Alerta de Paulo Nogueira Batista Jr à esquerda

Tempo de leitura: 5 min

Os desafios da esquerda

Por Paulo Nogueira Batista Jr.*

“Decifra-me ou te devoro”
Esfinge de Tebas

Em vários países do Ocidente e do Sul Global, inclusive no Brasil, a esquerda se defronta nas décadas recentes com desafios talvez sem precedentes – e não está se saindo bem, de uma forma geral.

Com o passar do tempo, os desafios se avolumam e a esquerda se debate sem sucesso contra eles. O Brasil, com Lula, até constitui uma exceção, mas apenas parcial.

Estou me referindo, na verdade, à centro-esquerda, à esquerda moderada. A extrema esquerda não desempenha papel relevante.

Em contraste, no campo da direita, os extremistas, apesar de alguns reveses importantes (notadamente as derrotas eleitorais de Trump e Bolsonaro), continuam fortes, ameaçando os partidos tradicionais de centro-direita e centro-esquerda.

O pano de fundo desses movimentos políticos é a crise da globalização neoliberal, iniciada ou agravada com o quase-colapso dos sistemas financeiros dos EUA e da Europa em 2008-2009.

Essa crise financeira trouxe à tona um mal-estar generalizado da população dos países desenvolvidos com a economia e o sistema político.

Os bancos privados foram socorridos com grande mobilização de recursos públicos enquanto a população endividada foi basicamente deixada à própria sorte. Cresceu o ressentimento, alimentando a eleição de Trump em 2016 e de outros políticos do mesmo naipe na Europa.

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Esse mal-estar com a globalização é mais antigo e mais amplo do que a crise financeira de 2008. O que aconteceu nos últimos 30 ou 40 anos nos EUA e na Europa foi uma dissociação crescente entre as elites e o resto da população.

A renda e a riqueza se concentraram nas mãos de poucos, os ricos ficaram mais ricos, ao passo que o grosso da população viu a sua renda estagnar ou retroceder. A confiança no sistema político desabou.

Espalhou-se a percepção de que não há democracia, mas plutocracia – o governo dos endinheirados.

Pior: ficou patente que o que prevalece é uma caquistocracia – o governo dos piores. A baixa qualidade da maioria dos líderes políticos ocidentais está aí, à vista de todos.

Esse declínio das lideranças do Ocidente reflete algo maior: o declínio do establishment dessas nações, crescentemente dominado pelo rentismo e pelo capitalismo predatório.

Especulação financeira, privatizações destrutivas, fusões e aquisições, manobras de mercado de todo tipo substituem a produção e a geração de empregos de qualidade. A decadência parece bem evidente.

Versões anteriores do establishment dos EUA teriam permitido que o eleitorado ficasse reduzido a escolher em 2024, como tudo indica, entre um presidente senil e um bufão irresponsável?

Não por acaso, a China, que nunca seguiu o modelo neoliberal, tornou-se “a fábrica do mundo” às expensas das indústrias do Ocidente.

O Brasil, infelizmente, também caiu na armadilha da globalização e ainda não conseguimos dela escapar. Era inteiramente previsível. As elites locais, em geral servis e medíocres, mimetizam as elites estado-unidenses, trazendo para cá o que há de pior.

No plano político-partidário, quem foi prejudicado e quem foi beneficiado pela crise da globalização neoliberal?

Entre os prejudicados se destacam, merecidamente, os partidos tradicionais de direita, identificados com a defesa do modelo concentrador.

Note-se, entretanto, que o prejuízo recai não só sobre eles, como também sobre os da esquerda moderada – a social-democracia, os socialistas e outros semelhantes. Previsível: afinal, a centro-esquerda foi sócia das políticas econômicas excludentes.

Em muitos países, governou em coalizões com a direita tradicional. Quando chegou ao poder como força hegemônica, pouco ou nada fez para mudar o rumo da economia e da sociedade. Assim, passaram a ser vistos, junto com a centro-direita, como parte de um mesmo “sistema”.

Contra esse “sistema”, a extrema-direita se insurge, mesmo que muitas vezes apenas da boca para fora.

Comandada por líderes carismáticos e espalhafatosos, como Trump, Bolsonaro e Milei, conseguiu vencer diversas eleições importantes.

Despreparada e primitiva, contudo, a extrema-direita não governa de modo eficaz e promove mais confusão do que reformas. Mantém ou aprofunda a orientação conservadora em economia, disfarçando essa concessão com atitudes extremadas na pauta de costumes.

Não passou no teste de fogo da pandemia da Covid-19, o que contribuiu de modo importante, como se sabe, para a não-reeleição de Trump e Bolsonaro.

Recuperou-se, contudo, dessas derrotas, como se nota pela vitória de Milei, o prestígio de Trump e Bolsonaro, sobretudo do primeiro, e a ascensão de radicais de direita em alguns países da Europa.

O que aconteceu com a centro-esquerda em outros países, talvez seja relevante para o governo Lula e os partidos que o apoiam.

Parece intrigante, à primeira vista, que a centro-esquerda dos países desenvolvidos não tenha conseguido capitalizar para si a crise da globalização. Parte da explicação já foi mencionada acima: o condomínio de poder formado com a direita tradicional.

