Samuel Guimarães: Ofensiva conservadora não é para lutar contra corrupção, e, sim, derrubar o governo e recuperar a hegemonia
Tempo de leitura: 7 minFoto: Ramiro Furquim/Agência Brasil
A ofensiva conservadora e as crises
O diplomata brasileiro, Samuel Pinheiro Guimarães, em artigo especial para o Brasil de Fato, faz uma análise da crise no Brasil, o avanço de setores conservadores e o papel do governo federal; bem como aponta as saídas e desafios das forças progressistas.
18/08/2015
por Samuel Pinheiro Guimarães*, em Brasil de Fato
1. A sociedade brasileira está diante de uma ofensiva conservadora que se aproveita de entrelaçadas crises na economia, na política, nas instituições do Estado, na imprensa e nos meios sociais para fazer avançar seus objetivos;
2. A suposta crise econômica ofereceu pretexto para implantar um programa neoliberal de acordo com o Consenso de Washington: privatização, abertura comercial e financeira, ajuste orçamentário, flexibilização do mercado de trabalho, redução do Estado, tudo com a aprovação do sistema financeiro nacional, por um Governo eleito pela esquerda;
3. A crise da corrupção, cujo maior evento é a Operação Lava Jato, mas também a Operação Zelotes, esta inclusive de maior dimensão, está servindo para destruir a engenharia de construção, onde se encontra o capital nacional de forma importante, com atuação internacional, e para preparar a destruição de organismos do Estado tais como a Petrobras, o BNDES, a Caixa Econômica, a Eletrobrás etc. a pretexto de que os eventos de corrupção neles investigados seriam apenas o resultado de serem estas entidades estatais;
4. Sua privatização, que corresponderia a sua desestatização/desnacionalização, eliminaria, segundo eles, a possibilidade de corrupção;
5. A crise do Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal se desenvolve em várias esferas;
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6. O Supremo Tribunal Federal tolera que um de seus membros interrompa, há mais de um ano, sob o pretexto de vista, uma ação, cujo resultado já está definido por 6 votos a 1, sobre a ilegalidade do financiamento privado de campanhas, fenômeno que está na origem da corrupção do sistema eleitoral em todos os Partidos e veículo para o exercício da influência corruptora do poder econômico na política e na Administração;
7. O objetivo deste juiz é aguardar até que o Congresso aprove emenda constitucional, já em tramitação por obra do Presidente da Câmara, que torna legal o financiamento privado de campanhas;
8. A teoria do domínio do fato, uma aberração jurídica, acolhida pelo STF, reverte o ônus da prova e, mais, torna qualquer indivíduo responsável pelos atos de outrem sob suas ordens sem que o acusador ou o juiz tenha necessidade de provar que o acusado conhecia tais fatos;
9. O sistema do Ministério Público permite a qualquer Procurador individual desencadear processos com base até em notícias de jornal contra qualquer indivíduo, vazar de forma seletiva estas acusações para a imprensa, que as reproduz, sem nenhum respeito pelos direitos dos supostos culpados e sem nenhuma perspectiva de reparação do dano causado pelas denúncias do Procurador nem pela imprensa que as divulgou, caso se verifique a improcedência das acusações;
10. A Polícia Federal exerce suas funções com extrema parcialidade, de forma midiática, criando, na sociedade a presunção de alta periculosidade de indivíduos que prende para investigação e se arvorando em poder independente do Estado;
11. Segundo depoimento do Presidente das entidades da Polícia Federal na Câmara dos Deputados, a Polícia Federal recebe recursos regularmente da CIA, do FBI e da DEA, no montante de USD 10 milhões anuais, depositados diretamente em contas individuais de policiais federais;
12. A crise política decorre da decepção e do inconformismo do PSDB e de seus aliados com a derrota nas urnas em 2014 o que o leva a procurar, por todos os meios, erodir a credibilidade e a legitimidade do Governo Dilma Rousseff e, por via transversa, do Governo Lula e assim minar as possibilidades de vitória de uma eventual candidatura de Lula em 2018;
13. Contam os partidos e políticos conservadores com a campanha sistemática da televisão, jornais e revistas, com base em denúncias vazadas, com a campanha de intimidação na Internet, com as manifestações populares, com o desemprego crescente causado pela política de corte de investimentos e de elevação estratosférica de juros, os maiores do mundo, para fazer baixar os índices de aprovação do Governo e da Presidenta e poder argumentar com a legitimidade e a necessidade de depô-la pelo impeachment;
