Carta da avó: o voto feminino & liberdades democráticas
por FÁTIMA OLIVEIRA, no jornal O Tempo
Em eleição, “carta” pega bem… Matutei escrever uma para minhas netas Luana, 12 anos, e Maria Clara, 8 meses – uma nova geração de mulheres. Não é testamento, apenas expressão do que penso, focada no voto feminino no Brasil – peleja iniciada no século 19, ao mesmo tempo da luta abolicionista – direito conquistado em 24.2.1932, com o Código Eleitoral Provisório, sancionado por Getúlio Vargas e tornado obrigatório em 1946. No entanto, em 1928, Mossoró (RN) inscreveu a primeira eleitora: a profª. Celina Guimarães; e Lajes (RN) elegeu Alzira Soriano, que entrou para a história como a primeira prefeita do Brasil e da América do Sul!
Desejo que minhas netas admirem mulheres “marrentas” como as sufragistas Deolinda Daltro, fundadora do Partido Republicano Feminino (1910), a profª. Maria Lacerda de Moura, a bióloga Bertha Lutz e muitas outras que fizeram da luta pelos direitos da mulher um norte de vida. A primeira presidenta do Brasil deverá invocá-las ao tomar posse, pois é beneficiária direta da doce marrentice delas.
Luana e Maria Clara não precisam ser tão “fominhas” quanto eu por eleições. Apenas conscientes e amantíssimas das liberdades democráticas; que entendam que votar é um momento de esperança, sempre; e compreendam que é conto do vigário essa conversa mole que decretou o fim da polarização entre direita e esquerda.
Na dúvida, leiam os escritos da avó: “Nós, as mulheres, sabemos que direita e esquerda existem e que a nossa cidadania é incompatível com os interesses da direita” (“Os governos nos devem muito”, Opinião, 8.3.2000). E que ousem entender que “Votar em candidaturas que sejam contra o direito de decidir é votar contra as mulheres”. E que elas valorizem “o voto com a perspectiva de ampliação da cidadania da mulher, possível em pessoas com história de vida em defesa do Estado laico – que não tem religião, mas respeita todas” (“Vamos às urnas!” Opinião, 15.9.2004).
E sobre as cotas raciais/étnicas, que jamais caiam na vigarice de que elas dividem o povo brasileiro. Aprendam a discernir com as palavras do prof. Luiz Felipe de Alencastro: “A ideia de que vai se criar um conflito onde não existe é a mesma de quando ocorreu a introdução do voto feminino, o voto das mulheres iria dividir as famílias… A divisão já existe, está escrita na nossa sociedade. “A Folha” fala em seu editorial por que não [ação afirmativa] para os homossexuais, os judeus? (5.7.2006) Porque nem os judeus tiveram escravidão no Brasil e os bissexuais não sofrem discriminação hereditária. Os negros têm esse duplo ‘handicap’”.
O debate sobre cotas não pode ser feito isolado do seu fundamento teórico e político – a ação afirmativa: qualquer iniciativa de promoção da igualdade que visa a reparar inequidade e iniquidades, aplicável aos casos nos quais há decisão política de superar desigualdade e reparar dívidas, logo podemos usá-la para o combate a diferentes formas de opressão, como no caso das mulheres e vítimas de racismo, pois a ação afirmativa foca mudar a ordem de privilégios injusta estabelecida entre diferentes e desiguais.
As cotas são uma das formas de ação afirmativa usada em geral quando um setor ou uma sociedade não assume voluntariamente a sua parte para sanar desigualdades que vitimam grupos sociais e raciais que se encontram em situação de desvantagem (“Afinal, o que chamam de “racialização”?” Opinião, 19.7.2006).
No mais, meninas, só abraços apertados e suspiros dobrados de amor sem fim… E beijinhos doces!
