Pepe Escobar: No Bahrain, a monarquia quer derrubar o povo

Tempo de leitura: 4 min

por Pepe Escobar, Asia Times Online

Tradução do Coletivo Vila Vudu

O dia 14/3/2011 passará à história como o dia infame em que a Casa de Saud iniciou – com total apoio dos EUA – a mais viciosa contrarrevolução para esmagar o capítulo do Golfo da grande revolta árabe de 2011.

Naquele dia, tropas sauditas – com uns poucos simbólicos soldados dos Emirados Árabes Unidos (EAU) – invadiram o Bahrain, teoricamente a pedido da dinastia sunita reinante al-Khalifa, para “ajudar” a esmagar os protestos pró-democracia que se espalhavam pelo país.

O que se diz em Riad é que o rei saudita Abdullah não está mandando na (imunda) Casa de Saud. Que a coisa, agora, é operação conduzida essencialmente pelo príncipe Nayef. Esse sinistro Nayef, 77 anos, é meio irmão de Abdullah e é o segundo vice-primeiro-ministro da Arábia Saudita – além de ter sido ministro do Interior por nada menos que 36 anos. O primeiro vice-primeiro-ministro – e herdeiro indicado do trono – é o príncipe coroado Sultan, já octogenário, que foi ministro da Defesa por 48 anos.

Se Sultan morresse e fosse imediatamente seguido por Abdullah – possibilidade bem real –, Nayef, o inquisidor-em-chefe, com currículo impressionante de quantidade de dissidentes que prendeu e deixou apodrecer nas prisões, de censura à imprensa, de tratar direitos das mulheres e da minoria xiita como se não existissem, subiria ao trono da Arábia Saudita. Isso, para que vejam que a contrarrevolução comandada pela Casa de Saud ainda nem começou.

Quebre o crânio. Ninguém está olhando

Enquanto isso, no Bahrain, a agência estatal de notícias BNA anunciou que “O estado de segurança nacional foi levantado em todo o reino do Bahrain a partir de 1/6/2011”. É decreto assinado pelo rei Hamad al-Khalifa o qual, como se vê, e mesmo que ele não reconheça, é admirador do conhecido autor inglês George Orwell, dado que chama “estado de emergência” de “estado de segurança nacional”.

“Segurança nacional”, nesse caso, inclui o estado reduzir a escombros – com plena colaboração dos sauditas – mais de 20 mesquitas xiitas; demolir casas; demolir a rotatória da Pérola, símbolo dos protestos de massa; e espancar e enjaular centenas de manifestantes. O melhor amigo de Nayef  da Casa de Saud em Manama deve ser o primeiro-ministro do Bahrain, Sheikh Khalifa ibn Salman al-Khalifa, 75 anos, que desempenha suas funções amigáveis por nada menos que 40 anos – recorde mundial.

Na prática, o que está acontecendo no Bahrain é uma monarquia lutando para ver-se livre do seu povo. A tática saiu diretamente do livros dos castigos – o mesmo que os EUA aplicaram em Fallujah em 2004, e os israelenses aplicam em Gaza nas últimas décadas. A oposição aos al-Khalifas é maioria absoluta da população do Bahrain e não é formada só de xiitas, como o governo insiste em repetir e repetir e repetir.

Apoie o VIOMUNDO

Nada menos que 24 médicos e 23 enfermeiras bahrainis serão julgados em processo militar – acusados de conspirar para derrubar o regime pela força, porque deram atendimento médico e primeiros socorros a manifestantes violentamente espancados pela polícia e pelo exército. Segundo os Médicos pelos Direitos Humanos, esses médicos e enfermeiras estão presos e são considerados subversivos exclusivamente porque eles têm provas de que policiais e soldados atacaram bestialmente os manifestantes.

O estrondoso silêncio da mídia-empresa ocidental só faz mostrar a extensão da cumplicidade que liga Washington/capitais europeias ao serviço sujo da Casa de Saud/al-Khalifa. Imaginem se o governo sírio estivesse fazendo o que fazem a Casa de Saud e al-Khalifa! Já teria aparecido uma autorização da ONU, liberando “a mudança de regime” no Bahrain, mas rápida que um cafezinho Nespresso.

A ONG Human Rights Watch (HRW) teve pelo menos a decência de emitir relatório (em http://www.hrw.org/node/98637).  O diretor encarregado do Oriente Médio Joe Stork, muito excessivamente diplomático, só fez repetir o óbvio: “o objetivo desse ataque repressivo de força total parece ser intimidar todos, até o completo silêncio”.

