Juristas vão ao MPF contra jogo do Bolsomito: ”Estimula o ódio e naturaliza a violência contra negros, mulheres, LGBTs e movimentos sociais”
Tempo de leitura: 3 minpor Conceição Lemes
No começo, o fascismo é ‘’envergonhado’’; atua na surdina, e os adeptos, “recatados”.
Porém, aos poucos, sorrateiramente, vai saindo da surdina e se expondo aqui e ali.
Até que, sem o mínimo de pudor, é ostentado aos quatro ventos, como neste momento no Brasil.
Da sanha fascista nada escapa, nem mesmo um jogo eletrônico.
De instrumento de diversão vira arma de aniquilação, silenciamento e violência contra o outro.
É o caso do jogo Bolsomito 2k18 lançado dois dias antes do primeiro turno da eleição deste ano.
O personagem Bolsomito, inspirado no candidato a presidente Jair Bolsonaro (PSL), ganha pontos ao matar mulheres, negros, população LGBT e integrantes de movimentos sociais.
‘’O jogo avilta, agride, fere a dignidade da pessoa humana e estimula agressões, morte, o ódio e preconceitos’’, denunciam os advogados José Geraldo de Souza Júnior, Márcio Sotelo Felippe e Patrick Mariano em representação à procuradora federal Deborah Duprat.
‘’Ademais, incita à prática de crime o que é vedado pelo Código Penal Brasileiro’’, observam na ação (na íntegra, ao final). Crime de incitação está previsto no artigo 286 do Código Penal.
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José Geraldo é professor e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB).
Márcio Sotelo, ex-procurador-geral do Estado de São Paulo.
Deborah Duprat, da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal (MPF/PFDC).
Os alvos da ação são a BS Studios, por desenvolver o jogo, e a Steam, por difundi-lo.
A BS Studios descreve assim o jogo:
O jogo é inspirado no atual momento político brasileiro e tem como protagonista um cidadão de bem que está cansado da crescente corrupção e inversão de valores que abala a sociedade.
Seu objetivo principal é acabar com os líderes do temido exército vermelho, responsável por alienar e doutrinar grande parte da nação, para que defendam e lutem por suas causas terríveis.
No entanto, para chegar nos cabeças da organização, o Bolsomito deverá enfrentar diferentes grupos que tinham como missão defender o povo, mas hoje, nada mais são que marionetes do exército vermelho.
Matéria publicada pelo Jornal Folha de Pernambuco detalha um pouco o jogo:
Para ganhar pontos, o jogador deve matar a socos e pontapés militantes gays, feministas, negros, integrantes de movimentos sem-terra e black blocs, colocados como vilões no jogo.
Os “inimigos” viram emojis de fezes após serem eliminados. Na descrição, recomenda a BS Studios, o jogador deve estar “preparado para enfrentar os mais diferentes tipos de inimigos que pretendem instaurar uma ditadura ideológica criminosa no país”.
Tudo isso à base de “muita porrada e boas risadas”, descreve.
O objetivo principal do jogo, disponibilizado por R$ 9,90, é “acabar com os líderes do temido exército vermelho, responsável por alienar e doutrinar grande parte da nação, para que defendam e lutem por suas causas terríveis”, diz a página onde ele é hospedado.
‘’Esse jogo eletrônico estimula o ódio já demasiadamente presente na sociedade brasileira e naturaliza violência contra negros, mulheres, população LGBT e integrantes de movimentos sociais’’, denunciam os advogados.
Verdadeiro escárnio em cima de tragédias nacionais.
O Brasil é o país que mais mata LGBTs no mundo, um a cada 19 horas.
O número de trabalhadores rurais mortos por conflitos no campo saltou de 50 (em 2016) para 61 (em 2017), segundo o relatório anual da Comissão Pastoral da Terra (CPT), lançado em maio. Um aumento de 22%.
Nas áreas urbanas, em 2017, 5.012 pessoas foram mortas por policiais no País– 790 a mais que em 2016. A esmagadora maioria: jovem, pobre e negro.
Em relação às mulheres, os números são igualmente estarrecedores.
Diariamente, o Brasil registra, em média, 606 casos de violência doméstica e 164 estupros.
Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, esses dados representam 7,5% a 10% de casos, já que a taxa de subnotificação desses crimes contra as mulheres é alta.
São, portanto, apenas a ponta do iceberg. Estima-se que por ano devam ultrapassar 500 mil.
Antes que alguém diga a ação dos advogados fere a liberdade de expressão, José Geraldo, Sotelo e Mariano rebatem na representação:
(…) o game em questão ultrapassa qualquer limite quanto aos seus contornos constitucionais e legais.
A proposta do jogo é tão somente ridicularizar, ofender e estimular agressões e violência contra grupos os quais demonstra profundo desrespeito e ódio político.
Diante disso, pedem ao MPF desde já:
* Abertura de investigação pela prática do crime previsto no artigo 286 do Código Penal.
* Oitiva da BS Stúdios e da plataforma Steam.
* Retirada imediata desse do jogo da internet.
“O fascismo se infiltra tanto mais nas mentalidades quanto mais ele se disfarça num simbólico inocente, um jogo’’, explica o professor José Geraldo.
‘’A violência é mais grave quando ela se disfarça numa aparência de não violência, a simulação”, alerta.
‘’A democracia e a constituição são mais agredidas quando são atingidas pelo disfarce da falsa liberdade de expressão’’, afirma.
‘’Por isso não basta resistir, protestar, devemos agir e afastar qualquer forma de contrafação, toda agressão a democracia e a constituição’’, salienta o professor José Geraldo.
“Com o fascismo não se transige, não há diálogo e não há complacência. O fascismo se destrói’’, arremata Marcio Sotelo.
Representação contra Bolsomito by Conceição Lemes on Scribd
Comentários
Julio Silveira
Quando na ultima instancia judicial um sujeito “importante” afirma que não houve golpe militar, que foi revolução, rsrsrs (mas do tipo que o povo é obrigado a aguentar por força das armas sequestradas do estado Rsrsrs) ter esperança de justiça equilibrada é utopia.
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