Jorge Souto Maior: Terceirização e a sociedade dos “ilustres desconhecidos”
Tempo de leitura: 4 minIlustração do Blog do farmacêutico Marcio Antoniassi
Terceirização e a sociedade dos “ilustres desconhecidos”
por Jorge Luiz Souto Maior
Em recente reclamação trabalhista (processo n. 0000979-06.2012.5.15.0096) uma das reclamadas, a tomadora de serviços, para reforçar seu argumento de que não devia nenhum valor ao reclamante porque não era sua empregadora, acabou asseverando que o reclamante era um “ilustre desconhecido”.
Claro que essa afirmação é chocante e ofensiva, mas não se pode deixar de reconhecer que é provida de uma extrema honestidade, bem ao contrário, aliás, do que se verifica na argumentação daqueles que têm defendido, publicamente, a ampliação da terceirização, utilizando-se da retórica de que estão preocupados em melhorar as condições de trabalho e de vida dos trabalhadores em geral.
Ora, o que se pretende com a terceirização é exatamente o efeito confessado pela reclamada naqueles autos processuais, a transformação do trabalhador em um número, afastando, por conseguinte, qualquer preocupação de natureza humana da relação de trabalho.
Com efeito, quanto ao “ilustre desconhecido” não é preciso ter preocupações que dizem respeito a doenças, gravidez, dificuldades de relacionamento, posicionamentos ideológicos, atuação em defesa de direitos pelo exercício de greve etc. Visualizando a relação entre a empresa tomadora e a prestadora nos limites estritos de obrigações comerciais, voltadas à execução do serviço, ao dito tomador do serviço pouco importa quem realize a atividade e sob quais condições, cumprindo ao prestador de serviço, dito empregador, se submeter às exigências do tomador para “não perder o contrato”.
As consequências serão sentidas, concretamente, na vida do terceirizado, advindo dessas exigências contratuais transferências abruptas de local de trabalho, alterações de horário e dispensas, que são, em verdade, punições pelo comportamento, mas que não aparecem como tais.
A pretendida terceirização também nas atividades-fim amplia, de forma generalizada essa precarização da condição humana do trabalhador, sendo por demais importante perceber que essa situação, se de fato adviesse (pois ainda tenho boas razões para acreditar que não virá) não seria ruim apenas no mundo do trabalho.
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De fato, como as relações sociais são determinadas pelo modo de produção, o que se teria com a ampliação da terceirização seria a generalização de relações sociais desprovidas de valores humanos básicos, como a solidariedade, a confiança, que são, sobretudo, decorrentes da socialização no trabalho. Sem esse referencial, as pessoas deixam de se reconhecer nas outras e estas passam a ser vistas apenas como adversárias ou como concorrentes em potencial. Mais que isso, a lógica do modo de produção, estimulada pela terceirização sem limites, que é a da indiferença, tende a dominar o cenário das relações humanas, ou melhor, desumanizadas.
O interessante, ou trágico, é que a humanidade durante longo percurso vem buscando formulações valorativas de natureza humanista, enfrentando, inclusive, o desafio de superar os obstáculos à efetivação desses valores integrados à ordem jurídica dos Direitos Humanos, e, de repente, por ingerência midiática, impulsionada para o atendimento de interesses econômicos determinados, não se tem o menor escrúpulo em preconizar que todo esse esforço histórico seja jogado no lixo.
E é assim que se assiste à deterioração das estruturas que, em algum momento, constituíram alguma esperança para a condição humana na sociedade capitalista. Um sintoma dessa destruição é ver na mesma página de um jornal foto de uma ação policial massacrando estudantes da considerada, por muitos, melhor universidade do país e outra anunciando o triunfo da articulação antidemocrática do “líder” da Câmara de Deputados, para aprovação do financiamento empresarial de campanha.
As pessoas e entidades que estão no comando da sociedade, aplaudindo ação policial contra professores, estudantes e trabalhadores em geral, buscando financiamento empresarial para partidos políticos, defendendo a diminuição da maioridade penal como solução para a segurança pública e preconizando a ampliação da terceirização estão, de fato, destruindo toda possibilidade da construção de uma sociedade pautada pela racionalidade dos Direitos Humanos.
É a sociedade que se diz baseada na meritocracia dando voz e prevalência à mediocridade.
Veja-se que no aspecto específico da terceirização, quando se defende a terceirização da atividade-fim o que se está fazendo é contrariar a própria essência do preconizado empreendedorismo, baseado na ideia de que se deve atuar em ramos nos quais se detenha o conhecimento e se possa agir com maior competência. Ora, se uma empresa terceiriza a sua finalidade ela deixa de ser uma empreendedora, não sendo mais que mera compradora dos serviços de outra empresa, perdendo a dita especialidade e transferindo para a prestadora dos serviços os próprios atributos meritórios.
Diante dessa objeção alguns defensores da terceirização dizem: “mas uma empresa comercialmente responsável, pensando, inclusive, nas escolhas responsáveis feitas pelo consumidor, não irá terceirizar sua atividade-fim”. Mas se não o fará, a defesa da ampliação da terceirização serve a quem? Destina-se às empresas social e economicamente irresponsáveis?
Enfim, para a preservação de interesses econômicos não revelados, os defensores da terceirização estão contribuindo para a desestruturação plena das potencialidades de valores humanos duramente concebidos, estimulando a barbárie, que se verificaria consagrada com a instituição da sociedade dos “ilustres desconhecidos”.
São Paulo, 31 de maio de 2015.
Jorge Luiz Souto Maior é professor livre-docente da Faculdade de Direito da USP.
