por Antonio Lassance, Cientista Político, pesquisador do IPEA e professor, em seu blog
Os ingleses vão às urnas neste dia 6 de maio para eleger seus representantes e, indiretamente, escolher seu primeiro ministro.
Na corrida, os tradicionais partidos que polarizam a política inglesa desde o século passado: trabalhistas e conservadores.
A disputa parecia, como sempre foi (os ingleses são um povo que adora tradições), fadada a concentrar-se entre o candidato do Partido Trabalhista (o atual primeiro ministro, Gordon Brown) e o do Partido Conservador (David Cameron).
Mas eis que surge uma surpresa, chamada Nick Clegg (do Partido Liberal Democrata). Clegg fez uma pregação incisiva e convincente contra a mesmice que condena os ingleses a ficarem alternando-se entre as duas opções tradicionais – e mesmo assim, tais trocas têm levado mais de uma década para acontecer. Os conservadores, com Tatcher e Major, permaneceram quase 20 anos à frente do governo (Tatcher, de 1979 a 1990, Major, de 1990 a 1997). Os trabalhistas vieram na sequência e estão completando 13 anos de governo (começando com Blair, em 1997, e Brown, desde 2007).
Surpresa maior foi que os liberais tomaram para si a tarefa de defender os benefícios da imigração e a propor uma política muito menos agressiva do que a propugnada pelos conservadores e menos restritiva que a dos trabalhistas. Não se pode dizer que os liberais se apresentaram como a alternativa de esquerda (aí seria surpresa demais), mas, justiça seja feita, foram mais corajosos em enfrentar a xenofobia explícita ou enrustida de muitos ingleses.
A questão (ou o “problema”) dos imigrantes rapidamente foi alçada ao centro da disputa. Graças a ela, Clegg ganhou o primeiro debate eleitoral no qual os três candidatos se enfrentaram. Diga-se de passagem, o primeiro debate da história britânica que os candidatos fizeram olhando para o público, bem ao estilo das eleições presidenciais. Acostumados a debates semanais no parlamento britânico, ao qual o próprio primeiro ministro comparece e faz seu embate a poucos metros dos narizes dos adversários, os ingleses, até então, não haviam sentido a necessidade de discutir separadamente a eleição do primeiro ministro. A vantagem de Clegg no primeiro confronto elevou-o à condição de principal adversário dos dois maiores partidos. Resultado: nos debates seguintes, trabalhistas e conservadores escolheram Clegg e a imigração como alvo prioritário.
O tema ocupou o centro do debate, nas últimas semanas, e os ânimos afloraram. Entra em cena, então, a senhora Gillian Duffy, que tornou-se uma personagem emblemática da campanha, depois que interpelou Gordon Brown. A Srª Duffy tem, a seu favor, o semblante vincado pelas marcas do tempo e a imagem inofensiva que em geral atribuímos a pessoas de 65 anos, talvez porque venham à nossa memória figuras como a de nossas avós. Mas sua mensagem a Brown era das mais ásperas, para dizer o mínimo. A Srª Duffy associou a imigração ao crescimento dos índices de criminalidade, e foi nestes termos que ela partiu para cima do atual primeiro ministro.
Brown cometeu o pecado ricuperiano (o mesmo de Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda no Governo Itamar Franco) de falar com o microfone aberto, inadvertido de que estava sendo gravado. Longe da Srª Duffy, desabafou: ”quem foi que teve a ideia de me colocar pra falar com essa mulher?” “Ela parece um tipo de fanática”. A atitude do trabalhista foi retratada como indelicada, como gafe, como desrespeito ao eleitor e coisas piores. Ninguém até agora se deu ao trabalho de qualificar a Srª Duffy por suas declarações. Afinal, a imagem dos imigrantes que ela conseguiu expressar, em tão pouco tempo, demonstra uma carga de preconceito e xenofobia suficiente para que ela merecesse qualificações nada româticas. No entanto, de repente, não mais que de repente, a imprensa inglesa a transformou num símbolo do cidadão humilde destratado diante do poder.
Devemos aos ingleses terem feito, mais de cem anos antes dos franceses, uma grande revolução, com direito, inclusive, a decapitação de rei, a uma bela declaração de direitos (Bill of Rights) e a um final que eles apelidaram de “glorioso” (Revolução Gloriosa). Ali também se estabeleceram alguns mecanismos fundamentais de controle do poder que depois se tornariam a regra da organização dos estados nacionais, virando a página do absolutismo.