Mas vamos tentar aprofundar a questão um pouco mais. O fato é que a centro-esquerda também se tornou tradicional e elitista, acomodou-se, perdeu contato com a população e mostra não compreender os seus problemas reais.

Corre o risco de definhar por não entender as mudanças em curso. Como na mitologia, a esfinge de Tebas adverte: “Decifra-me ou te devoro”.

Um exemplo de uma estratégia problemática: abraçar a agenda identitária, que é uma agenda liberal, contribui para o isolamento da esquerda.

Vamos nos entender: defender as mulheres, os negros, os indígenas, os homossexuais e outros grupos discriminados é indispensável. Porém, essa defesa não pode ser a plataforma central da esquerda.

De um modo geral, o identitarismo não conta com a atenção ou a simpatia da grande maioria dos trabalhadores e dos setores de menor renda, geralmente às voltas com a luta pela sobrevivência.

Os temas econômicos e sociais – emprego, renda, injustiça social – continuam prioritários para eles. A extrema direita tenta desviar a atenção desses temas com discursos religiosos e conservadores. A centro-esquerda acaba esquecendo-os ao focar nos temas identitários.

Uma questão crucial na Europa e nos EUA, ainda não presente no Brasil, é a imigração. A extrema-direita vem se beneficiando amplamente da sua oposição virulenta à entrada de imigrantes – oriundos da África e do Oriente Médio na Europa; da América Latina nos EUA.

A centro-esquerda não sabe o que fazer com o tema. As suas tradições iluministas e internacionalistas levam-na a rejeitar a resistência à imigração. Não percebe que ela tem fundamentos reais.

A rejeição do imigrante não é apena diversionismo, como muitos imaginam. Os imigrantes trazem problemas significativos, não para as elites por suposto, que vivem à parte no seu mundo privilegiado, mas para os cidadãos comuns.

A imigração em larga escala afeta o mercado de trabalho, pressionando para baixo os salários e levando à substituição de empregados locais por imigrantes. As firmas veem com bons olhos, claro, o barateamento da “mão-de-obra”, mas os trabalhadores sentem na pele e sofrem.

Note-se que a imigração vem sobrecarregar um mercado de trabalho já adverso, em razão dos deslocamentos produzidos pelo rápido progresso tecnológico.

Mas a questão não é só econômica. A imigração massiva do século 21 é muito diferente, por exemplo, da imigração europeia para as Américas em épocas anteriores.

O imigrante hoje é essencialmente diverso das populações do país hospedeiro, em termos raciais ou étnicos, assim como em termos culturais ou religiosos.

A sua presença numerosa ameaça descaracterizar as sociedades dos países desenvolvidos, trazendo insegurança e reações xenófobas.

Em outras palavras, a questão é também nacional – tema com o qual grande parte da esquerda sempre lidou mal.

Como reagirá a centro-esquerda a esses problemas?

Continuará no rumo atual ou tentará se conectar com as novas realidades e as preocupações da maioria?

Se ela optar por apegar-se às suas tradições, só nos resta desejar-lhe boa sorte.

***
Uma versão resumida deste texto foi publicada na revista Carta Capital.

*Paulo Nogueira Batista Júnior é economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, de 2015 a 2017, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países em Washington, de 2007 a 2015. Lançou no final de 2019, pela editora LeYa, o livro O Brasil não cabe no quintal de ninguém: bastidores da vida de um economista brasileiro no FMI e nos BRICS e outros textos sobre nacionalismo e nosso complexo de vira-lata. A segunda edição, atualizada e ampliada, foi publicada em 2021.

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Comentários

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Zé Maria

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Bolsonaro chegou à Avenida Paulista às 14h40
e subiu ao trio elétrico por volta das 15h,
ao lado de Michelle, e estendeu uma bandeira
de isRéu [SIC] e depois cantou o hino nacional.

Junto a ele no trio,
estavam os senadores
Magno Malta (ES) e
Marcos Pontes (SP),

o pastor Silas Malacheia,

os [des]governadores
Tarcísio de Freitas, de São Paulo,
Romeu Zema, de Minas,
Ronaldo Caiado, de Goiás, e
Jorginho, de Santa Catarina,

além do Prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes,

e alguns deputados, como
Marcos Feliciano (SP),
Nikolas Ferreira (MG) e
Gustavo Gayer (GO).

[Informações de O Globo]
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Bastaria o Xandão mandar a Polícia Federal
cercar o Carro Alegórico dos Bolsonaristas
com Grades ao Som do Trio Elétrico.

Seria bem mais fácil.

#TáNaHoraDoJairJáIrEmCana
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José Cláuver de Aguiar Junior

Como sempre, o texto de PNBJr é muito bom e procedente.
Mas como intelectual pensador dos problemas brasileiros, a ele não basta a crítica. É preciso também apontar caminhos para as soluções.

Miriam Lopes

“O imigrante hoje é essencialmente diverso das populações do país hospedeiro, em termos raciais ou étnicos, assim como em termos culturais ou religiosos.” Mas esse, por acaso não era o mesmo caso nas imigrações a partir de 1500? Tanto que dizimaram a grande maioria dos habitantes autóctones. Um verdadeiro genocídio.

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