Comentários
Voto feminino e liberdades democráticas « Ofensiva contra o machismo
[…] http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/fatima-oliveira-voto-feminino-e-liberdades-democraticas.html […]
Raimundo Lucena
Mandei pras minhas netas, embora tenha achado um tanto quanto piegas. Mas é bonita mesmo
Núbia Figueiredo
Prezada Fátima Oliveira, achei sua carta primorosa, correta e bonita. É isso aí
Arlete
Olá Fátima eu adorei sua carta, vou enviá-la também para minha neta Ana Carolina e para todas as pessoas da minha lista. Fiquei orgulhosa e emocionada! bjs
Alice Matos
Um texto sereno, correto e bonito. Vou distribuir entre as pessoas amigas que possuem filhas
A. R.Machado- ceará
Fiquei feliz pelo belo texto reflexivo. Parabenizo a autora (Fatima Oliveira) pela sutileza e diplomacia de nos chamar às responsabilidades patrióticas com nosso país e olharmos mais humanamente ao nosso povo. E principalmente porque, atraves de sua refleção, vi que valorizar as desigualdades, não é ignorá-las e sim reconhecer e lutar pela sua erradicação. Um forte abraço e, com certeza este povo terá mais orgulho de suas mulheres: Mães, Filhas, Esposas, Irmãs, mas acima de tudo, Guerreiras e vencedoras. Viva as mulheres, Vivas Dilma Presidenta do Brasil. ANTONIO R. MACHADO – CEARÁ.
Pai Celso
Caríssima, os tempos são outros que bom; É fundamental vivenciar esse novo tempo, conectado as memórias de quem veio antes. É por demais saboroso saber do que houve antes, olhar para trás e desenhar o futuro, tendo como referência a história que temos. Orgulho-me a cada dia mais do meu páis, dos meus confrades e dos meus professores. Obrigado pelo belo texto!
Vitório Samuel
Fátima, depois de reler sua crônica, achei justo oferecer-lhe a leitura de uma crônica de Marina Colasanti: EU SEI MAS NÃO DEVIA: <Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão…>
Vitório Samuel
Uma crônica política criativa e gostosa. Que Luana e Maria Clara sejam muito felizes seguindo os conselhos da avó. Teremos a primeira presidenta do Brasil!!!
Tracking Vox Populi/Band/iG: Dilma 56%, Serra 21%
Cientistas políticos afirmam que o caso da violação de sigilo da filha de José Serra (PSDB) não alterou a escolha do eleitor
iG São Paulo | 07/09/2010 17:02
No sétimo dia das medições do tracking Vox Populi/Band/iG para a eleição presidencial, a petista Dilma Rousseff obteve 56% e o tucano José Serra 21% das intenções de voto. Em relação ao primeiro dia da medição, no dia 1 º de setembro, a petista oscilou positivamente cinco pontos percentuais. O candidato tucano teve oscilação negativa de quatro pontos percentuais. A margem de erro é de 2,2 pontos. No dia 1º de setembro, Dilma tinha 51% e Serra 25%.
Baixada Carioca
Não se pode esperar boa coisa de quem disse que os anos de regime autoritário foi uma "ditabranda" (Folha), sobretudo reconhecer os direitos daqueles que foram secularmente discriminados.
Mariana Rodrigues
Fátima Oliveira, já estás a comemorar Dilma, lá! Não é? Eu também minha amiga. E que bela carta-testemunho para suas netas Luana e Maria Clara! Começamos a votar em 1932 e setenta e oito anos depois tudo indica que elegeremos a primeira presidenta do Brasil. Né pouca coisa, não!
HEITOR
Terei a ousadia de retransmitir esta carta às minhas filhas também. Elas terão o orgulho de ver que no posto máximo do país haverá uma mulher, da mesma maneira que sempre fui orgulhoso do operário.
Elias São Paulo SP
"Luana e Maria Clara não precisam ser tão “fominhas” quanto eu por eleições. Apenas conscientes e amantíssimas das liberdades democráticas; que entendam que votar é um momento de esperança, sempre; e compreendam que é conto do vigário essa conversa mole que decretou o fim da polarização entre direita e esquerda."
Tenha certeza, Fátima, que esse trecho e outros do seu artigo serve para todas as netas, todos os netos de mulheres e homens conscientes que almejam ver este mundo melhor.
Jux
perfeito!
Depaula
Fiquei emocionado. Bem posso imaginar o que a dra. Fátima Oliveira, feminista de carteirinha escreverá para Luana e maria Clara depois da eleição de Dilma Roussef. Sem dúvida um fato histórico.
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