Pepe Escobar: A fábula do ‘imperialismo humanitário’

Tempo de leitura: 4 min

É guerra TOTAL (Marca Registrada), monsieur

3/9/2011, Pepe Escobar, Asia Times Online

Os vencedores desse negócio “cinético” no norte da África (o governo Barack Obama jura que não é guerra) – descritos coletivamente como “Amigos da Líbia” [ing. Friends of Libya (FOL)] – mostravam-se risonhos, de excelente humor, ao se reunirem em Paris na 5ª-feira, sem ar condicionado, mergulhados nos odores potentes dos Brie e Roquefort, para celebrar jubilosamente a “operação” sancionada pela ONU e implementada pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) para derrubar o governo na Líbia.

Pode-se chamar de Guerra R2P (“Responsabilidade de Proteger a Pilhagem ocidental”); ou Guerra da Air France; ou Guerra da [empresa] TOTAL; seja como for, os “Amigos da Líbia” deitaram e rolaram, de olhos postos na divulgação ‘midiática’ de sua glória.

O Grande Libertador de Árabes, presidente Nicolas Sarkozy, o Neonapoleônico, festejava: “Cerramos fileiras com o povo árabe, em suas aspirações por liberdade”. Bahrainis, sauditas, iemenitas, para não falar de tunisianos e egípcios, têm muitos motivos para estar muito intrigados.

Sarkô acrescentou: “Dúzias de milhares de vidas foram poupadas, graças à intervenção”. Até os ‘rebeldes’ já divulgaram que houve pelo menos 50 mil mortos, com a OTAN ainda ocupada, bombardeando com selvageria.

O emir do Qatar afinal admitiu que Muammar Gaddafi, ainda foragido, não teria sido derrubado sem a OTAN. Mas acrescentou que a Liga Árabe poderia ter feito mais. De fato, fez: ofereceu um voto-álibi espúrio que abriu caminho para a aprovação da Resolução n. 1.973, redigida por franceses e britânicos.

O primeiro-ministro interino do Conselho Nacional de Transição [ing. Transitional National Council (TNC)] Mahmoud Jibril garantiu que “O mundo apostou nos líbios, e os líbios mostraram sua coragem e tornaram real o sonho”. “Mundo”, agora, significa “OTAN e umas poucas monarquias atrasistas do Golfo Persa”. Quanto ao resto, caluda.

Mas o mais sinistro, ator perfeito para o personagem, parece ter sido o secretário-geral da OTAN general Anders Fogh Rasmussen: “Não temos nenhum tipo de plano para intervir nos conflitos na Região”. E aí veio o inevitável “mas”: “Mas, em termos mais gerais, acho que se definiu um modelo. Demonstramos habilidade para agir em apoio às Nações Unidas e demonstramos habilidade para incluir parceiros externos da OTAN nesse tipo de operações”.

África e Oriente Médio, para nem falar de, na prática, quase todo o sul global, fiquem avisados: o imperialismo humanitário, sob o disfarce de R2P, é a nova lei do mundo.

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Garantindo o butim

Horas depois do convescote à francesa, o diário Libération publicou em sua página na Internet uma carta datada de apenas 17 dias depois da Resolução n. 1.973. Na carta, o Conselho Nacional de Transição ratifica o acordo pelo qual cede nada menos que 35% da produção total de petróleo bruto da Líbia, em troca do apoio “humanitário” de Sarkô.

A carta é dirigida ao gabinete do emir do Qatar (rapaz de recados entre o Conselho Nacional de Transição e a França, desde o início) – com cópia para o então secretário-geral da Liga Árabe Amr Moussa – em papel timbrado da Frente Popular para a Libertação da Líbia.

O acerto confere exatamente com o que disse um funcionário de uma empresa de petróleo na Cyrenaica semana passada – que os “vencedores” da bonança do petróleo seriam as nações que, desde o início, apoiaram o Conselho Nacional de Transição.