Leia também:
Os deputados que aprovaram a terceirização em atividade-fim, traindo os traalhadores
Comentários
FrancoAtirador
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Quando “o dinheiro é o estrume do diabo”
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(http://tijolaco.com.br/blog/?p=25102)
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FrancoAtirador
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De volta a Portugal…
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Na fachada de um prédio,
onde se reúnem alguns idosos,
pode ler-se:
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“Pedimos desculpa
por continuarmos vivos”
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Por Cid Simões, no “Cheira-me a Revolução!”
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A decisão de colocar o cartaz com estes dizeres surgiu após uma discussão havida durante uma sessão de convívio, quando atónitos leram num vespertino as preocupações de um governante pelo facto de termos tantos idosos e das dificuldades financeiras em suportar tamanho fardo.
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Em alguns dos presentes, muito naturalmente, instalou-se um sentimento de culpa e grande desconforto por continuarem vivos, e esse ferrete que constantemente os caustica e marginaliza surge, unicamente, por não usufruírem de fortuna pessoal.
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Porque a questão não reside na idade, mas na classe a que se pertence desde o berço à cova:
“a rica teve um menino, a pobre pariu um moço”; “o pobre é enterrado, o rico vai ao jazigo”.
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O socialmente desafogado nunca foi um peso para a sociedade, só o pobre é um estorvo.
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Desde os medicamentos à mortalha, tudo é contabilizado ao reformado desafortunado.
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Contabilidade de classe, hipócrita, venenosa.
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O que devemos contabilizar é o por quanto ficou aos pobres os que hoje os contabilizam; quem lhes pagou com trabalho árduo e salários de miséria, exploração acima de todos os limites, os estudos que fizeram, os cuidados de saúde que tiveram, os benefícios de que usufruem.
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Quem lutou para que tivessem a protecção social que hoje lhes sonegam?
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Por maldade ou descalabro mental, colocam tudo às avessas esse burrocratas que usam gel no bestunto para se distinguirem dos asnos, estes últimos, infelizmente, em via de extinção.
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Há como que um sentimento de inveja
e de rejeição perante o idoso.
Inveja porque receiam não atingir a sua idade
e repúdio porque deixou de produzir.
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“Paradoxo dos tempos modernos: a ciência faz recuar todos os dias a morte;
os discursos de compaixão para com os velhos fazem parte da nossa liturgia quotidiana”.
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Assim se expressa Viviane Forrester in “Uma estranha ditadura”.
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Contabilizando e dificultando o direito aos cuidados médicos estes ultraliberais que condenam a eutanásia em casos extremos, praticam-na, diariamente, com a frieza própria dos assassinos em série.
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No passado dia 14/7 o ministro das Finanças Vitor Gaspar
anunciou um imposto extraordinário sobre salários e pensões.
Mais uma volta no garrote.
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Os Mercados agradecem, os idosos definham e a canalha rejubila.
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(https://revolucionaria.wordpress.com/2011/08/01/%E2%80%9Cpedimos-desculpa-por-continuarmos-vivos%E2%80%9D)
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FrancoAtirador
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Hoje (04/6) é o Dia Internacional das Crianças Vítimas de Agressão
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FrancoAtirador
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Violência Doméstica no braZil
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70% dos Casos de Agressão contra Crianças e Adolescentes, em 2013,
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aconteceu nas Residências, sejam das Vítimas, sejam dos Agressores.
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Pais e Mães responderam por 53% do total das denúncias (SDHPR).
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(http://www.sdh.gov.br/assuntos/criancas-e-adolescentes)
(http://www.obscriancaeadolescente.gov.br)
(http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2014/03/11/violencia-domestica-70-das-criancas-vitimas-sofrem-as-agressoes-em-casa.htm)
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Aí, vem a pergunta fatídica que não quer calar:
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Quantos desses Menores Violentados por Adultos
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constam das Estatísticas de Criminalidade no País?
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Menores cometem 0,9% de todos os Crimes no Brasil
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Percentual é ainda mais baixo quando considerados
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Homicídios e Tentativas de Homicídio: 0,5% do total.
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(http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2015/06/menores-cometem-0-9-dos-crimes-no-brasil)
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FrancoAtirador
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O Capital “espremendo eternamente
a mão-de-obra como um limão”,
exclusivamente para bem do Lucro.
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Já dizia a Escritora Francesa “Viviane Forrester”,
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anunciando “O Horror Econômico” da Era Neoliberal
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que instituiria o Totalitarismo do Capital “no Mundo
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das Transnacionais, do Liberalismo Absoluto, da Globalização,
da Mundialização, da Desregulamentação, da Virtualidade”:
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“Vejamos o que representa o ‘crescimento’ para o ‘apóstolo da produtividade’
nos Estados Unidos, Stephen Roach (Le Monde, 29/5/1996), que hoje renuncia à sua paixão
pelo ‘downsizing’ (termo americano, um pouco mais decente que o nosso ‘dégraissage’,
para ‘cortar as gorduras’, o que não o impede de conjurar a Europa
a sair dos tempos merovíngios em que se acha incrustada, nem de indignar-se:
ela ‘nem sequer começou a considerar o tipo de estratégias que adotamos
nos Estados Unidos’… as mesmas que hoje ele recusa!
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Estratégias que, em compensação, ele aconselha a esta Europa retardatária,
prometendo-lhe resultados sedutores. Assim, ‘ao longo dos progressos’ que prescreve
– e que define como ‘desregulamentação, globalização e privatização’ –,
ele garante que ‘inevitavelmente, por mais triste que isso possa parecer, haverá demissões’!
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Se ele recomenda ao seu próprio país que se resigne hoje a contratações,
a Europa, em compensação, não deve de modo algum ater-se a semelhantes detalhes:
nossos países atrasados não devem absolutamente ‘abrigar-se atrás da experiência americana
ou usar o pretexto da (sua) nova análise da situação para defender-se contra a necessidade de reestruturar;
(isso) seria renunciar a ser competitivo’.
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Ora, francamente! Um homem de experiência num país superdesenvolvido!
