Investigadores da UFABC pedem a Maringoni, Pomar e Romano que dedurem servidores que participaram do lançamento do livro de Lula

Tempo de leitura: 7 min

por Conceição Lemes

Gilberto Maringoni, Valter Pomar e Giorgio Romano são professores de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC).

Nessa terça (24/07), os três foram surpreendidos com a notificação de que são alvo de uma Comissão de Sindicância Investigativa aberta pela Corregedoria da instituição.

Motivo: participação deles no lançamento  do livro A verdade vencerá, que traz uma longa entrevista com ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva feita pelos jornalistas Ivana Jinkings, Juca Kfouri, Gilberto Maringoni e Maria Inês Nassif.

Os três receberam este e-mail enviado às 23h30 de segunda-feira pelo professor Daniel Miranda (os negritos são desta repórter):

Fomos designados para conduzir os trabalhos da Comissão de Sindicância Investigativa nº23006.001375/2018-70.

Essa comissão originou-se de denúncia anônima encaminhada à Corregedoria desta Universidade pedindo esclarecimento acerca do evento do lançamento do livro A verdade vencerá realizado nas dependências da Fundação Universidade Federal do ABC.

De acordo com as normas que regem as sindicâncias, é necessário manter discrição sobre os documentos e informações que constam nos autos do processo, tendo em vista sua tramitação com visualização restrita aos interessados.

De modo a podermos esclarecer os fatos, pedimos que sejam respondidos os seguintes questionamentos preferencialmente até quinta feira dia 26/07/2018.

1- O senhor participou da organização do evento A verdade vencerá, realizado nas dependências da Fundação Universidade Federal do ABC?

2- É de seu conhecimento quais pessoas participaram da organização do evento A verdade vencerá, realizado nas dependências da Fundação Universidade Federal do ABC? Poderia dizer o nome de outros organizadores?

3- Quais foram os objetivos da organização de tal evento?

4- A realização do evento foi autorizada por algum servidor? Se sim
por quais?

5- O uso do espaço da UFABC (sala, anfiteatro,etc.) foi autorizada por algum servidor? Se sim por quais?

6– Houve venda de livros durante o evento?

5- A venda de livros foi autorizada por algum servidor? 

7-Durante o evento houve apologia ao crime?

8- Durante o evento ocorreram manifestações de apreço por parte de servidores em horário de serviço a favor de Lula e partidos de esquerda?

9- Durante o evento ocorreram manifestações de desapreço e contra o Presidente Temer e integrantes do poder judiciário-MP?

Vamos partes.

Em se tratando de um professor universitário,  o autor da mensagem deveria ter revisado o texto para, ao menos, evitar repetição do item 5.

Isso é pelo em ovo, diriam alguns.

OK. Tudo bem.

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Mas macartismo à brasileira, versão 2018, não!

Não dá para relevar. Nenhum milímetro.

Comissão de sindicância para investigar professores remete à ditadura militar.

Absurdo e abuso dignos dos anos de chumbo.

Uma denúncia anônima, como fazem os covardes.

Quanto ao anonimato, os que convidaram Kim Kataguiri, do MBL ( Movimento Brasil Livre), para fazer  palestra na UFABC, talvez possam ajudar.

O mais espantoso é o reitor Dácio Roberto Matheus ter aprovado a sindicância  com base numa denúncia anônima e professores  — por ora só se conhece o nome de Daniel Miranda — toparem participar, fazendo o serviço sujo.

As perguntas escancaram o viés ideológico.

Para piorar, os investigadores não querem apenas saber da participação no evento de Maringoni, Giorgio e Pomar, que, por sinal, não foi nem participou da organização.

Ao pedir nomes de servidores que teriam participado do lançamento do livro (releia as perguntas 4 e 5), propõem a alcaguetagem.

Se a censura numa universidade atenta à liberdade de expressão, à  autonomia universitária e a direitos constitucionais, pedir a deduração é ignóbil. Comportamento típico de ratos.

Em nota (na íntegra, ao final), a diretoria da Associação dos Docentes da UFBAC (ADUFABC) critica o denuncismo acobertado pelo anonimato:

Mesmo se tratando de uma Comissão de Sindicância Investigativa, a ADUFABC considera que estamos diante de uma situação grave que extrapola os procedimentos burocráticos e administrativos, constituindo uma ameaça à liberdade acadêmica e aos direitos políticos constitucionais, uma demonstração dos riscos de perseguição política e assédio moral envolvidos no denuncismo acobertado pelo anonimato, sem falar no desperdício de recursos humanos e materiais.

