Samuel, um Brasileiro
Por Marcelo Zero*
Acordei chocado com a morte de um gigante: Samuel Pinheiro Guimarães.
Samuel não foi apenas um dos maiores diplomatas de sua geração, que ocupou cargos muito importantes, como o de secretário-geral do MRE e o de ministro-chefe da Secretária de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.
Samuel foi também dos grandes pensadores contemporâneos do Brasil.
Suas obras, como “Quinhentos Anos de Periferia” e “Desafios Brasileiros na Era dos Gigantes”, contribuíram para identificar e analisar as questões cruciais que o país tem de superar para se desenvolver.
Sempre muito gentil e generoso, Samuel costumava me mandar mensagens elogiando meus textos e me incentivando a escrever mais.
Também costumava me enviar seus textos, solicitando minha apreciação antes da publicação, o que, para mim, sempre foi motivo de honra e prazer. Me sentia um privilegiado.
Um dos últimos textos que Samuel me mandou foi Utopias: o Brasil depois da Pandemia.
Nesse texto, com sua habitual clareza e capacidade de síntese, Samuel escreveu:
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“A mega utopia pós Pandemia é eleger um Governo determinado a executar um projeto para a maioria do povo brasileiro e não um projeto em benefício de um mítico e ínfimo Mercado. Um projeto inclusivo, tolerante, de um Governo eficiente, digno, com a intensa participação da iniciativa privada brasileira, do capital estrangeiro, do Estado e do trabalho. Suas metas utópicas, a se buscar com firmeza, prudência e pertinácia, devem ser:
a. aperfeiçoar a democracia para superar o sistema político oligárquico-plutocrático;
b. acelerar o desenvolvimento e desconcentrar a renda para superar a relação colonial de dependência;
c. promover a justiça social para vencer a barbárie;
d. promover a soberania nacional para livrar o Brasil da submissão abjeta ao Império”.
Pois bem, a primeira mega utopia já foi realizada. Conseguimos eleger Lula, comprometido com um projeto de futuro para o povo brasileiro; não para o “mercado”. Não para oligarquias atrasadas, rentistas e ideologicamente comprometidas com um modelo agrário-exportador.
Resta, agora, fazer o resto. O resto que o Brasil espera há mais de quinhentos anos, como identifica Samuel com seu rigor cartesiano.
Entretanto, o que mais me chamava atenção no pensamento de Samuel não era seu rigor analítico. Era sua paixão pelo Brasil.
Os seus textos exalavam uma fé inabalável no Brasil e um desprezo profundo pelos “vira-latas”, que sempre tentaram manter o país pequeno, dependente, periférico, atrasado.
Antes de ser diplomata e intelectual qualificado, Samuel era um grande patriota.
Patriota de verdade. Não patriota de camisa da CBF.
Era alguém profundamente comprometido com o povo brasileiro.
Alguém existencialmente comprometido com a utopia de um país soberano, desenvolvido, efetivamente democrático e justo.
Sobram poucos, muito poucos, como ele.
Com sua morte, a melhor parte do Brasil também morre um pouco.
Nunca mais o verei. Isso dói.
Mas sempre verei a clareza de suas ideias e seu luminoso amor pelo Brasil. Isso me conforta.
*Marcelo Zero é sociólogo e especialista em Relações Internacionais
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