Jorge Souto Maior: Crise da USP, a cartada final

Tempo de leitura: 3 min

Marco Antonio Zago e João Grandino Rodas, respectivamente, atual e ex-reitor da USP

Democratização  versus privatização da USP, a cartada final

por Jorge Luiz Souto Maior

A atual reitoria da USP propôs, desde o início de sua gestão, uma retenção de gastos, que culminou com a redução dos salários de servidores e professores, conforme restou definido na semana passada, com repercussão na UNICAMP e na UNESP.

Diz-se que não será concedido um reajuste, mas como este serve para recompor o poder de compra do salário, com reajuste de 0% o que resulta é, efetivamente, corrosão do salário da ordem mínima de 5,20%, que corresponde à inflação medida pela FIPE no período dos últimos 12 (doze) meses.

Tenta-se justificar a medida como forma de regularizar a situação financeira da Universidade, que foi conduzida ao caos pelos desajustes provocados pela gestão anterior. Não vou, por certo, defender o antigo Reitor, porque não teria razão alguma para tanto, mas não me parece correto debitar apenas a ele os problemas orçamentários da USP, sendo certo, ainda, que não traz benefício algum para a instituição ficarem os Reitores acusando-se mutuamente em artigos publicados na grande mídia, sobretudo porque ambos, e outros, estão integrados a um mesmo projeto.

O debate público instaurado visa a inibir a compreensão de que o reajuste zero está ligado, de fato, ao percurso histórico em prol da privatização da Universidade, contra o quê, aliás, uma luta intensa vem sendo travada desde 2001, quando estudantes, em protesto contra a possibilidade de aprovação de uma Regulamentação que ampliaria, ilimitadamente, o recurso às fundações, ocuparam a Reitoria e, depois, adentraram a sala do Conselho Universitário, tendo obtido, à época, a suspensão da regulamentação.

A última cartada é a de, enfim, dizer abertamente que o dinheiro público não suporta as contas da Universidade, abrindo a porta para a inserção de financiamento privado e fazendo-o de tal modo que seja possível buscar apoio, inclusive, entre os próprios servidores e professores, tendo sido estes conduzidos à pressão do fantasma da “redução salarial”.

Mas há um dado ainda mais relevante de continuidade a ser considerado: o da falência democrática, que é revelado, inclusive, na própria manifestação do presente Reitor, que era pró-Reitor na gestão anterior, de que “o conhecimento pleno do cenário orçamentário da universidade restringia-se a poucas pessoas, entre as quais não estavam incluídos os pró-reitores e a grande maioria dos dirigentes da USP”[1].

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Ora, se os próprios pró-reitores e a grande maioria dos dirigentes, conforme exposto na fala do atual Reitor, não tinham conhecimento do cenário orçamentário da USP, que dizer, então, de todos os demais integrantes da Universidade!

Essa sua fala, que pode ser vista com ressalvas, no mínimo impõe o reconhecimento de que a USP, como várias outras instituições no Brasil, precisa se democratizar. Tendo o Reitor ciência dos gastos anteriores, ou não, o concreto é que tudo se passou ao largo de qualquer discussão com a comunidade acadêmica, a qual, ademais, já vinha há muito denunciando o problema da falência democrática e lutando contra ela.

A ausência de espaços de discussão e de deliberação coletiva, em que se possibilite a efetiva participação das pessoas que integram a instituição, o que é ainda mais grave quando se trata de uma instituição pública voltada ao ensino, é o que fundamenta a crise da USP.

Os últimos passos dados em direção da privatização, quais sejam, o sucateamento das contas e o reajuste zero, estão sendo impostos à comunidade uspiana, a qual se vê, literalmente, impelida à greve.

Mas há outra partida em disputa, que é antecedente e primordial: a da democratização. Nesta, a carta posta na mesa traz inscrita a confissão, acima mencionada, do atual Reitor, sendo certo, ainda, que deve ter por base o reconhecimento do direito de greve de servidores e professores, aqui tratados pela expressão real de trabalhadores, como instrumento legítimo de sua luta pelo recebimento de justa remuneração e pela defesa do ensino público de qualidade.

É por esses motivos que os trabalhadores da USP, com apoio fundamental dos estudantes, a partir de dia 27 de maio de 2014, entraram em greve por prazo indeterminado.

São Paulo, 27 de maio de 2014.

Jorge Luiz Souto Maior é professor livre-docente da Faculdade de Direito da USP.

[1]. Orçamento e responsabilidade. Jornal Folha de S. Paulo, Ed. De 26/05/14, p. A-3.