Como era de esperar, houve dúzias de declarações para desmentir acordo, carta, tudo. O Quai d’Orsay – ministério de Relações Exteriores da França – disse que jamais ouvira falar de tal carta. Exatamente o mesmo, disse também Mansur Said al-Nasr, enviado especial do Conselho Nacional de Transição ao convescote em Paris. O homem do CNT na Grã-Bretanha, Guma al-Gamaty, acrescentou que todos os futuros contratos de petróleo serão distribuídos por “critérios de méritos”. E até a gigante francesa de energia, TOTAL, teve de se mexer: o presidente executivo da empresa, Christophe de Margerie, jurou que nunca discutiu negócios de petróleo com o CNT líbio.

Como se Sarkô e a empresa TOTAL fossem movidos por princípios altruístas, humanitários à moda de Rousseau, que jamais perderiam um segundo de tempo por causa de reles 44 bilhões de barris de petróleo.

Desde junho passado, a TOTAL já estava em Benghazi discutindo precisamente “petróleo”, com o CNT líbio. Já está em curso amarga “guerra de petróleo” intraeuropeia, entre a TOTAL e a italiana ENI.

A ENI – que opera na Líbia desde 1959 – já assinou acordo com o CNT para retomar os negócios e voltar imediatamente a fornecer combustível à Líbia – a ser pago futuramente, em petróleo. Quanto à TOTAL francesa, quer garantir fatia maior no bolo energético líbio; para isso, conta com receber novos contratos.

Deriva rumo às Arábias

É quase-oficial: a Líbia já não fica na África. Foi realocada (promovida?) para as Arábias. Talvez o rei saudita Abdullah tenha assinado o decreto, e ninguém nem percebeu.

Não há africanos nos “Amigos da Líbia” [ing. Friends of Lybia (FOL)]. A União Africana recusou-se a reconhecer o Conselho Nacional de Transição; só reconhecerá governo líbio se, por lá, aparecer governo legítimo.

Enquanto a OTAN seguia pela Air France – libertação vinda do céu, em classe executiva –, a União Africana desde o início clamou por um cessar-fogo, com início de negociações. Os “Amigos da Líbia” ignoraram imperialmente a União Africana.

É como se, hoje, só os africanos já soubessem que a missão de “proteger civis” da OTAN entrou em nova fase: bombardear Sirte – onde projéteis inteligentíssimos só matam apoiadores “do mal” (apoiadores de Gaddafi) camuflados em trajes civis, enquanto todas as boas pessoas escapam incólumes.

Também só os africanos parecem ter ouvido a ameaça de Ali Tarhouni – íntimo amigo do Qatar –, do Conselho Nacional de Transição; foi ameaça típica da era Vietnã. Falando das poucas cidades e regiões ainda leais a Gaddafi, Tarhouni disse que “Às vezes, para evitar derramamento de sangue, é preciso derramar sangue. Quanto mais depressa agirmos, menos sangue será derramado.”

Também provavelmente, só os africanos já sabem da limpeza étnica continuada, ininterrupta, da qual começam a aparecer cada vez mais notícias (não na imprensa-empresa), perpetrada pelos ‘rebeldes’. Como se o resto do mundo não soubesse que o povo da Cyrenaica sempre foi extremamente preconceituoso contra africanos subsaharianos.

Ou, quem sabe, só os africanos interpretaram corretamente a agenda dos “Amigos da Líbia” e viram ali, bem claros, o novo status da Líbia, de mal disfarçada colônia ocidental, e a fábula neo-Orwelliana do ‘imperialismo humanitário’.