14. A crise na imprensa e nos meios de comunicação se desenvolve em um ambiente em que as televisões, rádios, jornais e revistas recebem paradoxalmente enormes recursos do Governo para a ele fazer oposição sistemática, erodir a confiança da população no sistema político e nos partidos, em especial nos partidos progressistas, de esquerda, poupando os partidos conservadores tais como o PSDB, que recebeu tantas doações para sua campanha de 2014 quanto o PT e das mesmas empresas ora acusadas pelo juiz Moro;
15. A crise social se desenvolve na Internet, onde circula todo tipo de ofensa racista, homofóbica, antifeminina, antiprogressista e fascista, contra os políticos e partidos de esquerda, gerando um clima de hostilidade e ódio e estimulando a agressão física
16. No Congresso, os setores mais conservadores elegeram grande número de deputados e, tendo conquistado a Presidência da Câmara dos Deputados, fazem avançar, a toque de caixa, sem nenhuma atenção à necessidade de debate pelos parlamentares e pela sociedade, uma ampla pauta de projetos conservadores que inclui, entre os principais, a redução da maioridade penal, a ampliação do uso de armas, o financiamento privado das campanhas;
17. O objetivo máximo desta grande ofensiva política e econômica conservadora é a tomada do poder através do impeachment da Presidenta Dilma e/ou a desmoralização do PT que leve à sua derrota fragorosa nas eleições de 2016, a qual preparará sua derrota final e “desaparecimento” nas eleições de 2018;
18. O processo político do impeachment da Presidenta Dilma não avança por estarem o PSDB e PMDB divididos quanto a sua conveniência no atual momento do calendário político e econômico;
19. Os três possíveis candidatos do PSDB à Presidência da República, quais sejam, Aécio Neves, Geraldo Alckmin e José Serra têm opiniões diferentes sobre sua conveniência;
20. A Aécio Neves interessa o impeachment de Dilma Rousseff e de Michel Temer por crime eleitoral, declarado pelo TSE, logo que possível pois isto levaria a uma eleição em 90 dias onde espera que, como presidente nacional do PSDB e candidato que teria perdido a eleição devido a “fraude”, agora se beneficiaria devido a sua campanha persistente pela ilegitimidade dos resultados eleitorais de 2014, o que o faria o candidato do PSDB com melhor perspectiva de vitória;
21. A Geraldo Alckmim interessa que o processo político, econômico e social desgaste longa e duradouramente o Governo Dilma e o PT até que as eleições municipais se realizem em 2016, com fragorosa derrota do PT e do PMDB e que tenha tempo de construir sua candidatura, com base no Governo de São Paulo, enquanto a candidatura de Aécio se enfraqueceria com o tempo como resultado de eventuais denúncias;
22. A José Serra interessa também que o impeachment não ocorra agora, que o Governo se desgaste para que tenha tempo de reconstruir sua imagem e eventualmente possa se candidatar pelo PSDB em 2018 ou até mesmo pelo PMDB, que insiste em ter candidato próprio mas sem nome hoje viável. Afinal, Serra foi fundador do PMDB e voltaria a sua casa, construindo sua candidatura junto à classe média nacional, através de sua atuação no Senado, com toda cobertura favorável da imprensa;
23. Para o PMDB, o impeachment da Presidenta representa o fim de um Governo onde ocupa a Vice-Presidência e ao qual dá apoio enquanto que um longo processo de desgaste da Presidenta, do Governo e do PT também o atingiria como partido aliado, enquanto a imprensa desgasta sua imagem na opinião pública como partido oportunista e corrupto;
24. Os interesses de Michel Temer, de Renan Calheiros e de Eduardo Cunha são divergentes. Cunha acredita poder ser o candidato do PMDB à Presidência, assumindo a liderança da ofensiva conservadora no Congresso e o papel de defensor do Congresso, mas enfrenta o desgaste das denúncias de corrupção. Michel Temer sabe que a condenação por crime eleitoral de Dilma Rousseff pelo TSE também o arrastaria enquanto que a condenação de Dilma pela rejeição das contas de 2014 pelo TCU e pelo Congresso o levariam à Presidência. Renan disputa com Temer influência no PMDB e imagina poder ser candidato em 2018 com o enfraquecimento dos demais;
25. No PT, a situação é talvez ainda mais grave;
26. O programa econômico conservador, ao cortar investimentos públicos e as despesas de custeio do Governo, aumenta o desemprego e afeta a demanda o que reduz as perspectivas de lucro, contrai os investimentos privados, estabelece a desconfiança nos “mercados” e reduz as receitas normais tributárias, aumentando o déficit público;
27. Ao aumentar a taxa de juros, o Governo (Banco Central) aumenta as despesas do Governo e a relação dívida/PIB, reduz a atividade econômica e as perspectivas de lucro e provoca a queda da arrecadação. Ao não conseguir o aumento de receitas normais pela dificuldade em elevar tributos, passa a apelar para a venda de ativos o que é uma forma disfarçada de privatização, com resultados apenas temporários;
