Marcelo Zero, sobre intervenção na Venezuela: Reprise da derrubada de Allende no Chile
Tempo de leitura: 6 minFoto: Beto Barata/PR
A Intervenção na Venezuela e o Brasil
por Marcelo Zero*
Aparentemente, os EUA estão pretendendo acelerar os preparativos para uma intervenção mais aberta e incisiva na Venezuela.
Após as declarações de Trump, de que não descartaria uma intervenção militar naquele país, o Secretário de Estado norte-americano, Rex Tillerson, em discurso na Universidade do Texas, em 1º de fevereiro, sugeriu que solução para a Venezuela poderia vir de um golpe.
Tillerson, em recente passagem pela América Latina, onde visitou México, Peru, Colômbia e Argentina, concentrou todos os seus esforços em convencer os governos desses países a apoiarem medidas mais duras contra o regime chavista da Venezuela.
Na Colômbia, o Almirante Kurt Tidd, chefe do Comando Sul dos EUA, reuniu-se com militares daquele país para tratar da “desestabilização regional” causada pela Venezuela.
Tidd tem argumentado que a crise da Venezuela “requeria ações militares para enfrentar a situação humanitária”.
O uso das chamadas “crises humanitárias” para justificar intervenções de todos os tipos vem de longe.
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A intervenção militar dos EUA contra a Sérvia foi legitimada, por Bill Clinton, como uma ação necessária para lidar com a crise humanitária no Cosovo.
Na ONU, essa lógica um tanto estapafúrdia de responder a crises humanitárias com violência ficou conhecida como a “responsabilidade de proteger” (R2P).
De lá para cá, muitas intervenções militares e políticas do interesse dos EUA e aliados foram também justificadas com essa lógica canhestra de enfrentar crises humanitárias com a “responsabilidade de proteger” as populações atingidas.
As invasões da Líbia e da Síria foram justificadas, ao menos parcialmente, com essa lógica aparentemente altruísta e humanista.
De um modo geral, as “crises humanitárias” são criadas ou agravadas por aqueles interessados na intervenção e na derrubada de regimes considerados inconvenientes ou perigosos aos interesses geoestratégicos dos EUA e aliados.
Esse investimento nas “crises humanitárias” muitas vezes envolve o dispêndio de grandes quantias de dinheiro e o uso de bloqueios comerciais e financeiros.
Na Ucrânia, por exemplo, calcula-se que os EUA tenham gasto cerca de US$ 5 bilhões, para promover os protestos violentos e a “revolução laranja”.
No caso da Venezuela, esse investimento na desestabilização do regime chavista vem de longe.
Em 2002, os EUA contribuíram decisivamente para promover o golpe de Estado contra Chávez.
O fracasso do golpe não impediu, entretanto, que tais esforços continuassem.
Não há dúvida que os EUA apoiam e financiam a oposição mais radical da Venezuela, liderada por Rodolfo López, um político educado em escolas privadas norte-americanas.
Tal apoio inclui o financiamento às violentas “guarimbas” da oposição, que pretendiam criar um clima de guerra civil na Venezuela.
Com a queda dos preços de petróleo, commodity vital para a Venezuela, os EUA aproveitaram para iniciar uma guerra econômica, comercial e financeira contra o regime chavista, de modo a criar carestia e inflação.
O crédito da Venezuela no mercado internacional foi cortado, mesmo com o país tendo pagado suas dívidas religiosamente, o que dificulta enormemente a importação de alimentos, da qual o país depende para satisfazer as necessidades de sua população.
Ao mesmo tempo, as classes dominantes locais escondem alimentos e remédios, os vendem a preços exorbitantes ou ainda fazem contrabando para países vizinhos.
Trata-se de uma tática antiga. Quando Salvador Allende foi eleito no Chile, Nixon ordenou à CIA que fizesse “a economia chilena gritar”.
Com o apoio da elite local, houve locautes, desabastecimento forçado, inflação e carestia.
Na esteira, ocorreram os protestos das “panelas vazias” da classe média chilena, que precederam o golpe de Pinochet.