Leia também:

Antônio David: Ex-reitor da USP falta com a verdade

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Comentários

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Julio Silveira

Esses tucanos. Eles não tem jeito.
Mas fazer o que? Se a pauliceia desvairada curte e da carta branca para esses bicudos.

FrancoAtirador

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A USP, mais que uma Instituição Estadual de Ensino Superior de São Paulo,

é um verdadeiro Patrimônio Intelectual e Cultural Nacional Brasileiro.

Pois o Governo do PSDB quer privatizar a Universidade de São Paulo (USP).


    Fernando Garcia

    Desculpa Franco, mas desta vez sua intervenção se assemelha mais a do “soldado raso” que atira para todos os lados do que com sua habitual precisão na pontaria.

    Não há qualquer grupo politicamente relevante junto a intelectualidade do PSDB que realmente queira privatizar a USP. Simplesmente porque não há necessidade. A USP já é elitista o suficiente. É sim “patrimônio intelectual” do povo brasileiro e, como tal, carrega todos os vícios e virtudes associadas.

    É, essencialmente, uma instituição reacionária. As vezes segue pela esquerda, as vezes pela direita, mas o norte é sempre pela continuidade do que existe. Mudar qualquer coisa é praticamente impossível e demanda uma enorme energia. É talvez a universidade mais velha do mundo, embora tenha menos de um século de existência. Sacou? É cheia de contradições…

    Sobre o texto: botar Zago e Rodas no mesmo saco é de uma ignorância (ou seria esperteza?) enorme. As benesses distribuídas por Rodas jamais foram questionadas pela comunidade. Um ou outro diretor foi voto vencido nas reuniões sobre o orçamento da Universidade mas, no grosso, o que aconteceu na USP é apenas um dos vícios de nosso “patrimônio intelectual”.

    Mário SF Alves

    Perfeita a análise.
    Só discordo da figura de linguagem empregada em relação ao valoroso Franco. No mais, concordo com o Silas, e, de fato, a ideia de federalização da USP pode ser uma excelente ideia. E aproveitando seu entendimento, tudo iria depender de consolidarmos ou não um outro Norte.

    FrancoAtirador

    .
    .
    Cara, aqui já não se trata mais de desestatização no sentido figurado.
    Nesse aspecto, aliás, a USP pouco difere das demais Universidades Públicas Brasileiras.
    Reitores e professores reacionários existem em todas [vide Marco Antonio Villa na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), apenas como exemplo paradigmático].

    O que está se colocando e delineando, agora, é a Literal Privatização da USP.

    Fatos concretos declaram e corroboram que historicamente os Governos Tucanos sempre agiram dessa forma:

    (http://www.aloysiobiondi.com.br/spip.php?article725)
    .
    .
    No mais, concordo com o Mestre Mário,

    e, de fato, a ideia de federalização da USP

    pode ser uma excelente ideia.
    .
    .

    elisa

    Desculpe, Fernando, mas você está bastante desinformado sobre esse processo. Desde 1992 foram feitos vários movimentos de estudantes contra a privatização, que sempre era oferecida com desculpas desse tipo e colocada como única esperança. E sempre com governos do PSDB ou PMDB, que na época eram aliados do PSDB, com reitores indicados pelos próprios governadores que reclamavam de má administração. E dá sim para ser mais elitista, hoje em algumas áreas alguns pobres conseguem entrar, em Humanas, por exemplo, quando o critério de entrada ´for o quanto você pode pagar pobre não vai passar perto da USP, que foi construída com os impostos de todos.

Rafael

RESPOSTA AO PAULO SOARES QUE COMENTOU USANDO FACEBOOK:
É claro que os estudantes apoiam a greve. Talvez não os reacionários que existem ao monte na Poli e que querem mais ver a USP privatizada, mas os alunos em conjunto não só apoiam como aderiram à greve.

Não é por causa dos super salários de uma minoria que toda a classe de funcionários e professores que mantêm a universidade funcionando teria que sofrer sem reajuste.
E além disso há muito mais em jogo. Se não há verba, então que abram as contas e mostrem. O controle da universidade não pode ficar mais com meia dúzia de gente cheia de interesses políticos.
É hora da democratização, pois sem ela a universidade corre risco de deixar de existir.

    Paulo Soares

    Não concordo com a generalização: os alunos apoiam e aderiram a greve. Se os professores e funcionários estão em greve o que os alunos podem fazer ?

    Quanto aos demais argumentos estou de pleno acordo.

Claudius

Esta situação foi premeditada. A USP não completará 100 anos. (Salvo milagre).

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