28. Ao provocar o desemprego, ao apoiar medidas desfavoráveis aos trabalhadores como alterações no seguro desemprego, no abono salarial e outras, e ao provocar a redução do crescimento o Governo mina a sua base de apoio social e político e as bases sociais e políticas do PT;
29. A retração da demanda, o aumento das taxas de juros, a contração das atividades do BNDES, a redução das oportunidades de investimento, a perspectiva de aumento de tributos afetam os interesses dos empresários e aumenta o seu descontentamento com o Governo e sua política;
30. Não há liderança no PT além de Lula que, por seu lado, não vê como abandonar o programa econômico do Governo Dilma sem acelerar sua queda, mas reclama da incapacidade da Presidenta para o exercício da política;
31. As pesquisas de opinião podem vir a revelar níveis de rejeição muito superiores aos que ocorreram na véspera do impeachment de Collor. Caso os níveis de aprovação caiam abaixo de 5%, o desânimo e a desmobilização dos movimentos sociais e dos sindicatos, a perplexidade dos congressistas, a posição dos candidatos a prefeito em 2016, as contínuas denúncias do Ministério Público (na realidade de procuradores individuais) contra políticos vinculados ao PT e contra o próprio Lula, a agressividade social e intimidatória conservadora podem gerar situação de gravíssimo perigo político para sobrevivência da democracia;
32. O Governo, apático, atordoado e intimidado, parece acreditar em sua pureza que fará que, ao final, sobreviva, único puro, à tempestade de denúncias que atingem políticos e partidos sem compreender que o objetivo da ofensiva conservadora não é lutar contra a corrupção e moralizar o país mas sim derrubá-lo e recuperar a hegemonia completa na sociedade e no Estado;
33. O Governo se retrai, não age politicamente nem mobiliza os movimentos sociais e os setores que poderiam apoiá-lo no enfrentamento a esta ofensiva conservadora que fará o Brasil recuar anos em sua trajetória de luta contra as desigualdades e suas vulnerabilidades, e de construção de um país mais justo, menos desigual, mais democrático, mais próspero e mais soberano;
34. É urgente a mobilização de todas as forças sociais progressistas para combater o desemprego causado pelo programa de ajuste, que está, isto sim, gerando imensa crise econômica e social, para defender a democracia e seus representantes legítimos, para defender as conquistas dos trabalhadores, para defender a empresa nacional, para defender o desenvolvimento do país, para defender a soberania nacional e a capacidade de autodeterminação da sociedade brasileira;
35. Para defender o Brasil.
*Diplomata brasileiro, foi secretário-geral das Relações Exteriores do Ministério das Relações Exteriores e ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República do Governo Lula.
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Comentários
Paulo
Discordo do momento político brasileiro, nenhuma e nem outra, nada de progressista e do conservadorismo, mas uma política reformista, onde pudéssemos repensar num Brasil diferente, com avanços reais e não fantasiosos. Do jeito que caminhamos, chegaremos só caos generalizado.
Ariadne Jacques
Somando tudo isso que o Embaixador enumerou, não vejo um futuro alvissareiro no Brasil. Parece que está tudo de fato caminhando para a entropia. Medo do que a história vai fazer de todos nós.
Rogerio
Como assim: “Segundo depoimento do Presidente das entidades da Polícia Federal na Câmara dos Deputados, a Polícia Federal recebe recursos regularmente da CIA, do FBI e da DEA, no montante de USD 10 milhões anuais, depositados diretamente em contas individuais de policiais federais;” Isso não é crime?
Eduardo
Análise e síntese muito bem elaborada pelo Dr. Samuel Pinheiro! É o que todos os brasileiros isentos concluem em partes ou no conjunto! E a solução, qual é? Tudo seria bem mais fácil, não fosse a grande e real disputa de classes em andamento e o inimaginável interesse obscuro econômico em gestação, praticado pelos agentes anti-sociais e neoliberais que não aceitam a democracia popular como regime de governo! É preciso lutar, defender e manter conquistas e a democracia , mas antes é indispensável informar e unificar os movimentos sociais, os cidadãos, os eleitores, os agentes da economia, empresários e trabalhadores o que realmente se passa! A informação pode ser tudo para o bem ou para o mal! Não se pode mais acreditar cegamente no ambiente midiático, na imprensa brasileira!Ela foi criada para o bem, mas parte substancial dela se perdeu, tornou-se poder ecônomico corrompida e corruptora, sem qualquer ideal em benefício do homem! O governo eleito e as instituições sérias precisam informar, levar ao conhecimento do povo o que realmente se sucede no país! Há muito o que se fazer quando se quer o bem, o mal não pode prevalecer!