Protestos depois fielmente copiados por nossa classe média envolvida na pressão pelo golpe contra Dilma Rousseff.
Coincidência? Talvez não.
Muito embora os problemas econômicos e políticos da Venezuela sejam reais e sérios, é óbvio que essa ação de guerra econômica e de incitamento constante ao conflito político violento agrava substancialmente a situação interna daquele país.
Contudo, o advogado e historiador norte-americano, Alfred de Zayas, relator da ONU sobre Promoção da Ordem Internacional Democrática e Equitativa, concluiu, depois de uma visita à Venezuela, que o país não sofre uma crise humanitária, “diferente do que a grande imprensa vem tentando retratar nos últimos dias”.
O relator ainda afirmou que o problema interno da Venezuela tem de ser resolvido de forma diversa.
Segundo ele, a comunidade internacional deve trabalhar a solidariedade com a Venezuela para levantar as sanções impostas pelos Estados Unidos “porque são elas que pioram o desabastecimento de alimentos e medicamentos, é insuportável pensar que tendo uma crise de malária na Amazônia venezuelana, a Colômbia tenha bloqueado a venda de medicamentos e a Venezuela precise recorrer à Índia para obtê-los”.
Tal atitude de solidariedade e entendimento era, aliás, a posição que o Brasil vinha adotando face àquele conflito.
De fato, o Brasil, ao longo dos governos do PT, deu apoio à busca de um entendimento político e pacífico na Venezuela, com o “Grupo de Amigos da Venezuela”, criado no âmbito da Unasul.
O problema é que a opinião do relator da ONU conta muito pouco, ou nada, para os interesses estratégicos dos EUA no subcontinente.
O outro problema é que o Brasil, o principal país da América Latina, mudou radicalmente de posição e passou a apoiar fervorosamente as ações em prol da desestabilização violenta do regime chavista.
Com efeito, a “diplomacia” do golpe fez do isolamento da Venezuela a sua grande razão de ser.
O Brasil foi o principal ator na exclusão da Venezuela do Mercosul, inclusive sob a invocação do Protocolo de Ushuaia, o que não deixa de ser irônico, partindo de um governo surgido de um golpe parlamentar.
Saliente-se que o governo do golpe não poupou esforços para atingir esse objetivo do agrado dos EUA, chegando mesmo a ameaçar com retaliações comerciais o pequenino Uruguai, caso esse país não concordasse com a suspensão da Venezuela.
Essa atitude do Brasil, secundada pela Argentina de Macri, entre outros, de certa forma concedeu uma espécie de “carta branca” para que os EUA passassem a serem mais incisivos na desestabilização do regime chavista, inclusive com a possibilidade ações militares.
Do ponto de vista logístico, uma intervenção desse tipo, seja para a promoção de um golpe, seja para uma ação militar aberta, não acarretaria grandes dificuldades, já que os EUA têm muitas bases militares na Colômbia e no Caribe.
A questão essencial é obter o aval de países da região para legitimá-la.
Aí é que entra o tema da “crise humanitária”.
É necessário apresentar o quadro de um país ingovernável, regido por um ditador que pune a sua população, para bem justificar uma intervenção desse tipo.
Nesse sentido, é tocante ver como certos veículos de comunicação brasileiros se empenham em cobrir o afluxo de venezuelanos em Roraima, sempre sob a ótica de que eles são vítimas de uma “cruel ditadura”, e não de uma guerra econômica contra o regime da América Latina que mais realizou eleições neste século e que acaba de marcar pleito para o dia 22 de abril do corrente.
É difícil de dizer, a priori, se e como o Brasil poderia participar de uma aventura irresponsável como essa.
Não obstante, o governo do golpe já deu mostras de total comprometimento com tal “nobre causa”.
Por outro lado, a realização de exercícios militares conjuntos entre Brasil, EUA, Peru e Colômbia em nosso território, algo aberrante na nossa tradição de defesa da Amazônia, sinaliza que, com o golpe, vieram à tona setores das forças armadas empenhados numa mudança da nossa estratégia de defesa, colocando-a sob a órbita de interesses geopolíticos dos EUA.
