace, of 2009, man…

"O BRASIL PARA TODOS não pasa na glOBo – O que passa na gLOBo é um braZil para TOLOS"

Pedro

Não sei se alguém aí acha que os Estados Unidos, Israel et caterva são, de fato, contra o Irã ter bomba. É o contrário. Eles querem exatamente o contrário, que o Irã tenha bomba e justifique mais uma guerra. Lula foi lá e, com o acordo que obteve junttamene com a Turquia, atrapalhou o negócio dos bandidos. Israel já deve ter tentado vender uma bomba ao Irã, como os Estados Unidos tentaram vender para a França na época da guerra colonial na Argélia e como Israel tentou vender para o Apartheid.

O vitiligo moral pegou de vez o Negra (Des)Esperança… « Livre pensar é só pensar!

[…] Leia mais… […]

Gerson Carneiro

Aí Lulão vai lá na urmidade, sem um tostão no borso, e consegue com o Irã o que eles não conseguiram, e mata eles de ciúmes. E fica sem o Nobel da Paz. Cês viram Lulão falando sobre isso na entrevista hoje?

El Cid

… enquanto isso, o "Zé Bolinha" não sossega:
http://www.redebrasilatual.com.br/temas/politica/

Brasília – José Serra, candidato derrotado nas eleições presidenciais deste ano, afirmou nesta quarta-feira (23) que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixa uma "herança bastante adversa" na área econômica para a presidente eleita Dilma Rousseff.

"São vários problemas saltando do armário, inflação ascendente, câmbio supervalorizado, que está desindustrializando o Brasil, a atividade econômica que está caindo e está deixando um nó de difícil solução para o próximo governo", disse Serra a jornalistas.

O tucano reuniu-se em Brasília com a bancada do PSDB no Senado no mesmo dia em que foram anunciados oficialmente os nomes da equipe econômica do novo governo, mas disse que não falaria sobre os indicados.

"Eu não vou opinar, até porque você tem que conhecer as pessoas bem. Não se pode opinar em cima de palpite, mas de fato eles vão enfrentar uma situação bastante difícil", disse.

A equipe de transição do governo Dilma oficializou nesta quarta que o ministro Guido Mantega permanecerá na Fazenda, que Miriam Belchior será ministra do Planejamento e Alexandre Tombini passa a ser presidente do Banco Central.

Dilma tem feito referência ao que chama de "herança bendita", que receberá dos dois mandatos de Lula, ao contrário do que o presidente afirma ter recebido dos tucanos quando assumiu em 2003, a chamada "herança maldita".

O tucano negou que tenha ido ao Senado para articular a presidência do PSDB, atualmente ocupada pelo senador Sérgio Guerra (PE), e reafirmou que se manterá ativo.

"É evidente que eu vou atuar. Eu atuo desde os 20 anos de idade e não vou deixar agora", disse. Em seu discurso após ser anunciada a vitória de Dilma, o tucano afirmou que a luta estava apenas começando.

Silvio

Azenha:
A os EUA não interessa a paz em nenhum lugar, muito menos no Oriente Medio. Israel e o braço armado dos EUA, em essa zona. Nos EUA toda sua indústria é bélica. Si existir muitas guerras no mundo, e muito bom para eles. Israel não tem petróleo mais todos os vizinhos têm. Eles estão de olho em essas riquezas, que eles já, a tem praticamente esgotado. Por isso o problema com Ira, atualmente. Coloca-se também como pretexto a religião.

Wendel Simoes

Meus sentimentos a quem acreditou! A mim nunca enganou, haja visto as enormes quantias que recebeu dos lobbys judaicos, para sua campanha!
Aos que se surpreendem com as atitudes de Obama, que reflitam e pesquisem o que é realmente a "democracia" dos Estados Unidos!
Cito para reflexão:" Qdo um governo depende de banqueiros para obter dinheiro, eles, e não os governantes, controlam a situação, uma vez que a mão que dá está acima da mão que recebe. O dinheiro não tem pátria. Financiadores não têm patriotismo nem decência. Sua única meta é o lucro". (Napoleão Bonaparte)

sergio

EUA e Israel não pretendem a paz no Oriente Médio, o primeiro quer vender armas e o segundo é o fiel da balança na região.

Leonardo

Shame on you, Pres. Obama!!!!

Tornado

Resumindo: o Negão amarelou.

Substantivo Plural » Blog Archive » Obama, o conciliador “sórdido”

[…] aqui […]

karen

Texto ma-ra-vi-lho-so. Fala o que muitos pensam e poucos podem dizer. Maravilha.

aurelio

Quando da eleição de Obama, eu comentei em varios blogs, inclusive neste e varias vezes, que todos nós deixassemos as barbas de molho, fui chamado de racista para baixo. Mas quem conhece a politica americana, o histórico de discurseiro inócuo de OBama, o feudo dos Clintons no Partido democrata, as nomeações do tesouro e um vice como Joe "idiota" Biden, somete poderia esperar o que está ai, infelizmente, e os clinton e demais conservadores provarão que Obama foi um NADA, um Jimmy Carter sem os amendoins.

