Para compreender melhor o Irã
Muito se tem falado sobre direitos humanos no Irã. O caso de Sakineh Ashtiani, presa em maio de 2006, acusada de adultério e envolvimento no assassinato do marido, levantou uma onda de protestos.
Por Marcia Camargos, na Folha de S. Paulo, via Vermelho
Ora, por mais abominável que seja sua condenação à morte por lapidação, comutada para forca ou prisão perpétua, é preciso notar como a mídia se mostrou tão indignada perante essa pena, mas complacente com as execuções nos Estados Unidos e cega diante das graves violações na Arábia Saudita, nos Emirados Árabes, no Egito e em outras nações aliadas do Ocidente.
Isso sem mencionar Guantánamo e Abu Ghraib, os ilegais “assassinatos dirigidos” e os mais de 7.000 prisioneiros políticos mantidos pelo Estado de Israel, inúmeros dos quais como “presos administrativos”, sem acusação formal ou processo na Justiça.
Na esteira do endosso ao isolamento do Irã, a imprensa tampouco informa sobre a resistência interna.
Dela participam clérigos não vinculados ao governo, que pregam uma reforma no sistema legal dentro das normas do islã. De acordo com Shirin Ebadi, advogada iraniana e Prêmio Nobel da Paz, o apedrejamento tem sido criticado, há tempos, por uma série de juristas islâmicos, notadamente o aiatolá Yousef Saanei.
Para além da falta de divulgação da dissidência no Irã, o fato é que a retórica de guerra dos Estados Unidos e da Europa, bem como sanções aprovadas pelo Conselho de Segurança da ONU, atrapalha o avanço do movimento de contestação ao regime.
Ao não dar voz aos que lutam por mudanças no âmbito doméstico, transmite-se a ideia de que a solução passaria por uma pressão ou “castigo” da comunidade internacional. Por trás disso esconde-se a noção colonialista de que os iranianos precisam do Ocidente para seu bem-estar e proteção.
Nesse contexto, a propaganda em torno de Sakineh ganha uma importância estratégica mundial, no sentido de convencer a opinião pública a enxergar com olhos favoráveis um eventual ataque ao Irã.
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Qualquer tipo de sanção, porém, está fincada em razões econômicas, e não em questões humanitárias. Na verdade, diz respeito ao programa nuclear iraniano, cuja origem é igualmente “esquecida” pela mídia. Cabe lembrar que ele surgiu no final da década de 1950 e só passou a ser combatido após a substituição do governo colaboracionista do xá Reza Pahlavi pelo do aiatolá Khomeini, em 1979.
Antes disso, o país, que comprava combustível nuclear dos EUA, ergueu em 1967 seu primeiro Centro de Pesquisas Nucleares de Teerã e planejou a construção de até 20 usinas nucleares por orientação do Stanford Institute, indicando a necessidade de produzir 20 mil megawatts de energia atômica até 1994.
A partir da Revolução Islâmica, os Estados Unidos suspenderam o apoio, barraram a cooperação com empresas francesas e alemãs e impediram acordos com China, África do Sul e Argentina, alegando que o programa tinha finalidade bélica.
No entanto, os inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica, que monitoram o Irã desde 2002, não encontraram evidência da sua capacidade iminente de produção de armas nucleares.
Conclusão semelhante não impediu a invasão do Iraque.
* Marcia Camargos é jornalista com pós-doutorado em história pela USP e autora do livro “O Irã sob o Chador”, relato da sua viagem ao país em 2008.
Comentários
Marcelo
Bom artigo, contudo, saindo do assunto, a jornalista Marcia Camargos perdeu algum crédito comigo por minimizar o preconceito racial de Monteiro Lobato, qualificando tudo de paranóia politicamente correta e por aí vai, não querendo ver o óbvio. Esquecendo que contextualizar autor e obra não significa demonizá-lo ou caso de censura. Algo estranho para uma doutora em história… Talvez por estar envolvida na nova edição da obra de Lobato pela Editora Globo, algo tenha pesado… No caso das "Caçadas de Pedrinho" ela só fez algumas observações sobre meio ambiente na introdução do livro. Bem esta opinião, não sei os outros leitores… Mas é só isto, no geral ela é uma excelente autora.
Luca K
Ótimo artigo de Márcia Camargos! Até me surpreende q tenha saido na Folha. Meu pai assina este jornal e eu leio com certa frequência. Posso afirmar q de maneira geral o tom do material na Folha relativo ao Irã é quase sempre bem hostil. O artigo toca em vários aspectos importantes praticamente nunca mencionados pela grande mídia. Brevemente tocarei em 2 pontos; um, a resistência interna a qual o artigo faz menção, foi manipulada e alimentada pelos EUA e Israel objetivando mudança de regime. Aliás, a CIA e os britânicos na década de 50 destruiram a democracia parlamentarista iraniana após o primeiro ministro Mossadegh passar lei q nacionalizaria a Anglo Iranian Oil Company, atual BP. Após uma série de medidas abusivas britânicas falharem em dissuadir o governo iraniano, a CIA entrou em cena e nos bastidores orquestrou o golpe q derrubaria Mossadegh. Em seu lugar os americanos colocaram Reza Pahlavi. A tirania de Pahlavi terminou por levar a revolução islâmica e ao atual regime.