Tragam o gás lacrimogêneo

No domingo, 1º de maio, dia em que Osama bin Laden estava nas manchetes, Ebrahim Ali Matar – um dos 18 membros do Partido al-Wefaq que renunciou ao Parlamento, em sinal de protesto – foi sequestrado por homens mascarados, depois de atraído para uma emboscada; mais tarde, um porta-voz do governo disse que “foi chamado para investigação”. O mesmo aconteceu, no mesmo dia, a outro ex-deputado do mesmo partido, Jawad Fairuz, cuja casa foi cercada por 30 homens mascarados e invadida.

21 outros membros da oposição também estão presos à disposição de “tribunais especiais” (promotores militares, na acusação; e um juiz militar e dois civis no corpo de sentença), entre os quais o dissidente xiita Hassan Mushaimaa, líder do grupo Haq de oposição, que conclamou o povo a derrubar a monarquia; e Ebrahim Shareef, o líder sunita do grupo secular Waad que fazia campanha por uma monarquia constitucional no Bahrain.

A acusação: “tentativa de derrubar o governo pela força e ligação com organização terrorista que trabalha para país estrangeiro” – quer dizer, o Irã. Muitos outros estão sendo julgados in absentia. Ativistas de direitos humanos têm repetido que há alta probabilidade de todos os acusados serem condenados à morte.

Depois, há o novo esporte da Casa de Saud/al-Khalifa, de “detonar a mesquita”. Pelo menos 27 mesquitas e inúmeros, muitos, prédios religiosos foram destruídos – inclusive a antiga mesquita Amir Mohammed Braighi, de 400 anos. O ministro da Justiça e Questões Islâmicas Sheikh Khalid bin Ali bin Abdulla al-Khalifa declarou que “Não são mesquitas. São prédios ilegais”.

E a cereja do bolo do governo al-Khalifa, depois de ter virtualmente destruído todo o sistema de assistência à saúde (organizado e operado essencialmente por xiitas): demitiu mais de mil funcionários públicos xiitas e cancelou suas aposentadorias e pensões; meteu na cadeia legiões de estudantes e professores que participaram dos protestos de rua; espancou e prendeu jornalistas; e fechou o único jornal de oposição ainda sobrevivente.

Como parte da negociata entre EUA e sauditas, o Bahrain – e por extensão a Casa de Saud – pode fazer o que bem entenda, como bem entenda e só ouvirá elogios: tudo para agradecer aos al-Khalifas, por manterem hospedada a 5ª Frota da Marinha dos EUA. Nenhuma sanção da ONU, nem um tapinha na mão; nada de zona aérea ou de zona terrestre de exclusão aprovada por resolução da ONU; nem pensar em armar “rebeldes”; nada de bombardeio pela OTAN; nada de ardente desejo de mudar regimes, como na Líbia; nada de diplomacia de Tomahawks. E nada, é claro, de “assassinatos seletivos”.

Pelo menos por enquanto, os consideráveis investimentos de EUA e Grã-Bretanha no Bahrain estão “protegidos”. Do ponto de vista dos mercadores britânicos da morte, que fornecem granadas de mão, cargas de demolição, bombas de fumaça e cassetetes elétricos para a máquina de repressão de al-Khalifa, os negócios só podem prosperar.

Apoie o VIOMUNDO


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

FrancoAtirador

.
.
Em uma monarquia absolutista,

não há como derrubar o povo,

visto que ele sempre esteve por baixo.

Até mesmo em monarquias parlamentaristas

e em repúblicas, que se dizem democráticas,

o que interessa aos poderosos é se manterem no poder,

as condições de vida das pessoas é o que menos importa.
.
.

fernandoeudonatelo

Acredito que, o Irã tenha uma estratégia de inserção regional a partir das revoltas árabes, que envolva não-intervenção e negociações persuasivas com os países do Conselho do Golfo.

Pois tem se mostrado muito paciente em não responder com fogo ou táticas assimétricas, a repressão massiva a xiitas do Iêmen, Bahrein e outros da Península Arábica, além de sofrer acusações sistemáticas por parte da mesma aliança.

Talvez uma política de confrontamento direto, fosse pretexto para que EUA e OTAN definitivamente lançassem operações militares sobre o Irã..

Bonifa

Filhos de Bin Laden vão processar Obama pela morte do pai
11 de Maio de 2011, 13:21

Os filhos de Osama Bin Laden contestam a legitimidade dos EUA na operação militar da qual resultou na morte do pai e equacionam abrir processos contra a Administração norte-americana no Tribunal Criminal Internacional e no Tribunal Internacional de Justiça.