Julio Silveira

O Obama recebeu o nobel da paz mais safado da história.
Foi por conta da expectativa (frustrada) e da culpa racista historica, que fez com que fosse presenteado com uma prenda outrora simbolica em conteudo de valores.
Se perdeu os simbolismos da laurea que passou a ser um penitencia politica em grana para aliviar consciências.

    Abdelnur

    …..“Conciliador é quem oferece carne de outro ao crocodilo, na esperança de ser devorado por último” (Winston Churchill)
    ….e ratiicando a frase de Churchill, não recusou o Nobel.

    Lênin

    KKKKKKKKKKK, disse tudo!!

    Paulo Monarco

    De sórdidos laureados ao nobel da paz temos muitos candidatos, Obama só é mais um. O prêmio de mais sórdido, com certeza vai pro nefasto conselheiro terminal e secretário de defesa dos EUA (1973 a 77) Henry Kissinger. Este, juntamente com Bush filho, teriam cadeira cativa de réus no julgamento de Nuremberg, se fossem nazistas, ou no tribunal internacional de Haia, se este fosse sério. Como sempre digo, a história é uma estória contada pelos vencedores…

José Ruiz

Obama está perdendo uma ótima oportunidade de fazer história, além de escrever o primeiro capítulo como o "primeiro negro presidente dos EUA". O mundo esperava muito mais deste homem, além de tentar se equilibrar entre republicanos e democratas. As coisas não andam bem, e ninguém lhe facilitará a vida… então porque não "chuta o balde"? Como diz o ditado: "perdido por perdido, perdido e meio…". Poderia muito bem, na pior das hipóteses, despertar o consciente coletivo americano, que há muito anda entorpecido… Mas que nada, falta-lhe pulso, personalidade, desprendimento… Luta por uma aceitação que nunca virá… Acabará caindo ou concluindo melancolicamente seu mandato. Entrará para a história como uma grande decepção…

    Morvan

    Ora, meu caro José Ruiz. Não se pede a um romano para ser menos romano. Obama é presidente da Rom…, digo, dos Estados Unidos, ou seja, só se ele fosse um iluminado para enxergar além da Pax Americana; mas, fora ele este iluminado e não teria passado da primeira [e última] infância. Lembre-se, Obama não é um Lula. Pobre Obama. Será profundamente útil para o discurso nacional-socialista / nazista dos estadunidenses: "Eu não disse a vocês? Quem mandou colocar um negro na presidência?"…
    Como prêmio de consolação, veremos muitos presidentes negros, ainda – no cinema. Dennis Glover e Denzel Washington aparecerão bastante ainda naqueles filmes xarope de Hollywood, defendendo a pátria (ou o planeta) dos alienígenas (seriam, por acaso, mexicanos?)…

    Saudações democráticas,

    Morvan, Usuário Linux #433640

    Kid Prado

    O republicanos já fizeram o Obama "reconhecer o seu lugar". Este vai chegar à humilhante situação de ser perdedor para uma Sara Palin, (uma kátia-abreu que fala inglês).
    E eu acreditei!!!!

Werner_Piana

o prêmio Nobel mais ridículo da História, o de Obama em 2009. Que ato patético!

    Sergio F. Castro

    Parabéns Werner, disse tudo numa frase.

Jairo_Beraldo

Está bem explicado agora o POR QUE dele ter levado o Nobel da Paz, e não Lula?

Vera Pereira

Appeaser pode ser "pacificador", acho melhor que conciliador, que tem a ver com "compromise" que tem mais de negociação de acordo. Pacificador é o que dá a carne para ser devorado por último. Não conversa, negocia, dá, antes que o devorem.

    Tradutores VILA VUDU

    De fato. "Appeaser" pode, sim, ser "pacificador". Preferimos "conciliador", só pra não meter o santo nome da PAZ ("peace") nessa negociata sórdida.

    "Conciliar" é coisa que qquer bandido pode fazer ou tentar, e haver diferenças "conciliadas" não implica que se tenha construído qquer paz.

    Elas por elas, "pacifier" tanto pode ser traduzido como "pacificador" quanto pode ser traduzido por "chupeta de nenen". O xis da questão é a qualidade da PAZ que se procure.

    Obrigada pelo comentário! 8-)

    H. C. Paes

    Boa tradução. Captaram bem o texto.
    Uma das melhores soluções foi "se enforcar de vergonha". Não equivale à expressão "hang one's head in shame", que Fisk usou e que significa deixar pender a cabeça de vergonha (como a pessoa que curva a cabeça para não sustentar o olhar de quem o encara), mas vocês foram muito hábeis em evitar a perífrase para manter o impacto com uma expressão análoga.
    Também gostei de "ralé" e "massa de miseráveis", que vocês usaram para "rabble". O significado é "turba", ou multidão desordenada, normalmente usado para se referir a saqueadores ou um conjunto de pessoas em frenesi violento, mas vocês evitaram corretamente usar uma palavra incomum (como, aliás, no caso de "arreglo"). Sacrificaram levemente o sentido, mas foi uma troca justa.
    "Ta-ta-ta-ti-ti-ti" foi uma pérola para "lo and behold". Parabéns.

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