Marcelo Zero: A democracia dos EUA e a imensa dívida atual que faria a crise de 2008 parecer passeio no parque
Tempo de leitura: 3 minA Democracia dos EUA e a Dívida
Por Marcelo Zero*
Um default, ainda que transitório, da imensa dívida dos EUA é algo impensável. Faria a crise de 2008 parecer um singelo passeio no parque.
Afinal, o sistema financeiro internacional gira (ainda) em torno do dólar e muitos países e muitas empresas depositam suas reservas nos títulos do Tesouro dos EUA.
Boa parte das reservas brasileiras, cerca de U$ 265 bilhões, segundo a última estimativa do Banco Central, está investida nos “treasuries”.
Entretanto, coisas antes impensáveis estão se tornando rotina nos EUA.
Até muito pouco tempo, a tentativa de golpe de Estado e a invasão do Capitólio eram fenômenos inimagináveis, nos EUA.
Ninguém sequer cogitava a hipótese de os EUA descerem ao nível de uma republiqueta de bananas. Mas o impensável aconteceu, ante um mundo chocado e incrédulo.
Agora, pela primeira vez na história, o Speaker da House é “demitido”, provocando uma séria crise política e institucional.
Na realidade, os EUA vivem uma espécie de crise política permanente desde a ascensão de Trump, que sempre questionou as instituições estadunidenses.
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Mesmo acusado de toda sorte de crimes, sua popularidade não para de crescer, e se consolida com atitudes e declarações cada vez mais agressivas contra o “establishment”.
E os republicanos continuam a ameaçar a administração de Biden com o fantasma da imposição do default, causando pânico nos mercados.
Pois bem, não há como deixar de tecer ilações entre essa crise política e institucional e a perigosa curva ascendente da dívida dos EUA.
Conforme bem destacou o New York Times em editorial recente (05-07-2023), os EUA estão “vivendo de dinheiro emprestado”.
Não se trata aqui de defender a ideia ridícula de que Estados não podem gastar mais do que arrecadam, como se fossem donas-de-casa. Podem. E, em muitas situações, como recessões e desacelerações econômicas, devem.
Com efeito, os empréstimos e gastos do governo são necessários para estimular a economia durante as recessões ou acelerar investimentos.
Ademais, os títulos do Tesouro dos EUA, seguros e líquidos, desempenham papel crucial para manter o sistema financeiro global.
Na década de 1990, alguns bons anos de crescimento econômico dos EUA e de redução dos seus gastos militares permitiram ao governo daquele país reduzir drasticamente o endividamento.
Ironicamente, isso provocou a reação adversa de banqueiros, os quais advertiram sobre as consequências negativas de uma “dívida federal muito pequena”.
Mas o problema atual está numa dívida muito grande e na sua trajetória de provável insustentabilidade de longo prazo.
Os Estados Unidos, advertem o NYT e muitos economistas, contraem hoje empréstimos pesados durante períodos de crescimento econômico para cumprir obrigações básicas e contínuas. É cada vez mais insustentável. Durante a próxima década, o Gabinete de Orçamento do Congresso prevê que os déficits orçamentais federais anuais ascenderão, em média, a cerca de 2 trilhões de dólares por ano (veja PS do Viomundo).
Se continuar nessa trajetória, a dívida dos EUA deverá ultrapassar 115 por cento do Produto Interno Bruto (PIB), em 2033, e atingir 181 por cento do PIB, em 2053. Assim, consequências adversas da dívida tornar-se-ão cada vez mais prováveis, nas próximas décadas.
De modo compreensível, os investidores estão começando a ficar desconfiados e apreensivos.
E é aí que entra a questão política.
A rolagem dessa dívida depende estreitamente da credibilidade do governo dos EUA. E tal credibilidade depende muito, por sua vez, da credibilidade e da estabilidade do sistema político estadunidense.
Ora, como afirmamos, o sistema político dos EUA, antes estável e previsível, tornou-se fonte de instabilidade permanente e crescente.