Numa carta que foi publicada no New York Times, pedem à Organização das Nações Unidas que abra um inquérito para determinar o porquê de se ter optado pela morte a sangue frio e não pela prisão. Utilizam o exemplo do processo que resultou na morte de Saddam Hussein, o ditador iraquiano foi preso, julgado e condenado à morte.

Na missiva, a família exige saber o porquê «de um homem desarmado ter sido morto e não preso e levado a tribunal, para que a verdade fosse revelada às pessoas de todo o mundo».
Fonte: Sol

Paulo C.

É interessante como o Pepe Escobar é seletivo nas sua abordagens. Com relação ao eventos na Síria, ele pouco comenta, já que o governo é anti-americano e anti-Israel. Os "fatos" quem que encaixar na" teoria" (teoria= a revolta no mundo árabe é contra o "ocidente"), se não encaixarem são ignorados. É o mesmo Pepe de sempre…..

    augusto

    Paulo, quando os sapos da midia mundial coaxam em unissono um certo coro seletivissimo, é saudavel que um batraquio isolado, num raro intervalo silencioso, coaxe diferente

    augusto

    paulo, o que voce me diz sobre a posiçao geo e estrategica do Bahrein …e sobre a posiçao geografica das duas maiores cidades sírias onde se registram, na midia unissona, os horrores da repressão do governo sirio aos seus manifestantes? Sao detalhes interessantes.

Substantivo Plural » Blog Archive » No Bahrain, a monarquia quer derrubar o povo

[…] Pepe Escobar Asia Times Online – NO VI O MUNDO Tradução do Coletivo Vila Vudu O dia 14/3/2011 passará à história como o dia infame em que a […]

Flavio

Eu enviei uma mensagem ao Jornal O Globo (versão online), deve ter mais de um mês, pedindo notícias sobre os acontecimentos no Bahrein.

Não retornaram minha mensagem e só li uma notícia sobre o Bahrein depois disso, só dão paulada na Venezuela, Equador, Líbia, Síria e Irã.

Marcos de Almeida

Precisamos é de Assange do Wikiliki divulgar todas as atrocidades que são cometidas na Arábia Saudita e no Bahrein com todo apoio de Obama o "prêmio Nobel", que de nobel não tem nada.Os estadunidenses sempre apoiarão torturados e ditadores que sejam do lado dos yanques.A ONU não tem moral para mandar os EUA explicarem o assassinado de Osama.Os EUA fazem o que querem e depois diz para a China respeitar os direitos humanos, pode uma coisa dessa? Que hipocrisia essa do tio sam.

Pitagoras

E os cara-de-pau daqueles CEO's que administraram os USA Inc. agora dizem que a China está preocupada com os levantes no Oriente Médio e querem "parar a história". Como quem sustentou durante mais de meio século aqueles facínoras fantasiados de sheiques não foi essa mesma empresa global, que aspira a invadir qualquer país que disponha de recursos para alimentar sua fome doentia.

Direitos Humanos? Para israelenses, sauditas e estadunidenses, só valem para os outros! | ESTADO ANARQUISTA

[…] Pepe Escobar, Asia Times Online tradução do Coletivo Vila Vudu pelo Viomundo […]

mucio

Os insurgentes do mundo árabe precisam ler sobre as táticas de Michael Collins, o Irlandês. Em um resumo simples,a tática consistia em liquidar(assassinar?) as lideranças inglesas na Irlanda, simples e eficaz. Perseguindo esse objetivo com relação a reizinhos, ditadores ou qualquer outra liderança os revoltosos terão sucesso, caso contrário terão apenas uma morte corajosa, porém estúpida.

Bonifa

A monarquia do Bahrein derrubou uma mesquita de quatrocentos anos? Crime contra a Humanidade. Imperdoável.

Bonifa

A notória ONG Human Rights Watch (HRW) (Vigilantes dos Direitos Humanos), sem qualquer credibilidade, só fez o seu relatório pífio depois que Obama pediu "moderação" (????!!!!) ao rei do Bahrein, quando da condenação à morte de vários manifestantes pela democracia. A imprensa ocidental quase não disse nada a respeito deste "pedido de moderação", que parou por aí. E a indignação mal-resolvida da Human Rights Watch também parou por aí.

Roberto Locatelli

Nessa hora é que sentimos a falta de uma organização internacional mais atuante, que denuncie a violência contra a população.

Deixe seu comentário

Leia também