Juiz do Trabalho alerta sobre projeto da terceirização no Senado: Golpe dentro do golpe

Tempo de leitura: 4 min

Fora, terceirização!

Jorge Luiz Souto Maior*, via e-mail

Com a aprovação do PL 4.302-E, no dia 22/04/17, muita gente entrou em desespero, imaginando que o mundo acabou.

Não acabou e, bem ao contrário, pode estar, de fato, nascendo, dependendo, claro, de como consigamos encarar a situação e reagir perante ela.

Primeiro registro a ser feito é o de que não se pode, de forma alguma, diminuir a gravidade do ocorrido, relativizar os danos ou considerar que a única reação possível é a de buscar destruir a lei por meio da hermenêutica jurídica (o que está em aberto, por certo).

Neste sentido, considero de suma importância o chamado das centrais sindicais para uma intensa mobilização contra a regulamentação do trabalho temporário e da terceirização aprovada na última quarta-feira.

De todo modo, há que se perceber o processo político em curso, para que não sejamos (todos aqueles que seriamente se preocupam com a efetivação do projeto constitucional da melhoria das condições de vida da classe trabalhadora) engolidos pela dinâmica de mais esse golpe.

Votada a lei, logo os meios de comunicação do grande capital (e seus prepostos) se adiantaram para “explicar” aos trabalhadores o que mudaria na sua vida [1], considerando a situação como dada, ou seja, irreversível e, claro, tentando construir a visualização de um futuro promissor para os trabalhadores, ainda que conduzidos, todos, à condição de terceirizados.

Do outro lado, muitos, sabendo dos efeitos nefastos da terceirização para os trabalhadores e para o projeto social, começaram, imediatamente, a buscar brechas na lei para destruí-la por dentro, destacando, ainda, a sua inconstitucionalidade.

Envolvido também nesta tarefa, percebi o quanto o PL aprovado é repleto de imprecisões e contradições explícitas, o que me levou à reflexão que ora deixo consignada neste texto.

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Enfim, o que transparece de uma leitura mais detida do texto que agora vai para a sanção presidencial é que muitos daqueles parlamentares que aprovaram o PL sequer conheciam detalhadamente o seu conteúdo, dadas as suas inúmeras imprecisões.

Afinal, o que importava era a sua aprovação imediata, objetivando, na verdade, levar adiante o PLC 30/2015, ainda em tramitação no Senado Federal.

Tanto é assim que a votação se deu, como se viu, sem qualquer discussão, realizada à sorrelfa, sem respeito às mais rudimentares regras do processo legislativo, o que, por si só, inclusive, já é motivo mais do que suficiente para, juridicamente, negar validade à lei.

Mas, como parece, a inconsistência técnica da lei (ou, meramente, a despreocupação com o que, de fato, consta no texto) e a irregularidade do processo legislativo foram assumidos como irrelevantes, pois o que concretamente se pretende é gerar uma comoção pública contra um texto legal que, na essência: eleva para 180 dias, com possibilidade de extensão a 270 ou mais, conforme previsão de norma coletiva, o prazo dos contratos temporários e que, com redação confusa, tenta possibilitar a terceirização irrestrita, sem garantias jurídicas específicas aos trabalhadores, tudo em troca de uma responsabilidade “subsidiária” da empresa tomadora dos serviços, o que não representa nada para trabalhadores sem direitos.

E, na sequência, oferecer a opção de um projeto de lei apontado como menos prejudicial, o PLC 3 0/15 (originário do famoso PL 4.330/04), que tramita no Senado Federal.

Então, o golpe dentro do golpe já se anuncia: alguns partidos políticos, buscando a invalidação de uma lei sabidamente inválida (mirando o efeito eleitoral da medida ou participando da autoria do conjunto da obra), entram com ações judiciais junto ao STF e, com a suspensão liminar da aplicação da lei (o que daria, inclusive, novo alento ao Supremo, obscurecendo sua história recente de supressões reiteradas de direitos dos trabalhadores), costura-se um grande acordo, que favorece muita gente, sobretudo o governo que terá a grande oportunidade de ganhar certa legitimidade pela possibilidade de vetar uma lei considerada como muito perversa para os trabalhadores e sancionar outra que, neste contexto, se venderá como “benéfica”.