Ninguém consegue mais prever o que poderá acontecer. Depois da invasão do Capitólio, tudo é possível, nesse ambiente tenso, radicalizado e de fragilização institucional.
Ante tais circunstâncias, embora a probabilidade do default continue baixa, os EUA poderão ser forçados a conviver com taxas de juros mais altas, diminuição dos investimentos, crescimento reduzido, crises periódicas etc.
A obsessão geopolítica com o conflito na Ucrânia e com a “contenção” da China só complica o quadro.
O preço do ataque constante à democracia e às suas instituições poderá ser muito alto. Para os EUA e para o mundo.
*Marcelo Zero é sociólogo e especialista em Relações Internacionais.
PS do Viomundo: Artigo atualizado para correção do dado referente ao crescimento dos déficits orçamentários federais anuais dos EUA. O correto é 2 trilhões de dólares e não 2 bilhões, como estava originalmente. O alerta nos foi dado pelo leitor Edivaldo G. de Lima.
Leia também:
Jair de Souza: Os Estados Unidos e sua eterna democracia antidemocrática
Comentários
Zé Maria
Excertos e Adendos
“…os títulos do Tesouro dos EUA, [por enquanto (!)], seguros e líquidos, desempenham papel crucial para manter o sistema financeiro global.”
[Além de que o Dólar Americano (US$), por enquanto (!), é a Moeda-Padrão
das Transações Comerciais Internacionais.]
[Até agora, é o que sustenta o Nível de Reservas Cambiais dos EUA
e garante sua Dívida Astronômica.]
“…o sistema financeiro internacional gira (ainda) em torno do dólar e muitos
países e muitas empresas depositam suas reservas nos títulos do Tesouro
dos EUA.
Boa parte das reservas brasileiras, cerca de U$ 265 bilhões, segundo a última estimativa do Banco Central, está investida nos ‘treasuries’.
Entretanto, coisas antes impensáveis estão se tornando rotina nos EUA.”
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DayTrade
China pode explicar a derrocada dos Treasuries dos EUA
De abril a julho (o dado mais recente), os chineses se desfizeram
de US$ 40 bilhões em papéis do Tesouro dos EUA.
Hoje o gigante asiático detém US$ 822 bilhões em Treasuries
– sua menor posição desde 2009.
[ Brazil Journal, 3 de outubro de 2023 ]
Íntegra:
https://braziljournal.com/china-pode-explicar-a-derrocada-dos-treasuries-e-isso-seria-uma-ma-noticia/
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Gabriel
Ao pessoal responsavel pelas publicidades no site, ate quando vcs vão continuar a alimentar os bots…? abriram 5 links de pesquisa sobre a popularidade no bozo, so no link desta materia…
Redação
Gabriel, obrigada pelo alerta. Vou avisar a pessoa que cuida dessa área. Abraço
Patrício Filho
A guerra na Ucrânia é mais perigosa do que o Trump.
Dificilmente vão esmagar os russos.
Acho que o Biden tá numa enrascada.
Quem viver verá a história acontecer.
Edivaldo G. de Lima
Prezado Marcelo Zero.
Acredito que onde está escrito “em média, a cerca de 2 bilhões de dólares por ano.” na verdade seja “em média, a cerca de 2 trilhões de dólares por ano.”. Podemos pensar que “um milhão” seja o “grupo” de “mil pacotes de mil”, “um bilhão” como sendo “mil pacotes de um milhão cada” assim como, “um trilhão” a gigantesca quantidade de “mil pacotes, cada um com um bilhão”(!!!).
Edivaldo G. de Lima
Redação
Edivaldo, muito obrigada pelo alerta. Acabei de enviei a tua mensagem ao Marcelo Zero. Assim que ele retornar, posto aqui. Abraço
Redação
Prezado Edivaldo, vc está com toda a razão. O correto é ”cerca de 2 trilhões de dólares por ano”. Já corrigimos no artigo. Mais uma vez obrigada. O Viomundo e, em particular, o Marcelo Zero agradecem. Abraço
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