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Seríamos bem idiotas de não tirar proveito de suas lições, de não interromper nossas vacilações,
a fim de chegar, como ele, com os mesmos métodos, ao estágio… no qual ele se plantou!
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Por que razão, aliás, ele julga que pegou um ‘caminho errado’: o mesmo que nos aconselha a tomar?
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Primeiro, ele não pegou ‘caminho errado’; quer dizer, não realmente:
os outros é que não seguiram ao pé da letra suas prescrições.
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E depois, ele não pode resistir às suas louváveis inclinações:
no seu ‘roteiro da retomada econômica pela produtividade’,
ele tinha imaginado, conforme nos diz, um entorno de baixa inflação
e crescimento sustentado dos lucros, portanto muito positivo para as ações e obrigações,
mesmo que o crescimento da economia fosse muito lento’.
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O crescimento não teria mais prestígio a seu ver? Ai de nós!
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Mas Roach prossegue: –Eu via, paralelamente, uma forte tendência ao ‘downsizing’, à compressão dos custos da mão-de-obra, favorecendo um clima econômico muito construtivo.
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Não! O crescimento decididamente não é a preocupação maior do ‘apóstolo da produtividade’.
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O poder de compra, alegremente ‘comprimido’, também não.
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Sua anulação ou seu enfraquecimento constituem, ao contrário, as condições
de um ‘clima econômico’ que ele julga ‘muito construtivo’.
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Gostaríamos de saber a opinião da ‘mão-de-obra’ e dos ‘downsizados’, heróis desse sucesso!
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Nosso ‘apóstolo’ nos mostra assim outro aspecto desse crescimento tão em evidência, revelando com que entusiasmo ele é considerado pela economia real.
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Entusiasmo compartilhado por governos que praticam com ardor aqueles cortes sombrios
(sempre dezenas de milhares), desta vez nas fileiras de consumidores,
como, por exemplo, funcionários públicos, que não dependem do setor privado,
mas que não deixam de ser considerados ‘rentáveis’, segundo os critérios dos mercados.
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Não necessários ou competentes, mas ‘rentáveis’ – em relação a que instância sagrada?
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Pouco importa se, malgrado os clichês repetidos com tanto prazer e que os descrevem
como preguiçosos abastados, aproveitadores desleixados, vampiros sedentos,
eles, por outro lado, são necessários como professores, funcionários da saúde,
dos serviços públicos, ou mesmo como… consumidores!
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A falta de pessoal nos hospitais, nas escolas, nos trens etc. é um fato demonstrado,
mas, por economia (visando a quê? para obter o quê?), esse pessoal
é objeto de ‘cortes de gorduras’ maciços.
Aqui, a automatização que permite economizar mão-de-obra
preservando os resultados não é responsável por essas demissões,
por essas compressões de efetivos. Só o desprezo é que é.
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E também o fato (absolutamente surpreendente) de ter conseguido fazer
que esse desprezo fosse compartilhado por um público
sobre o qual ele é exercido com prioridade!
E que sofre suas conseqüências.
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Contradição flagrante entre a precariedade criada desordenadamente
e a tão propalada expressão de um crescimento ardentemente esperado,
por assim dizer, apresentado como um remédio a todos os males.
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Será que o objetivo verdadeiro seria mesmo esse crescimento, que eliminaria esses males?
E não um crescimento das especulações financeiras e dos mercados mais ou menos virtuais
– um ‘capitalismo eletrônico’ – tão dissociados do crescimento em questão?
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Mas, em semelhante contexto, onde está a publicidade que parece tão capital
e que, presente em tudo, nos faz viver num mundo não mais reificado,
mas rotulado, onde, se as pessoas vêem seus nomes substituídos por siglas,
as coisas, por sua vez, trazem nomes próprios, a ponto de formar uma população de rótulos
que assombra os espíritos, deixando-os obcecados, focalizando as pulsões?
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A tal ponto que, no limite, os nomes de ‘marcas’ poderiam perfeitamente
acabar não correspondendo a nenhum produto?
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Por meio de seduções e artimanhas que nenhuma cortesã, nenhum fanático jamais cultivaram,
a golpes de evocações e de associações libidinosas, é por rótulos que nos fazem desmaiar.
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Nossas fantasias, nossas reações mais subliminares são dissecadas em praça pública.
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Quer sejamos de direita ou de esquerda, sabem como vender a todos nós
o mesmo ravióli, da mesma maneira. Ou um perfume, um queijo. Ou…
desemprego.
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Quer sejamos consumidores ou não, sabem que consumiremos. E o que consumiremos.
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Talvez o verdadeiro interesse da publicidade
resida cada vez mais nessas últimas funções:
na poderosa distração que ela suscita;
no ambiente cultural que ela satura,
mantendo-o o mais perto possível do grau zero;
mas, sobretudo, no desvio do desejo,
nessa ciência do desejo que permite condicioná-lo,
persuadir primeiro que ele existe;
depois, que ele existe apenas lá onde é indicado.
E, sobretudo, que não existe em outro lugar.
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Talvez o papel da publicidade seja mais político que econômico,
mais catequético que promocional.
Talvez ela sirva, sobretudo, para suprimir ‘Mallarmé e sua metralhadora’.
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Será que, à revelia até dos que a praticam, o papel do consumidor, depois de satisfeito,
tem muito pouca importância e não representa mais o verdadeiro objetivo?
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Talvez nos deixem ainda essa ilusão, mas só por gentileza.
Por prudência também, não sem uma certa paciência:
nunca se sabe, essas crianças podem ficar por demais insuportáveis;
como adivinhar o que elas ainda podem inventar?
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Stephen Roach, ele também, está muito consciente disso.