Mas a Srª Duffy tem menos a ver com esta história gloriosa e mais com o desejo do inglês tradicionalista de manter sua Grã-Bretanha como uma ilha a prova de invasões. No passado glorioso, contra a “invencível” armada espanhola, contra Napoleão e, finalmente, contra os nazistas. Agora, a ameaça de “invasão” é de uma onda de imigrantes do Leste europeu, cujo ingresso foi facilitado desde que passaram a fazer parte da União Europeia. O ex-primeiro ministro Winston Churchill cunhou a expressão “cortina de ferro” para dizer que a Europa estava dividida em duas, uma capitalista, outra comunista. Agora, reclama-se que a cortina desabou e que os povos antes mantidos sob rígido controle estão livres para invadir o estado de bem estar social que os britânicos criaram só para si.
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A consciência liberal anglossaxônica costuma estar semanalmente alimentada pela também tradicionalíssima revista The Economist. De forma aberta e exemplar, Economist não esconde o jogo, nem finge não ter preferência: é David Cameron. Em matéria desta semana, faz sua profissão de fé em torno de um liberalismo ao mesmo tempo ideológico e pragmático:
“The Economist não tem qualquer fidelidade ancestral a nenhum partido, mas sim um persistente preconceito em favor do liberalismo. Nosso viés em prol de maior liberdade política e econômica tem sido frequentemente temperado por outras considerações: nós exultamos em favor de Barack Obama, em detrimento de John McCain; por Tony Blair, ao invés de Michael Howard; e, seguidamente, em favor dos socialistas italianos, contra Silvio Berlusconi, pois consideramos que eles eram mais inspiradores, competentes e honestos que seus oponentes, mesmo que os preteridos favorecessem um estado menor”.
Mas… quando o assunto é a Grã-Bretanha, as coisas são diferentes. The Economist então invoca Adam Smith contra Thomas Hobbes, conclamando:
“Nestas eleições britânicas, a necessidade mais acachapante que se coloca é a da reforma do setor público. […] Para a Grã-Bretanha prosperar, deve-se dar o devido tratamento a este Leviatã destruidor da liberdade. Os conservadores, mesmo com suas falhas, são os mais preparados para fazê-lo, e esta é a razão pela qual nós recomendamos que se vote neles”.
Embora a redução do estado seja o essencial para The Economist, ela não se furtou a apontar razões pró conservadores no que se refere ao tema da imigração. A revista culpa os trabalhistas, de forma mais elegante que a Srª Duffy, por terem aberto as portas do Reino Unido ao Leste Europeu.
Mas os trabalhistas podem ter uma sobrevida. A derrota do liberalismo mais agressivo, próximo do tatcherismo, e a derrota do xenofobismo dependem, quem diria, de uma votação expressiva dos liberais democratas.
Vejamos que rumo tomarão os ingleses e quantas senhoras Duffy eles têm por lá.
Comentários
Gerson Carneiro
Como é desconcertante a vida. Aliás, como a vida coloca as senhoras Duffy em situações desconcertantes.
Um menino, de origem persa, nascido às margens do Oceano Índico, na ilha de Zanzibar (hoje ligada à Tanzânia) na África), cuja famíla foi do Paquistão para Índia, posteriormente África, e finalmente Grã-Bretanha, de nome Farrokh Pluto Bulsara, tornou-se uma das mais emblemáticas (se não a mais) figura do rock mundial.
Conhecido e amado em todo o planeta terra. Se o mundo fosse regido pela intolerância e preconceito das senhoras Duffy, os ingleses jamais sentiriam o orgulho de ter: Freddie Mercury.
E o mais triste é que não aprenderam e não reconhecem essa verdade. Pois assim nos revela a tragédia de Jean Charles. E a manifestação da senhora Duffy.
A. Lassance
Caro Gerson, muito bem lembrado.
O Brasileiro
"O inferno são os outros!"
O pior é quando precisam dos "outros" para comprar seus produtos, muitas vezes de pouca utilidade!
Infelizmente o mundo não é tão simples quanto acordar, trabalhar, se alimentar e dormir.