Mas é possível se afirmar, a priori, que uma intervenção desse tipo, ainda que parcial e velada, acarretaria consequências desastrosas para os interesses brasileiros.
Obviamente, o conflito interno da Venezuela se agravaria, com danos irreparáveis à nossa relação bilateral com aquele país e ao processo de integração regional, que tanto nos beneficia.
Ademais, há o risco de que o conflito venezuelano acabe se internacionalizando, pois nem a China nem a Rússia veriam com bons olhos uma intervenção desse tipo.
A América do Sul poderia acabar ficando numa situação parecida a regiões instáveis do globo, como a do Oriente Médio, por exemplo.
Enfim, um desastre completo, como soe acontecer em todas as “intervenções humanitárias” que os EUA fazem.
Os países acabam sendo destruídos e as populações que seriam “protegidas” sofrem muito mais.
Só se salva o petróleo, que é desviado para o mercado mais voraz do planeta.
Não se espere, porém, racionalidade do governo dos EUA, ainda mais na gestão de Donald Trump.
Poder-se-ia esperar racionalidade do Brasil. Não mais. Mesmo com mesóclise.
O governo do golpe rompeu com todos os parâmetros e paradigmas e dedica-se, com notável empenho, na destruição e na venda do Brasil.
De um governo como este, que não hesita em ser desumano com sua própria população, atendendo aos interesses do “mercado”, pode-se esperar apoio a “intervenções humanitárias” contra vizinhos, atendendo aos interesses de seus donos. Vira-latas podem ser raivosos.
*Marcelo Zero é sociólogo e especialista em Relações Internacionais
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Comentários
Luiz A A do Sacramento
Está tudo aí, Nelson. Suas palavras dão a exata dimensão do verdadeiro problema que aflige e deturpa corações e mentes mundo à fora.Por falta de maior empenho. muitas pessoas estão se deixando levar pelos acenos enganosos da mídia hegemônica.
Nelson
Uma pequena mas importante correção. Eu afirmei que “quase 7 milhões de colombianos que, nos últimos trinta e poucos anos, foram obrigados a deixarem seu país e a se refugiarem em terras venezuelanas”.
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Na verdade, o êxodo colombiano em direção à Venezuela iniciou-se pouco depois do assassinato de Jorge Eliécer Gaitán, em abril de 1948, e veio se intensificando nas décadas seguintes. Foi mais um assassinato político que contou com o apoio do governo dos EUA.
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Gaitán, que propunha um projeto nacional e popular, contrariando os interesses dos EUA no país, seria o mais votado na eleição presidencial que iria ocorrer no ano seguinte.
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De todo modo, eu nunca vi a mídia hegemônica e seus comentaristas se referirem a tamanho êxodo. Pelo menos não no tom e com a forma exaustivamente repetitiva como a que faz em outros casos, como o da Venezuela e da Síria, por exemplo.
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Seletividade abjeta.
leonardo-pe
sinceramente não entendo por que querem acabar com a Venezuela. e pior, são brasileiros que torcem por isso. indo atrás dos estados unidos e imprensa nacional(que é alinhada com os estados unidos). depois quando se diz que o brasileiro é midiotizado, acham ruim. sobre o macri, esse é outro que cavou sua cova.
Izaías Almada
O que o comentarista NELSON talvez tenha querido dizer ao tal LEONARDO é que ele é uma dessas pessoas que não conseguem caminhar e mascar chicletes a mesmo tempo: é muito difícil, rsrsrs….
Leitor
A Venezuela foi asfixiada por sanções internacionais e tb má administração. Não há como negar centenas de milhares de refugiados. As pessoas fogem das suas pátrias quando já nada mais importa deixar para trás.
É doloroso ver isso na América Latina. Estamos nos africanizando e virando campo de caça do capitalismo imperialista e não diria transnacional, torque tem sede e pátria em em algumas nações.
Leonardo
BURRO é quem acredita que o problema da Venezuela foi preço de petróleo que caiu !!!
E só afetou a venezuela né kk
saulo
A Rússia também sofreu bastante.
Teve que alterar diversas políticas econômicas.