Ou seja, o risco posto é o de que estejamos caminhando para uma aprovação consentida do PLC 30/15, que legitima a terceirização nas atividades-fim das empresas, com verniz de ser mais benéfico ou menos perverso do que este que foi recentemente aprovado, estimulando-se, inclusive, a sensação de que a troca se deu por um recuo do governo diante da força da mobilização social, das ações judiciais propostas e das ameaças de destruição pela via interpretativa feitas por associações e juristas trabalhistas.

Ocorre que, embora aparente ser de uma derrota profunda, o momento presente, dada a capacidade de mobilização social demonstrada desde 2013 e que cada vez mais se espalha entre as organizações trabalhistas, que estão reaprendendo o caminho das ruas, constitui uma grande oportunidade para que, enfim, se consiga barrar o processo de desmonte da legislação trabalhista iniciado, na história mais recente, em 1993.

Esse desmonte começou  exatamente com a legitimação da terceirização, que atinge hoje, inclusive no setor público, em flagrante inconstitucionalidade, a mais de 12 milhões de pessoas, deixando um enorme rastro de mortes, mutilações, sofrimentos, ofensas morais, direitos desrespeitados e conflitos judiciais.

Assim, toda a indignação, que foi explicitada após a notícia da aprovação do PL 4.302-E/98, deve ser canalizada para barrar o processo do golpe dentro do golpe, conduzindo a uma mobilização voltada à eliminação da terceirização (toda ela, visto que o trabalho humano não é mercadoria de comércio e o eufemismo da terceirização tem servido apenas para legitimar a intermediação de mão-de-obra, absolvendo o capital da mínima contrapartida social), sobretudo no setor público, como forma, também, de preservar as estruturas de Estado, para que, enfim, se apresente para a classe trabalhadora um caminho para frente, superando aquele que lhe tem sido imposto em toda a era neoliberal, de 1989 a 2017, de considerar que não perder direitos já é uma grande vitória.

São Paulo, 24 de março de 2017.

[1] http://veja.abril.com.br/economia/terceirizacao-saiba-o-que-muda-e-tire-suas-duvidas/

http://epocanegocios.globo.com/Economia/noticia/2017/03/entenda-o-que-lei-da-terceirizacao-vai-mudar-na-sua-vida.html

*Jorge Luiz Souto Maior é juiz do Trabalho e professor da Faculdade de Direito da USP

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Comentários

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lulipe

Os Juízes trabalhistas estão preocupados com a terceirização porque a “jabuticaba” (Justiça Trabalhista) vai perder importância e futuramente poderá vir a ser extinta. Só isso!!

    Joao Maria

    Extinto vai ser o FGTS. Empresario nao direito pois nao tem recolhimento.

FrancoAtirador

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Não. Não é o ‘Golpe Dentro do Golpe’,

É Só a Continuação do Mesmo Golpe.
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Elza Godinho Lopes

Caro Azenha, por que ninguém comenta o que o Senador Randolfe está dizendo, este projeto foi retirado do Senado em 2003, portanto ele não existe e a VOTAÇÃO É NULA todos as Centrais Sindicais deveriam ir ao Supremo pedir a Nulidade da sessão da Câmara que votou este Projeto, tratou-se apenas de um golpe de espertalhões, os Juízes do trabalho não sabem que o Projeto foi retirado do Senado em 2003 por isso ele não existe mais, teria que ser enviado um novo PL?:

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) ingressou na sexta-feira (24) com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a aprovação do projeto de lei que regulamenta a terceirização (PL 4302/98), aprovado na quarta-feira (22) pela Câmara dos Deputados.
O parlamentar questiona a constitucionalidade da votação da proposta, apresentada em 1998 pelo então presidente da República Fernando Henrique Cardoso. O Executivo, conforme Randolfe, pediu a retirada do projeto em 2003. Assim, a proposta aprovada seria ilegítima e ilegal na opinião do senador.
http://www.tribunadabahia.com.br/2017/03/27/randolfe-questiona-legalidade-da-aprovacao-de-projeto-da-terceirizacao

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