Se ele se alegra pelo fato de que, ‘num mundo em que a competição
é cada vez mais intensa, é sempre o empregador que tem o poder’,
não deixa, entretanto, de suspirar: –Mas, na arena da opinião pública,
as regras do jogo são diferentes: os chefes de empresa e os acionistas
são objeto de ataques sem precedentes.
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É de perguntar se por acaso ele não fantasia um pouco sobre a importância
e as conseqüências potenciais desses ataques.
Mas é sobretudo interessante notar que toda resistência tem um impacto,
já que Roach se vê obrigado a concluir:
‘A verdade é que não se pode espremer eternamente a mão-de-obra como um limão’.
Cremos ouvir aqui soluços na voz.
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Enquanto isso, há as liquidações.
Praticam-se cortes enérgicos nos efetivos de todos os lados,
embora proclamando e prometendo (sempre a gentileza) amanhãs de trabalho.
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Sabotam-se os níveis de vida fazendo apelo à confiança.
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Desintegram-se instituições, degradam-se conquistas sociais,
sempre, porém, para preservá-las, para dar-lhes uma última oportunidade:
–É para melhor te salvar, meu filho!.
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Tudo isso, sempre em nome de catástrofes suspensas, como espadas de Dâmocles
com as quais somos entretidos sem muitos detalhes, a golpes de ‘déficits’,
de ‘buracos’ a serem preenchidos com urgência.
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A inquietação administrada, mas em razão de quê?
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Onde foram parar aquelas supostas calamidades prestes a desabar sobre nós e nos devorar…
se não nos deixamos devorar antes por aqueles que fizeram essa publicidade?
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Que precisões nos dão? Esse ‘déficit’, por exemplo, que monstro ele representa?
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Exatamente que desastre, o que seria pior que os desastres
fomentados pelas medidas destinadas a evitá-lo?
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Não existe uma alternativa pelo menos possível de ser considerada,
nem que fosse para voltar atrás depois?
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O que se tem em vista? O bom andamento dos ‘mercados’
ou o bem-estar, a sobrevivência das populações?
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E, depois, esse dinheiro que está faltando, ele existe!
Distribuído de maneira muito particular, mas existe”…
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(http://marcoalexandredelimasilva.blogspot.com.br/2011/10/horror-economico-de-viviane-forrester.html)
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FrancoAtirador
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“E SE NÃO VIVÊSSEMOS NUMA DEMOCRACIA?”
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“Continuamos a fazer as mesmas perguntas fantasmas que, como se sabe,
ninguém responderá, exceto o desastre das vidas que esse silêncio destrói,
enquanto esquecemos que cada uma delas representa um Destino.
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Inúteis, angustiantes, essas perguntas obsoletas nos evitam uma angústia pior:
a do desaparecimento de um mundo em que elas ainda podiam ser feitas.
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Um mundo onde seus termos se fundamentavam numa realidade.
Ou melhor: fundamentavam essa realidade.
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Um mundo cujo clima se mistura sempre às nossas respirações
e ao qual pertencemos de maneira visceral, seja pelo prazer ou pelo sofrimento.
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Um mundo cujos vestígios nós trituramos, preocupados em tapar buracos,
em remendar o vazio, em construir simulacros em torno de um sistema
não só desmoronado, mas até mesmo desaparecido.
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Em que sonho somos mantidos, entretidos com crises, ao fim das quais sairíamos do pesadelo?
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Quando tomaremos Consciência de que não há Crise, nem Crises,
mas Mutação?
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Não Mutação de uma Sociedade, mas Mutação Brutal de uma Civilização?
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Participamos de uma Nova Era, sem conseguir observá-la.
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Sem admitir e nem sequer perceber que a Era Anterior desapareceu.
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Portanto, não podendo enterrá-la, passamos os dias a mumificá-la,
a considerá-la atual e em atividade, respeitando os Rituais de uma Dinâmica Ausente.
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Por que essa Projeção Permanente de um Mundo Virtual, de uma Sociedade Sonâmbula Devastada por Problemas Fictícios?
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O único Problema Verdadeiro é que esses problemas não são mais problemas,
mas, ao contrário, tornaram-se a Norma dessa Época,
ao mesmo tempo, Inaugural e Crepuscular que não assumimos.
[…]
Deve-se lembrar também como é pouco importante a sorte das almas
e dos corpos camuflados nas estatísticas e usados apenas como um modo de calcular.
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São as cifras que contam, mesmo que não correspondam a nenhum número verdadeiro, a nada de orgânico, a nenhum resultado, mesmo que designem apenas a exibição de uma trucagem…
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Mas, enquanto alguém diverte assim a platéia, milhões de “pessoas”
(digo bem: “pessoas”, colocadas entre aspas), por tempo indefinido,
talvez sem outro limite a não ser a morte, têm direito apenas à miséria
ou à sua ameaça mais ou menos próxima, à perda muitas vezes de um teto,
à perda de toda consideração social e até mesmo de toda auto-consideração.
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Ao drama das identidades precárias ou anuladas.
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Ao mais vergonhoso dos sentimentos: a Vergonha.
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Porque cada um então se crê (é encorajado a crer-se) dono falido de seu próprio destino,
quando não passou de um número colocado pelo acaso numa estatística.
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Multidões de seres lutando, sozinhos ou em família, para não deteriorar-se,
nem demais nem muito depressa.
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Sem contar inúmeros outros na Periferia, vivendo com o temor
e o risco de cair nesse mesmo estado.
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Não é o desemprego em si que é nefasto, mas o sofrimento que ele gera
e que para muitos provém de sua inadequação àquilo que o define,
àquilo que o termo ‘Desemprego’ projeta, apesar de fora de uso,
mas ainda determinando seu estatuto.
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O fenômeno atual do desemprego já não é mais aquele designado por essa palavra,
porém, em razão do reflexo de um passado destruído, não se leva isso em conta
quando se pretende encontrar soluções e, sobretudo, julgar os desempregados.