MARINGONI: ATOS DESSE TIPO SÃO ABSOLUTAMENTE INACEITÁVEIS

Gilberto Maringoni integra o Conselho Universitário da UFABC. Ontem, após falar numa reunião excepcional do Conselho,  o professor resumiu assim o que disse aos colegas:

“O tema entrou apenas com minha intervenção. Enfatizei o absurdo da situação, que vai contra até mesmo o Manual de procedimentos administrativos da CGU (que só admite a instauração de sindicância a partir da apuração prévia dos fatos), cria um clima péssimo na situação política atual, não apresenta denúncia concreta e envenena o ambiente acadêmico.

Não há fato determinante claro. E falei que atos e iniciativas desse tipo são absolutamente inaceitáveis”.

ROMANO: NÃO ADIANTA, A VERDADE VENCERÁ

O professor Giorgio Romano postou na sua página no Facebook:

Não era minha intenção dar muita visibilidade externa a este caso (que é só um entre vários!), mas já que está circulando livremente compartilho mais esse capítulo da série “O macartismo nas universidades federais brasileiras no século XXI”.

Poderia ser também ” A covardia solta”, porque no nosso caso não tem nomes: são denúncias anônimas. Se eu pudesse incluir no Lattes os processos que abriram ou tentaram abrir contra a minha pessoa, já poderia pedir promoção :)

Não é só intimidação, mas deve ser entendido no contexto do processo de desestruturação das universidades federais e da carreira docente.

Não adianta, a verdade vencerá: estou simplesmente contribuindo com a construção de uma universidade livre, pública, plural e de ponta. E continuarei fazendo.

Um detalhe engraçado é que meu colega Valter Pomar não participou da organização nem sequer estava presente no evento. Mesmo assim entrou no processo.

Quando o bicho tá solto, não há limites.

POMAR: EM TEMPOS DE GOLPE, DEFENDER AS LIBERDADES DEMOCRÁTICAS É UM “CRIME”

O professor Valter Pomar foi o primeiro a se manifestar.

No meio da tarde dessa terça-feira, esta mensagem dele já estava circulando em vários grupos de zap:

Ao chegar na Universidade, nesta terça-feira 24 de julho às 08h da manhã, encontrei a mensagem abaixo na minha caixa de mensagem.

Imagino que deva ser uma piada, uma pegadinha. Pois simplesmente não é crível que alguém faça uma denúncia anônima, cite meu nome, se instale uma comissão de sindicância, eu seja instado a responder um questionário-interrogatório e ainda seja sugerido que eu mantenha sigilo sobre a coisa toda.

Desde quando o método da denúncia anônima é cabível para situações desse tipo? Evento público, lançamento de um livro, debate político, nada disto integra a lista de motivos que justificariam a existência, para algumas situações muito especiais, do anonimato do denunciante. Aceitar que situações corriqueiras sejam tratadas com este método, conduziria a naturalizar práticas características de ditaduras e seus inquéritos policial-militares. Aliás, nos IPM também havia perguntas assim: “poderia dizer o nome de outros organizadores?”

Como não poderia faltar numa pegadinha deste tipo, há questões bizarras como: “Durante o evento ocorreram manifestações de apreço por parte de servidores em horário de serviço a favor de Lula e partidos de esquerda? Durante o evento ocorreram manifestações de desapreço e contra o Presidente Temer e integrantes do poder judiciário-MP?”

Ou seja: servidores “em horário de serviço” não poderiam manifestar “apreço” pelo presidente da República diretamente responsável pela criação da Universidade Federal do ABC; não poderiam manifestar “apreço” por partidos de esquerda (e se fossem de direita, poderiam?); não poderiam manifestar “desapreço” pelo presidente que está cortando verbas da educação; não poderiam manifestar “desapreço” por servidores públicos que estão atropelando a Constituição com fins políticos partidários.

Se não fosse uma pegadinha, eu acharia que a correta impessoabilidade do serviço público está sendo confundida com censura ao direito de opinião dos cidadãos.

Outro sinal de que se trata de uma pegadinha é perguntar se durante o evento houve “apologia ao crime”. Deve ser uma maneira irônica de demonstrar que, em tempos de golpe, defender as liberdades democráticas previstas na Constituição de 1988 é um “crime”.

E por falar nisso: não sou organizador do evento, não estive presente ao evento e não sou autor da obra em questão. Mas pelo visto devo integrar alguma lista de “suspeitos de sempre”. No passado, quem fazia parte desta relação era preso regularmente para investigação, a qualquer pretexto e hora. Agora, em tempos de lawfare, tais pessoas são chamadas a responder a processos. Entretanto, espero que neste caso seja apenas e tão somente uma pegadinha.