Procure se informar um pouco mais.
Leonardo
e vcs adoram ver TODO MUNDO PASSANDO FOME IGUALMENTE né?
Vcs ADORAM.
Pergunta lá pro povo venezuelano que não tem o que comer graças as politicas de esquerda, se eles não querem uma intervenção de qualquer tipo.. na vida deles
Nelson
Comentário típico daqueles que sublocaram seus cérebros para o Sistema de Poder que domina os Estados Unidos. Aqueles que se deixam manipular pela avassaladora propaganda ideológica e mentirosa desse sistema.
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Infelizmente, não é apenas o Sr Leonardo que se encontra nesse time, mas centenas de milhões pelo mundo afora. Gente que adora pensar com a cabeça de seu amo.
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Eu não tenho visto, da parte dessa gente, e também do Sistema de Poder que domina os EUA, a mais mínima preocupação com o massacre de milhares e milhares de iemenitas que vem sendo provocado pelas forças armadas da Arábia Saudita. Não há a mínima preocupação com os milhões de pessoas a passarem fome no pequeno país asiático.
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Eu não tenho visto a mais mínima preocupação do Sr Leonardo com o povo líbio, o povo que tinha o mais elevado padrão de vida de toda a África e viu seu país ser reduzido a escombros ao mesmo tempo em que era jogado nas mãos de hordas de fanáticos assassinos armados até os dentes pelos civilizados países da Europa e da América do Norte.
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Eu não tenho visto a mais mínima preocupação do Sr Leonardo com o povo iraquiano. A invasão e ocupação do Iraque pelas forças armadas dos EUA e seus cúmplices provocou a morte de mais de 1 milhão de iraquianos. Foram assassinados diretamente pelos bombardeios ou pelas doenças dele advindas.
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Milhares de toneladas de urânio “empobrecido” foram jogadas sobre o país gerando a explosão dos casos de câncer e de nascimento de crianças deformadas. Mas, a mídia hegemônica, hoje tão preocupada com os venezuelanos, que estariam fugindo ou morrendo de fome aos milhões, nada, nunca disse uma vírgula sobre a tragédia iraquiana, provocada, é bom repetir, pelos civilizados da Europa e da América do Norte.
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Eu não vejo preocupação do Sr Leonardo com o sofrido povo haitiano. Por duas vezes, quando os haitianos decidiram usar de seu direito inalienável de escolherem seu comandante, Jean Bertrand Aristide, os governos dos EUA optaram por derrubá-lo.
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Aristide ousava conduzir o país por caminhos que destoavam do prescrito pelos donos do mundo. Obviamente, esses golpes de Estado apoiados pelos EUA só aumentaram ainda mais a o desemprego, a fome, a crise e a penúria do povo haitiano.
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Eu nunca vi o Sr Leonardo demonstrar preocupação com os quase 7 milhões de colombianos que, nos últimos trinta e poucos anos, foram obrigados a deixarem seu país e a se refugiarem em terras venezuelanas.
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Eles fugiam da duríssima repressão que lhes foi impingida por grandes corporações capitalistas. Paramilitares ou o próprio governo fizeram esse trabalho, contra seu próprio povo, em favor das grandes corporações.
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Mas, os órgãos da mídia hegemônica, que sepre se mostram preocupados com os problemas humanitários, tal como fizeram com as vítimas iraquianas, nunca disseram uma vírgula sobre esses milhões de refugiados colombianos.
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Bem, eu poderia seguir escrevendo muitas linhas mais sobre a seletividade da preocupação que têm demonstrado a mídia hegemônica, os governos dos EUA, seus acólitos e adoradores – tipo Leonardo – para com os problemas dos povos.
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Porém, creio que os casos que citei já bastam para demonstrar o quão falsas são essas preocupações. Já bastam para expor o tamanho do cinismo e da hipocrisia de gente que se apresenta como campeã insuperável da defesa dos direitos humanos.
Julio Silveira
A maquina de guerra assassina e suas corporações ladras yankes, precisam tanto de medo para se justificarem a seu povo que necessitam sempre criar algumas Coreias do Norte mundo afora.
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