O segundo ponto é o tom cada vez mais belicoso da política externa estadunidense para com o Irã a partir do governo de Bush filho e mantido pela administração Obama. Em que pese a raiva dos americanos com o sucesso da revolução islâmica e a política de hegemonia e empire-building pós guerra fria, um componente fundamental e decisivo da agressividade americana no caso do Irã são os Sionistas americanos operando em conjunto com Israel. A primeira vítima foi o Iraque. A idéia se originou dentre os chamados "neo-conservadores", cujos principais "pensadores" são judeus sionistas, de alterar completamente o mapa do Oriente Médio, pelo menos com relação aos países vistos como inimigos de Israel. Charles Krauthammer foi o principal mentor "intelectual" desse "brilhante" plano, no mundo unipolar criado pela queda da URSS. Esses caras chegaram ao poder com força no governo de Bush filho e foram os grandes responsáveis pela invasão ao Iraque. São eles Wolfowitz, Feith, Perle, Elliot Abrams, Abram Shulsky e vários outros, bem como os cristão-sionistas Dick Cheney e D.Rumsfeld. Imaginaram que a luta no Iraque seria uma moleza e pretendiam novas guerras contra Líbano, Síria e Irã, com o Irã sendo o principal e mais importante alvo. É de longe o mais forte destes países. São os sionistas, fortemente infiltrados nos vários escalões do governo americano, os que mais buscam um ataque militar contra o Irã. A guerra do Iraque não foi uma guerra por petróleo, foi sim em grande medida uma guerra por Israel, assim como, caso venha a ocorrer, tb a guerra contra o Irã.
mariazinha
É verdade, querido. Um ótimo artigo, revelador e triste, ao mesmo tempo.
Parabéns tb. para VC, por sua clarividência e seu espetacular estilo de escrever, limpo e conciso.
Abração.
Luca K
Cara Mariazinha, obrigado pelas flores! ;)
Abraços,
Luca
Julio Silveira
O Que move o ocidente contra o Irã é apenas interesse nas potencialidades deste País, e ai serve qualquer pretexto desde os mais hipocritas até os mais vís.
E o pior tem gente que é comprada pela propaganda, até subliminar, que não percebe isso, por sequer conhecem seus idolos de pés de barro.
Smpre que vejo essa história associo com aquele grupo de adolescentes valentões que se unem para tomar a merenda, ou o dinheiro, do mais jovem ou mais fraco da turma. É a cultura da gang levada ao extremo.
Michael Cerqueira
Excelente texto!
Aliás adorei o botão de share no facebook!
ZePovinho
Nós já dissemos,aqui,que os EUA fazem de tudo para controlar os recursos naturais dos outros países.Um exemplo terrível é o Kosovo,Estado criado pelos EUA por causa de um oleoduto que vem do Mar Cáspio e que passa por lá.Para protegê-lo,construíram Camp Bondsteel-a maior base do mundo com 7000 militares.
Para manter tudo isso,colocaram no poder uma gangue de traficantes de órgãos humanos,armas e drogas.O El País mostra o modo de operação dos EUA em conluio com bandidos: http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/europa-a…
Um relatório do Conselho da Europa revela o assustador modo de operar da rede de venda de órgãos organizada no final dos anos noventa. O atual primeiro-ministro kosovar, Hashim Thaci, estaria envolvido.
Aqui você conhece as atrocidades dos amigos dos EUA no Kosovo(cenas fortes):
http://www.voltairenet.org/article167985.html
Washington’s “humanitarian” war and the KLA’s crimes
by Paul Mitchell , Chris Marsden
Revelations of fascistic crimes carried out by the Kosovo Liberation Army (KLA) prior to, during and after NATO’s war against the former Yugoslavia should provide a salutary lesson whenever Washington again cites humanitarian concerns to justify its predatory war aims. A new report prepared by Swiss Council of Europe deputy Dick Marty slams Kosovo leader Hachim Thaci for organ trafficking and other abominable crimes, deftly shaded by the U.S. in pursuit of their own self-interests.
Aqui você entenderá porque os EUA apóiam esses bandidos e assassinos:
http://resistir.info/europa/kosovo_18fev08_p.html
Kosovo: A independência, na Admirável Nova Ordem Mundial, de uma colónia da OTAN
por Diana Johnstone [*]
18/Fevereiro/2008
Neste último fim-de-semana, a máquina de propaganda ocidental andou a fazer horas extraordinárias, festejando o último milagre da NATO: a transformação do Kosovo sérvio no Kosovo albanês. O território vergonhosamente ocupado pelos Estados Unidos, que se serviu do problema do Kosovo para instalar uma enorme base militar (Camp Bondsteel) num território estrategicamente posicionado, pertencente a outras pessoas, está transformado pelo poder dos meios de comunicação numa lenda fabricada de "libertação nacional".