Atenciosamente

Valter Pomar

A CARTA PÚBLICA DA DIRETORIA DA UFABC À REITORIA

Ao Reitor Dácio Roberto Matheus,

A diretoria da Associação de Docentes da Universidade Federal do ABC vem por meio desta carta pública solicitar, com a máxima urgência, uma reunião para tratar das implicações decorrentes da Comissão de Sindicância Investigativa nº 23006.001375/2018-70.

Essa comissão tem origem em denúncia anônima encaminhada à Corregedoria da UFABC, acerca do lançamento do livro “A verdade vencerá”, evento realizado dia 18 de abril de 2017, no auditório 5 do bloco Beta do campus São Bernardo do Campo.

Três professores, todos filiados a esta Associação, receberam através de seus correios eletrônicos correspondência em que se pede que respondam, preferencialmente até o dia 26 de julho, aos seguintes questionamentos:

1- O senhor participou da organização do evento A verdade vencerá,
realizado nas dependências da Fundação Universidade Federal do ABC?

2- É de seu conhecimento quais pessoas participaram da organização do evento A verdade vencerá, realizado nas dependências da Fundação Universidade Federal do ABC? Poderia dizer o nome de outros organizadores

3- Quais foram os objetivos da organização de tal evento?

4- A realização do evento foi autorizada por algum servidor? Se sim
por quais?

5- O uso do espaço da UFABC (sala, anfiteatro,etc.) foi autorizada por algum servidor? Se sim por quais?

6- Houve venda de livros durante o evento?

5- A venda de livros foi autorizada por algum servidor?

7-Durante o evento houve apologia ao crime?

8- Durante o evento ocorreram manifestações de apreço por parte de
servidores em horário de serviço a favor de Lula e partidos de
esquerda?

9- Durante o evento ocorreram manifestações de desapreço e contra o Presidente Temer e integrantes do poder judiciário-MP?

Mesmo se tratando de uma Comissão de Sindicância Investigativa, a ADUFABC considera que estamos diante de uma situação grave que extrapola os procedimentos burocráticos e administrativos, constituindo uma ameaça à liberdade acadêmica e aos direitos políticos constitucionais, uma demonstração dos riscos de perseguição política e assédio moral envolvidos no denuncismo acobertado pelo anonimato, sem falar no desperdício de recursos humanos e materiais.

Neste sentido, solicitamos à reitoria uma reunião em que pretendemos apresentar não apenas nossa posição a respeito, mas também demandar medidas que evitem esse tipo de situação.

Aproveitamos para informar que recomendamos a nossos afiliados que não respondam ao questionário; e que convocamos, para a próxima semana, um debate sobre o tema.

Cordialmente,

Maria Caramez Carlotto

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Comentários

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Eduardo

Pobres mentais! O desespero ideológico leva o homem a atos deploráveis, cabiveis apenas aos insanos! Oh Deus, tenha misericórdia dos covardes, dos pobres de espírito e dos vazios de alma!

Terradeimbecil

E ainda tem gente achando que o nazi-facismo só chegará aos poderes depois que algum Boltanato for eleito

AAm1945

O termo é PUSILÂNIMIDADE.
Fraqueza Moral , Covardia, POLTRÂO é o que movem algumas pessoas a fazerem este tipo de denuncia, mas A IMBECILIDADE, esta sim é a ação de quem aceita e e dar vez ao movimento anterior e dar corda para estes procedimentos.
Poxa, lembro agora so podemos estar estamos falando de um a faculdade de MERDA , explico:
Professores, alunos e funcionários Imbecis aceito que são inevitáveis que existam como uma minoria , até mesmo para termos momentos de uma boa galhofa da cagadas que fazem.
Entretanto,denuncia anonima, carta interrogatório:? essa PUSILANIMIDADE é inadmissível em uma academia, veja entaum , VOU DEFENDER UMA TESE , MAS ANONIMAMENTE. Putz! é o fim da picada! então me desculpem mas a escolinha do Professor Raimundo ai é uma MERDA na minha opinião.

Luiz Carlos Gorniack

Há de sermos firmes contra essa onda fascista que está querendo se impor no país. Qualquer voz dissonante que defenda a democracia, o estado de direito, a constituição federal, a soberania e a população deste país é simplesmente “colocada na cruz”. Não podemos permitir isso. Estive na UFABC, comprei o livro e não vi problema nenhum nisto. Fosse livretinho do FgagáC ou outro fascista da moda, todos ficariam em silêncio.

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