Luiz Marcos Gomes
A verdade histórica é sempre mais complicada: Winston Churchill, ao utilizar o termo "cortina de ferro" para se referir à União Soviética e demais países do Leste Europeu, após a vitória sobre os nazistas, estava repetindo o ministro da propaganda de Hitler, Joseph Goebbels, que foi o primeiro a utilizar a expressão num artigo publicado no jornal "Das Reich", em fevereiro de 1945.
Fonte: verbete "Iron Curtain", The Oxford Minidictionary of Twentieth-Century World History, Oxford University Press, 1990.
Glecio_Tavares
Do tijolaço:http://www.tijolaco.com/?p=13880
Com a palavra Brizola Neto o deputado federal do progressismo.
Liberdade para quem, cara pálida?
maio 3rd, 2010 às 15:13
Li hoje no Estadão que as entidades patronais da imprensa brasileira vão convidar os principais candidatos à presidência a assinar a Declaração de Chapultepec, uma carta de princípios sobre a liberdade de imprensa, feita a pedido da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), uma organização que representa os interesses dos grandes meios de comunicação.
A SIP é uma espécie de grande Instituto Milleniun continental. Está sempre pronta a levantar a voz contra ataques à liberdade das empresas jornalísticas, mas alguns de seus representantes já estiveram envolvidos em golpes de Estado, como no caso da Venezuela e de Honduras.
Ignorando estes aspectos, os candidatos à presidência, ou melhor a candidata Dilma Rousseff, já que José Serra tem todo o apoio e consideração da mídia brasileira, deveriam aproveitar o convite para exigir dos meios o compromisso com a verdade e com uma cobertura equilibrada das eleições. Que usem seus editoriais para atacar ou defender quem quer que seja, mas que não manipulem, nem conduzam o tom das matérias que publicam do dia a dia.
Até agora não é isso que a gente tem visto. Os donos de jornais querem um compromisso com a liberdade de imprensa, mas que liberdade é essa? A de tentar desqualificar uma candidatura, usando uma ficha falsa como a Folha de S.Paulo fez ao tentar chamar a então ministra Dilma de terrorista. A de enxergar só um lado da questão, de acordo com seus interesses, e condenar o apoio estatal a uma manifestação de 1º de maio, enquanto ignora apoio semelhante ao seu candidato predileto? A de se esforçar até se expor ao ridículo ao tentar minimizar a escolha do presidente do país como o líder mais influente do mundo?
Com isso, nenhum candidato deveria se comprometer. A imprensa tem um papel essencial na vida de qualquer país e deve exercê-lo com responsabilidade. Não existe nenhum tipo de censura à imprensa no país e as insuspeitas Associação Nacional de Jornais (ANJ) e Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert) reconhecem isso. Transcrevo literalmente o que está na matéria do “Estadão”, onde se afirma que ambas “consideram que há plena liberdade de expressão no país”. Como explicar, então, as palavras da presidente da ANJ, D. Judith Brito, executiva do grupo Folha”, dizendo que “os meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada”.
O grande temor dos meios é de um controle social da mídia, o que representaria um grande avanço do sistema democrático. Mas disso eles não querem ouvir falar. A liberdade que desejam é puramente empresarial, como se a comunicação de massas e o próprio jornalismo não tivessem uma função social, fossem apenas uma atividade comercial como outra qualquer.
Gerson Carneiro
E aqui, quantas senhoras Duffy nós temos?
Acho que são até dispensáveis, visto que há candidato por aí que já andou atribuindo aos pobres e nordestinos a culpa pelas mazelas de São Paulo.
Gerson Carneiro
The Economist então invoca Adam Smith contra Thomas Hobbes, conclamando:
“Nestas eleições britânicas, a necessidade mais acachapante que se coloca é a da reforma do setor público. […] Para a Grã-Bretanha prosperar, deve-se dar o devido tratamento a este Leviatã destruidor da liberdade. Os conservadores, mesmo com suas falhas, são os mais preparados para fazê-lo, e esta é a razão pela qual nós recomendamos que se vote neles”.
Azenha, abafa o caso. Não dê idéia para o PIG.
Lucas Cardoso
Ah, se a mídia brasileira fizesse isso (dissesse pra quem torce) eu ficaria muito feliz.
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