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Comentários

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Gustavo

Sou professor, lecionei sobre a Líbia, falei da "ajuda humanitária" que a OTAN estava promovendo e questionei por que a mesma "ajuda" não vai para o Chifre da África, no Chifre da África tem 8 milhões de pessoas precisando de comida urgentemente, na Líbia o país tem 6,5 Milhões de Habitante, comentei sobre o custo da Guerra aérea da OTAN na, eles tem 14 anos, sabe o que respoderam, é o Petróleo Professor, eles não querem ajudar ninguém….não conseguem enganar crianças…

Sebastião Medeiros

O meu medo é que se a nossa oposição sabendo quer não tem mais perspectiva de voltar ao poder a curto ou médio prazo "apelar" para "O CHAMA O OBAMA",CHAMA A OTAN",ETC…,Ou seja a própria DIREITA Brasileira,com ajuda da CIA,MOSSAD,M-16,ETC…praticar falsos atos de terrorismos ,VIDE O RIOCENTRO EM 1981 E O CASO DO GASÔMETRO NO RIO DE JANEIRO EM 1969,contra a própria população Brasileira e a partir dai pedir ajudar humanitária contra o nosso próprio Governo com o pretexto que este protege "terroristas".É olha que os gringos vão vir babando para ROUBAR A AMAZÔNIA,O PRÉ-SAL E O AQUÍFERO GUARANI DO BRASIL.
Se isto é proteção eu prefiro ficar desprotegido.

    Werner_Piana

    NUNCA duvide desta possibilidade que você levantou. É questão de TEMPO para a canalha internacional vir BABANDO sobre nossos tesouros – muitos.

    É risco cada vez mais concreto, mais REAL.

    É nojento tudo isto… o BRASIL que se cuide, que prepare sua defesa. Mire-se no exemplo da Coréia do Norte – que a canalha respeita e TEME.

Lúcio

'Não vamos desistir, não somos mulheres', diz Kadafi em novo áudio
http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2011/09/01/nao-

O Blog nao vai se manifestar sobre essa fala "MACHISTA" do Kadafi?

Substantivo Plural » Blog Archive » É guerra TOTAL (Marca Registrada), monsieur

[…] Por Pepe Escobar No Asia Times Online VIA VI O MUNDO […]

Operante Livre

.É…talvez tenhamos que ser "amigos" dos inimigos até que tenhamos condições de recebê-los como inimigos.
A dissimulação é parte da sobrevivência. Brasil, faz a sua bomba para ser responsável por sua proteção.

    Werner_Piana

    Eu continuo torcendo pra já as termos, senão… bye, bye independência, bye, bye pré-sal, Bye, bye, Brasil…

    :(

Pedro

Sabem qual é a capacidade destruidora das BOMBAS HUMANITÁRIAS do crime organizado chamado OTAN? Os governos voltados para os interesses do povo que se cuidem. O capitalismo só tem uma face real, a destruição.

eunice

Eu tenho medo de viver neste mundo. Eu tnho medo de SarKÔKÔ. Eu tenho medo dos insanos. Eles vão nos matar. Eles vão pelos seus planos.

    JotaCe

    Não tenha medo, Eunice. As bombas são ‘humanitárias’ como informa a grande mídia. Elas só atingem as instalações militares e protegem ‘the innocent people’…Abs, JotaCe

Alexei_Alves

Vamos rezar para que nunca queiram nos "proteger"

    Silvio I

    Alexei_ Alves:
    Querem mais rezar, dos que faz todos os dias os árabes? Justamente por esses rezar, e que se discute o problema petróleo. O seja o rezar e o pretexto.

Zé Fake

Hummm, fico só pensando, e se aquela gente lá de cima resolver "proteger" os civis da Venezuela ou da Bolívia ? O governo brasileiro precisa ficar atento a esse negócio aí…

    Silvio I

    Zé Fake:
    Você está certo. Estamos-nos dando uma de bonzinhos, em 12 anos não se tem resolvido o problema dos aviões de caça. Estamos de esta forma o esperando que ninguém nos touque, ou sejamos tomados sem disparar um tiro.E provável que na base da conversa, como foi a Independência, vamos a passar sem problemas.Acredite quem quiser.Brasil tem toda a tecnologia para fazer a bomba atômica. Brasil tem a necessidade de ter a, porque e uma arma dissuasiva. Não e para usar contra ninguém, mais dizer olha aqui, eu também a tenho.

Bonifa

É até difícil comentar. Uma tragédia moderna semelhante ao nazismo, em pleno século vinte e um, perpetrada debaixo do olhar perplexo de toda a Humanidade.

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