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De fato, a forma contemporânea daquilo que ainda se chama desemprego jamais é circunscrita, jamais definida e, portanto, jamais levada em consideração.
Na verdade, nunca se discute aquilo que se designa pelos termos ‘Desemprego’ e ‘Desempregados’;
mesmo quando esse problema parece ocupar o centro da preocupação geral.
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O fenômeno real é, ao contrário, ocultado.
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Um desempregado, hoje, não é mais objeto de uma marginalização provisória, ocasional,
que atinge apenas alguns setores, agora, ele está às voltas com uma implosão geral,
com um fenômeno comparável a tempestades, ciclones e tornados,
que não visam ninguém em particular, mas aos quais ninguém pode resistir.
Ele é objeto de uma lógica planetária que supõe a supressão
daquilo que se chama ‘trabalho’; vale dizer: ‘emprego’.
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Mas – e esse desencontro tem efeitos cruéis – o social e o econômico pretendem ser
sempre comandados pelos intercâmbios efetuados a partir do trabalho,
ao passo que este último desapareceu.
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Os desempregados, vítimas desse desaparecimento, são tratados e julgados
pelos mesmos critérios usados no tempo em que os empregos eram abundantes.
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Responsabilizados por estarem desprevenidos, eles são ludibriados,
acalentados por promessas falaciosas anunciando o pronto restabelecimento
daquela abundância e a pronta reparação das conjunturas prejudicadas por alguns contratempos.
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Resulta daí a marginalização impiedosa e passiva do número imenso,
e constantemente ampliado, de ‘Solicitantes de Emprego’ que, ironia,
pelo próprio fato de se terem tornado tais, atingiram uma norma contemporânea;
norma que não é admitida como tal nem mesmo pelos excluídos do trabalho,
a tal ponto que estes são os primeiros a se considerar incompatíveis
com uma sociedade da qual eles são os produtos mais naturais.
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São levados a se considerar indignos dela, e sobretudo responsáveis pela sua própria situação,
que julgam degradante (já que degradada) e até censurável.
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Eles se acusam daquilo de que são vítimas.
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Julgam-se com o olhar daqueles que os julgam,
olhar esse que adotam, que os vê como culpados,
e que os faz, em seguida, perguntar que incapacidade,
que aptidão para o fracasso, que má vontade,
que erros puderam levá-los a essa situação.
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A desaprovação geral os espreita, apesar do absurdo dessas acusações.
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Eles se criticam – como são criticados – por viver uma vida de miséria
ou pela ameaça de que isso ocorra.
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Uma vida freqüentemente ‘assistida’ (abaixo, por sinal, de um limite tolerável).
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Essas críticas que lhes são feitas e que eles próprios se fazem
se baseiam em nossas percepções defasadas da conjuntura,
em velhas opiniões outrora sem fundamento, hoje redundantes
e ainda mais pesadas, mais absurdas, sem nenhuma ligação com o presente.
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Tudo isso – que não tem nada de inocente – os leva a essa vergonha,
a esse sentimento de ser indigno, que conduz a todas as submissões.
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A abjeção desencoraja qualquer outra reação de sua parte que não seja uma resignação mortificada.
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Pois não há nada que enfraqueça nem que paralise mais que a Vergonha.
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Ela altera na raiz, deixa sem meios, permite toda espécie de influência,
transforma em vítimas aqueles que a sofrem, daí o interesse do poder
em recorrer a ela e a impô-la; ela permite fazer a lei sem encontrar oposição,
e transgredi-la sem temor de qualquer protesto.
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É ela que cria o impasse, impede qualquer resistência, qualquer desmistificação,
qualquer enfrentamento da situação.
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É ela que afasta a pessoa de tudo aquilo que permitiria recusar a desonra
e exigir uma tomada de posição política do presente.
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É ela, ainda, que permite a exploração dessa resignação, além do pânico virulento que contribui para criar.
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A Vergonha deveria ter cotação na Bolsa:
ela é um Elemento importante do Lucro.
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A vergonha é um valor sólido, como o sofrimento que a provoca ou que ela suscita.
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Não é de espantar, portanto, o furor inconsciente, digamos instintivo,
para reconstituir aquilo que está na sua origem: um sistema falido e extinto,
mas cujo prolongamento artificial permite aplicar sub-repticiamente castigos e tiranias de alto quilate, protegendo a ‘coesão social’.
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Desse Sistema emerge, entretanto, uma pergunta essencial, jamais formulada:
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–É preciso ‘merecer’ viver para ter esse direito?…
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Uma ínfima minoria, já excepcionalmente munida de poderes,
de propriedades e de privilégios considerados implícitos, detém de ofício esse direito.
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Quanto ao resto da Humanidade, para ‘merecer’ viver, deve mostrar-se
‘útil’ à Sociedade, pelo menos àquela parte que a administra e a domina:
a Economia, mais do que nunca confundida com o Comércio, ou seja, a Economia de Mercado.
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‘Útil’, aqui, significa quase sempre ‘Rentável’, isto é, lucrativo ao Lucro.
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Numa palavra: ‘Empregável’ (‘Explorável’ seria de mau gosto!).
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Esse ‘mérito’, esse ‘Direito à Vida’, mais precisamente passa, portanto, pelo dever de trabalhar,
de ser empregado, que se torna então um direito imprescritível, sem o qual o Sistema Social
nada mais seria do que um amplo caso de assassinato coletivo: um Genocídio.
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Mas o que ocorre com o direito de viver, quando este não mais opera,
quando é proibido cumprir esse dever que lhe dá acesso,
quando se torna impossível aquilo que é imposto?
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Sabemos que hoje em dia estão permanentemente fechados esses acessos
ao trabalho, aos empregos, eles próprios excluídos pela imperícia geral,
pelo interesse de alguns ou pelo sentido da história – tudo isso impingido sob o signo da fatalidade.