Vicente
A melhor forma de defender o Brasil é derrubar, o mais rápido possível, este projeto criminoso de poder.
Nelson
O “projeto criminoso de poder” a que tu te referes, meu caro Vicente, deve ser, creio eu, o do Sistema de Poder que domina os Estados Unidos e boa parte do planeta. Só pode ser este. Detalhe. Não satisfeito com seu amplo domínio, este sistema tem ânsias de estendê-lo a todo o mundo.
–
Iraquianos, iranianos, sírios, líbios, afegãos, libaneses, palestinos, indonésios, hondurenhos, haitianos, salvadorenhos, guatemaltecos, nicaraguenses, para ficar só nesses povos, morreram que nem moscas, aos milhões, por conta dos bárbaros crimes praticados por tal Sistema de Poder.
Daniel
Eu queria o depoimento desse presidente das entidades da Polícia Federal na Câmara dos Deputados, julgo ser a parte mais importante
Euler
É um desperdício para um governo do PT não ter à frente do ministério uma cabeça pensante como a de Samuel Guimarães. Já havia assistido uma entrevista com ele na TV Brasil e pude constatar o quanto ele desenvolve uma leitura acertada da nossa realidade. Sob a ótica do Brasil dos de baixo, em defesa dos interesses do povo brasileiro, e não das elites dominantes. Dilma, infelizmente, preferiu se cercar de políticos medíocres como Mercadante e Zé Cardozo. E com isso colhe essa paralisia e esse distanciamento da realidade brasileira, que clama por políticas mais ousadas em favor dos de baixo, e não por ajustes neoliberais. Ao mesmo tempo, o governo concedeu autonomia para a Polícia Federal cair nos braços do tucanato e da mídia 100% de direita e golpista. O resultado disso é essa realidade triste, de crescimento da direita, de total timidez e decepção da base de apoio ao governo e ao PT, e a possibilidade de um golpe institucional, que fará com que o Brasil dos de baixo retroceda um século em 1 ano.
Paulo Falcão
Sempre me comovo com a capacidade de certas pessoas em defender o indefensável. Há uma luta política? Evidente, sempre tem. A oposição está errada nas suas demandas? Tanto quanto o PT esteve quando era oposição. Deixo aqui o convite para lerem um artigo que analisa bem esta questão. O personagem é outro, mas o enredo é semelhante: JANIO DE FREITAS E A DEMOCRACIA DE CONVENIÊNCIA ( http://wp.me/p4alqY-gl ).
Carlos Solrac
Mas isso é óbvio, alguém tem alguma dúvida disso, que imprensa, Vem Prá Rua, MBL, PSDB e Cia Ltda, todos ligados a direita conservadora estão preocupados com a corrupção?
isso é pano de fundo, eles desde o inicio querem a derrubada do governo e mandei e-mail a esse Vem Prá Rua dizendo a eles, não obtive resposta, porque é difícil responder as verdades.
Todos esses citados, inspirados no FLUMINENSE, como não conseguem ganhar no campo de jogo querem LEVAR no tapetão, liderados por um ex-presidente que teve contra si denuncia engavetada sobre compras de votos para aprovar a emenda de reeleição e não teve dignidade de renunciar e agora demagogicamente pede a renuncia de quem não conseguem em nenhum momento comprovar qualquer ato ilicíto, se liga.
E olha, não sou nenhum esquerdista, pelo contrário, mas sendo democrata por pior que seja um presidente, se não houver improbidade administrativa tem que ficar até o último dia de governo. E mais, esses caras que um dia foram de esquerda e até de grupos armados e hoje ficam do lado de grupos multinacionais do petróleo para acabar com a partilha me dão nojo.
Urbano
Até porque a corrupção em batelada não pode questionar corrupção pontual. Além de que, uma coisa é banditismo dentro do Governo, e outra coisa é bandido sendo Governo.
Urbano
Sim! Quando digo Governo são os três Poderes constituídos. O pig é a excrescência dos poderes…
Afonso Guedes
A meu ver, uma análise perfeita.
Julio Silveira
Pô tenho dito isso desde o primeiro momento. É no cofre Brasil que eles estão de olho. Chega desse negocio de transposição, de infraestrutura, de povo viajando de avião coisa de rico. Essa turma são os herdeiros dos escravagistas, e ainda são escravagistas só não assumem por que no mundo atual isso, por enquanto, é politicamente incorreto e eles podem ser tudos menos tolos sabem navegar na onda da propaganda principalmente se vem de fora.
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