Para os poucos infelizes que conhecem a complexa verdade acerca do Kosovo, parecem mais apropriadas as palavras de Aldous Huxley: "Vocês vão ficar a saber a verdade, mas a verdade vai dar cabo de vocês".
No que se refere ao Kosovo, a verdade é como as palavras escritas na areia quando o tsunami da propaganda chega de rompante. A verdade está acessível – por exemplo, no artigo cuidadosamente informativo de George Szamuely da passada sexta-feira, no CounterPunch. Por vezes também aparecem fragmentos da verdade nos meios de comunicação predominantes, normalmente em cartas de leitores. Mas como é impossível remar contra a maré que oficialmente patrocina a lenda, vou examinar apenas uma gota deste imparável mar de propaganda: uma coluna de Roger Cohen intitulada "O novo Estado da Europa", publicado na edição do Dia de S. Valentim no International Herald Tribune.
ZePovinho
http://www.voltairenet.org/article166276.html
Quem tem medo do programa nuclear civil do Irã?
por Thierry Meyssan*
Para Thierry Meyssan, o debate sobre a alegada existência de um programa nuclear militar iraniano não é senão uma cortina de fumaça. As grandes potências interromperam sua transferência de tecnologia ao Irã desde a queda do Xá e a revolução islâmica condenou o princípio da bomba atômica. As suspeitas ocidentais alegadas são apenas manobras para isolar um Estado que não aceita a dominação, militar e energética, das potências nucleares, e ao direito de veto exercido pelas mesmas potências no Conselho de Segurança da ONU.
@Doradu
Parabéns, é preciso apoiar os de casa (do Irã) para q eles consigam redemocratizar o Irã sozinhos, e, se com ajudas, q sejam só ajudas e não intervenções
Tomudjin
Mais assustador do que o terrorismo, só mesmo o pânico que ele provoca. Com o pânico, é possivel se obter, da opinião pública, o direito de invadir outro País e, junto com a meia duzia desses "prováveis" terroristas, tomar posse de outras riquezas; não só as materiais, como também, e não menos importantes, as históricas.
Gilson Raslan
Governo americano defendendo direitos humanos e a democracia no Irã? Piada de mau gosto.
Por quê não fecha Guantânamo? Que democracia existe na China, na Arábia Saudita e em outros países árabes?
O governo americano pensa que o restante da população do mundo é tão idiota quanto os próprios americanos, que acreditam em tudo que a mídia de lá publica.
eugenioissamu
Gostaria de saber o que o Maierovitch acha deste magnífico texto. Eu adoro o Maierovitch, mas esta defesa que ele faz a Liu Xiaobo e a Sakineh Ashtiani, EU discordo, pois a MOEDA tem COROA e CARA. E o LUAR também CLAREIA a LAMA.
Jorge
Ou seja, os EUA precisam do óleo e querem sempre dar em troca suas mercadorias; eles perderam a boca de "troca de mercadorias" no Irã com a queda de Reza Pahlevi. De fato naqueles tempos, vendiam toda e qualquer tecnologia de seu interesse e muito, muito armamento a ponto de até quebrar o equilíbrio da região.
Hoje, outro caso que considero típico do sistema americano de trocas(lógico que sempre com ganhos deles) é o caso da Venezuela. Nos bons tempos, a Venezuela sempre foi um local onde PDVSA e seus corruptos sempre compraram equipamentos dos EUA sem precisarem realmente; lógico que os "PDVSA bosses" descolavam uma por fora; o óleo fluia rumo ao Norte e mercadorias vinham para o Sul e muitos dos caciques e laranjas da PDVSA (quase um estado dentro do estado) montavam seus negócios de exploração dos cidadãos. Hoje o óleo ainda flui para o Norte, a diferença é que no retorno tem que vir o que a Venezuela quer ou precisa.
felipe augusto
Para quem tem interesse é interessante assistis o documentário "Irã não é o problema" (Iran is not the problem). Em supra o doc faz duras críticas ao nefasto regime do Khamenei, mostra com clareza o que só bobo e cego não vê, que o Ahmadinejad não manda em nada, e toda imundice dos estadonidenses em relação ao país e seu povo.
http://docverdade.blogspot.com/2010/06/o-problema…
monge crédulo
Por isso não podemos retroceder. Temos que ir em frente..
Só que não há como parar a USA, que continuará a desinformar e atacar moralmente
o Irã. Se o povo americano não fosse estúpido, talvez pudessem mudar o sentido da
política externa ianque. Porém o temor de uma "investigação" faz com que americanos
até alaudam os crimes de seu país. Os mais inteligentes e livres, com um aperto no
coração. Nada mudará ali; só um enfrentamento; mas…………………………..
Elton
Para o PIG o raciocínio é o seguinte: Se acontece no Irã não presta!!! Mas se este país fosse aliado dos EUA (como o foi até 1979) seu governo poderia fazer o que quisesse que teria apoio incondicional!
@Doradu
isso mesmo
Luca K
Na mosca!!
;-)
Nadraas
Parabens a jornalista por remar contra a corrente tendo a coragem de denunciar o óbvio ululante
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