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Será normal, então, ou mesmo lógico, impor justamente aquilo que está faltando?
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Será que é legal exigir o que não existe como condição necessária de sobrevivência?
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Teima-se, entretanto, em perpetuar esse fiasco.
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Insiste-se em considerar norma um passado extinto, um modelo apodrecido;
em dar sentido oficial às atividades econômicas, políticas e sociais,
essa corrida aos espectros, essa invenção ‘ersatz’, essa distribuição prometida
e sempre adiada daquilo que não existe mais;
continua-se fingindo que não há impasse, que se trata apenas de atravessar
algumas seqüências desagradáveis e passageiras de descuidos reparáveis.
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Que impostura!
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Tantos destinos massacrados com o único objetivo de construir a imagem
de uma sociedade desaparecida, baseada no trabalho e não na sua ausência;
tantas existências sacrificadas ao caráter fictício do adversário que se promete vencer,
aos fenômenos quiméricos que se pretende reduzir e sufocar!
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Por quanto tempo ainda vamos aceitar ser enganados e considerar
únicos inimigos aqueles que nos são designados adversários desaparecidos?
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Permaneceremos cegos ao perigo em curso, aos verdadeiros escolhos?
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O navio já naufragou, mas nós preferimos (encorajam-nos a isso) não admitir
e continuar a bordo, afundar sob a proteção de um ambiente familiar,
em vez de tentar, talvez em vão, algum meio de salvação.
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Desse modo, continuamos com rotinas bem estranhas!
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Não se sabe se é cômico ou sinistro, por ocasião de uma perpétua, irremovível
e crescente penúria de empregos, impor a cada um dos milhões de desempregados
– e isso a cada dia útil de cada semana, de cada mês, de cada ano –
a procura ‘efetiva e permanente’ desse trabalho que não existe.
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Obrigá-lo a passar horas, durante dias, semanas, meses e, às vezes, anos
se oferecendo todo dia, toda semana, todo mês, todo ano, em vão,
barrado previamente pelas estatísticas.
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Pois, afinal, ser recusado cada dia útil de cada semana, de cada mês e, às vezes, de cada ano,
será que isso constituiria um emprego, um ofício, uma profissão?
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Seria isso uma colocação, um ‘job’, ou mesmo uma aprendizagem?
Seria um destino plausível? Uma ocupação razoável?
Uma forma realmente recomendável de emprego do tempo?
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Todas essas recusas, essas rejeições em cadeia, não seriam sobretudo uma encenação destinada a persuadir esses ‘solicitantes’ de sua própria nulidade?
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Para inculcar no público a imagem de seu fracasso e propagar a idéia (falsa)
da responsabilidade, culpada e castigada, daqueles que pagam pelo erro geral
ou pela decisão de alguns, pela cegueira de todos, inclusive a deles?
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Para exibir o espetáculo de um mea culpa ao qual, aliás, eles aderem. Vencidos.
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Tantas vidas encurraladas, manietadas, torturadas, que se desfazem, tangentes a uma sociedade que se retrai.
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Entre esses despossuídos e seus contemporâneos,
ergue-se uma espécie de vidraça cada vez menos transparente.
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E como são cada vez menos vistos, como alguns os querem ainda mais apagados,
riscados, escamoteados dessa sociedade, eles são chamados de ‘Excluídos’.
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Mas, ao contrário, eles estão lá, apertados, encarcerados, incluídos até a medula!
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Eles são absorvidos, devorados, relegados para sempre, deportados,
repudiados, banidos, submissos e decaídos, mas tão incômodos: uns chatos!
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Jamais completamente, não, jamais suficientemente expulsos!
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Incluídos, demasiado incluídos, e em descrédito.
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É dessa maneira que se prepara uma Sociedade de Escravos,
aos quais só a Escravidão conferiria um Estatuto.
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Mas para que se entulhar de escravos, se o trabalho deles é supérfluo?
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Então, como um eco àquela pergunta que ‘emergia’ mais acima, surge outra que se ouve com temor:
–Será ‘útil’ viver, quando não se é lucrativo ao Lucro? …
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Aqui desponta, talvez, a sombra, o prenúncio ou o vestígio de um crime.
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Não é pouca coisa que toda uma ‘população’ (no sentido apreciado pelos sociólogos)
seja mansamente conduzida por uma sociedade lúcida e sofisticada
até os extremos da vertigem e da fragilidade:
até as fronteiras da morte e, às vezes, mais além.
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Não é pouca coisa também que aquelas mesmas pessoas que o trabalho escravizaria
sejam levadas a mendigar, a procurar por um trabalho, qualquer um,
a qualquer preço (quer dizer, o menor).
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E quando todos não se dedicam de corpo e alma a essa solicitação inútil,
a opinião geral é que deveriam fazê-lo.
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Não é pouca coisa ainda que aqueles que detêm o Poder Econômico,
vale dizer, o Poder, tenham a seus pés aqueles mesmos agitadores
que ontem contestavam, reivindicavam, combatiam.
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Que delícia vê-los implorar para obter aquilo que vilipendiavam
e que hoje consideram o Santo Graal.
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Mais uma vez, não é pouca coisa ter à sua mercê aqueles outros
que, providos de salários, de empregos, não protestarão,
com medo de perder conquistas tão raras, tão preciosas e precárias,
e ter que se juntar ao bando poroso dos ‘Miseráveis’.
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Ao ver como se pegam e se jogam homens e mulheres
em virtude de um Mercado de Trabalho errático,
cada vez mais imaginário, comparável àquela “Pele de Onagro”
que se encolhe, um Mercado do qual eles dependem,
do qual suas vidas dependem, mas que não depende deles;
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Ao ver como já não são contratados com tanta freqüência,
e como vegetam, em particular os jovens, numa vacuidade sem limites, considerada degradante, e como são detestados por isso;
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Ao ver como, a partir daí, a Vida os maltrata e como a ajudamos a maltratá-los;
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Ao ver que, para além da exploração dos homens, havia algo ainda pior:
a ausência de qualquer exploração – como deixar de dizer que, não sendo sequer exploráveis,
nem sequer necessárias à exploração, ela própria inútil,
as multidões podem tremer, e cada um dentro da multidão?
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Então, como um eco àquela pergunta: –Será ‘útil’ viver quando não se é ‘lucrativo’ ao Lucro?,
ela própria eco daquela outra: –É preciso ‘merecer’ viver para ter esse Direito?,
surge o temor insidioso, o medo difuso, mas justificado, de ver um grande número,
de ver o maior número de Seres Humanos considerados ‘Supérfluos’.
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Não subalternos nem reprovados: Supérfluos. E por essa razão, Nocivos.
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E por essa razão [Elimináveis?] … Esse Veredicto ainda não foi pronunciado,
nem enunciado e, certamente, nem pensado de modo consciente.
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Vivemos numa Democracia.
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Para o conjunto da população, esse mesmo ‘conjunto’ ainda é objeto
de um interesse real, ligado a suas culturas, a afetos profundos, adquiridos ou espontâneos,
mesmo se uma indiferença crescente se instaura em relação aos viventes.
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Esse ‘conjunto’ representa também, não nos esqueçamos, uma clientela eleitoral e consumidora
que gera outro tipo de ‘interesse’ e leva os políticos a mobilizar-se
em torno dos problemas do ‘trabalho’ e do ‘desemprego’,
agora questões de rotina, a oficializar esses falsos problemas,
pelo menos os problemas mal colocados, a ocultar qualquer constatação
e a fornecer a curto prazo sempre as mesmas respostas anêmicas a questões factícias.
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Não que se deva – nem de longe! – isentá-los de encontrar soluções
mesmo parciais, mesmo precárias.
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Mas seus remendos têm como principal efeito manter sistemas
que se esforçam em fazer de conta que funcionam, mesmo mal,
e sobretudo permitir a recondução de jogos de poderes e hierarquias,
eles próprios ultrapassados.
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Nossa velha experiência dessas rotinas nos dá a ilusão de uma espécie
de domínio sobre elas, conferindo-lhes assim um ar de inocência,
deixando-as marcadas por um certo humanismo,
cercando-as sobretudo de fronteiras legais como verdadeiras barreiras de defesa.
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Vivemos realmente numa Democracia.
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Entretanto, aquilo que nos ameaça está a ponto de ser dito, e já é quase murmurado: ‘Supérfluos e portanto…’.
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E se acontecesse de não estarmos mais numa Democracia?!?
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Esse ‘excesso’ (que só está aumentando) não correria então o risco
de ser Formulado? ‘Pronunciado’ e, portanto, ‘Consagrado’?
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O que aconteceria se o ‘mérito’, do qual dependeria mais do que nunca
o ‘direito de viver’, e esse ‘direito de viver’, ele próprio,
fossem argüidos e administrados por um Regime Autoritário?
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Já não ignoramos, não podemos ignorar que ao horror nada é impossível,
que não há limites para as decisões humanas.
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Da exploração à exclusão, da exclusão à eliminação,
ou até mesmo a algumas inéditas explorações desastrosas…
Será que essa seqüência é impensável?
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Sabemos, por experiência própria, que a Barbárie, sempre latente,
combina de maneira perfeita com a Placidez daquelas Maiorias
que sabem tão bem amalgamar o Pior com a Monotonia Ambiente.
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Como se vê, ante certos perigos, virtuais ou não, ainda é o sistema
baseado no trabalho (mesmo reduzido ao estado atual) que faz o papel de muralha,
o que talvez justifica nosso apego regressivo a algumas de suas normas
que não estão mais em vigor.
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Mas esse sistema não deixa de assentar-se sobre bases carcomidas,
mais permeável do que nunca a todas as violências, todas as perversidades.
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Suas rotinas, aparentemente capazes de atenuar o pior e retardá-lo,
giram no vazio e nos mantêm entorpecidos naquilo que em outro lugar
eu chamei de ‘Violência da Calma’ (Forrester, 1980).
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É a mais perigosa, a que permite que todas as outras se desencadeiem sem obstáculo;
ela provém de um conjunto de opressões oriundas de uma longa,
terrivelmente longa, tradição de leis clandestinas.
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‘A calma dos indivíduos e das sociedades é obtida pelo exercício
de forças coercitivas antigas, subjacentes, de uma violência e de uma eficácia tal
que passa despercebida’, e que, no limite, não é mais necessária,
por estar inteiramente integrada;
essas forças nos oprimem sem ter mais que se manifestar.
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Só aparece a calma a que fomos reduzidos antes mesmo de nascer.
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Essa violência, escondida na calma que ela própria instituiu, sobrevive e age, indetectável.
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Ela cuida, entre outras coisas, dos escândalos que ela própria dissimula,
impondo-os mais facilmente e conseguindo suscitar uma tal resignação geral
que já não se sabe mais ao que se está resignando: de tão bem que ela negociou seu esquecimento!
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Não existe arma contra ela, a não ser a exatidão, a frieza da constatação.
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Mais espetacular, a crítica é menos radical, já que entra no jogo proposto
e leva em conta suas regras que, desse modo, ela cauciona, nem que seja por oposição.
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Ora, ocorre que ‘desarmar’ representa, pelo contrário, a palavra-chave.
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Desarmar a imensa e febricitante partida planetária cujos valores em jogo
jamais se sabe muito bem quais são, nem que espetáculo nos é dado,
por trás do qual se jogaria outro.
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Para fins dessa constatação, nunca será demais pôr em dúvida
até mesmo a existência dos problemas, nem pôr em causa seus termos
ou pôr em questão as próprias questões.
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Em particular quando esses problemas implicam os conceitos de ‘trabalho’ e de ‘desemprego’,
em torno dos quais se cantam as melopéias políticas de todas as tendências
e se entoam as ladainhas de soluções fúteis, apressadas, repisadas,
que sabemos que são ineficazes, que não atacam a desgraça acumulada,
que nem sequer a visam.
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Assim – e esse é o maior exemplo –, os textos, os discursos que analisam
esses problemas, do trabalho e do desemprego, só tratam, na verdade,
do Lucro que é sua Base, que é sua Matriz, mas que jamais mencionam.
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Permanecendo nessas zonas calcinadas como o Grande Ordenador,
o Lucro, entretanto, é mantido em Segredo.
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Ele continua pairando, como um pressuposto tão evidente que nem sequer é mencionado.
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Tudo é organizado, previsto, proibido e suscitado em razão dele,
que dessa maneira parece inevitável, como que fundido
à própria semente da vida, a ponto de não se distinguir dela.
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Ele opera à vista de todos, mas despercebido.
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Ativo, propaga-se por toda parte, mas jamais é citado,
a não ser sob a forma daquelas pudicas ‘criações de riquezas’
que pretendem beneficiar toda a espécie humana
e ocultar ‘tesouros’ de empregos.
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Tocar nessas ‘riquezas’ seria então criminoso.
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É preciso preservá-las a qualquer preço, não discuti-las,
esquecer (ou fingir esquecer) que elas beneficiam sempre o mesmo pequeno número,
cada vez mais poderoso, mais capaz de impor esse Lucro (que lhe toca) como a Única Lógica, como a própria Substância da Existência,
o Pilar da Civilização, a garantia de toda Democracia, o móvel (fixo) de toda mobilidade, o centro nervoso de toda circulação, o motor invisível e inaudível, intocável, de nossas animações.
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A prioridade vai então para o Lucro, considerado original, uma espécie de Big-Bang.
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Só depois de garantida e deduzida a parte dos Negócios – a da Economia de Mercado –
é que são (cada vez menos) levados em conta os outros setores, entre os quais os da cidade.
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Em primeiro lugar, o Lucro, em razão do qual tudo é instituído.
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Só depois é que as pessoas se arranjam com as migalhas dessas famosas ‘criações de riquezas’,
sem as quais, dizem, não haveria nada, nem mesmo essas migalhas, que por sinal estão diminuindo
– nenhuma ou quase nenhuma outra reserva de trabalho, de recursos.
[…]
Análises, ou melhor, resenhas peremptórias, segundo as quais a Modernidade, reservada apenas às esferas dirigentes, só se aplica à Economia de Mercado,
e só é operante nas mãos daqueles que decidem.
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Fora daí, julga-se que vivemos à moda antiga, numa espécie de ‘Espetáculo de Som e Luz’,
numa retrospectiva em que o presente não desempenha nenhum papel
nem confere nenhum outro, onde somos relegados a um Sistema
que não existe mais, onde somos condenados.
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Diante disso, é no mínimo estranho que jamais se pensa
num modo de organização a partir da ausência de trabalho,
em vez de provocar tanto sofrimento, tão estéreis e tão perigosos,
desmentindo essa ausência, esse desaparecimento, apresentando-o
como um simples intervalo que se ignora ou se pretende preencher,
ou até suprimir, dentro de prazo e de tempos imprecisos,
incessantemente renovados, enquanto se instalam a Desgraça e o Perigo.
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Promessa de uma Ressurreição de Espectros, que permite pressionar ainda mais,
enquanto ainda é tempo, ou colocar fora de jogo aqueles que essa ausência
logo reduzirá à Condição de Escravos, se já não o fez.
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Ou os conduzirá ao Desaparecimento: À Eliminação.
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Em vez de esperar, em condições desastrosas, os resultados de promessas
que não se concretizarão; em vez de esperar em vão, na miséria,
o retorno do trabalho, a rápida chegada do emprego,
seria por acaso insensato tornar decente, viável por outros meios, e hoje,
a vida daqueles que, na ausência – dentro em breve – radical do trabalho,
ou melhor, do emprego, são considerados decaídos, excluídos, supérfluos?
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Ainda é tempo de incluir essas vidas, nossas vidas, no seu sentido próprio,
no seu Sentido Verdadeiro:
o Sentido Muito Simples, da Vida, da sua Dignidade, de seus Direitos.
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Ainda dá tempo de subtraí-los ao bel-prazer daqueles que os ridicularizam.
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Seria insensato esperar, enfim, não um pouco de Amor, tão vago, tão fácil de declarar,
tão satisfeito de si, e que autoriza a fazer uso de todos os castigos,
mas a audácia de um sentimento áspero, ingrato, de um rigor intratável
e que se recusa a qualquer exceção:
o RESPEITO?”
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VIVIANE FORRESTER
(“O Horror Econômico”. UNESP. 1997.)
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Íntegra do Livro:
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Em Português: (http://abre.ai/livro_o-horror-economico_viviane-forrester)
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Em Espanhol: (http://www.ddooss.org/libros/Viviane_Forrester.pdf)
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FrancoAtirador
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“A propósito de trabalho e de ausência de trabalho, falamos deles
como se ainda estivessem presentes e fossem nossos semelhantes,
mesmo dentro de uma hierarquia onde eles ocupariam o ápice.
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Não é assim. Nem jamais será.
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À medida que o território do trabalho e, mais ainda, o da Economia
se afastavam e se distanciavam, eles os acompanharam e, com eles, como eles,
foram se tornando pouco discerníveis, cada vez mais impalpáveis.
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Logo estarão – se já não estiverem – fora de alcance, fora de contato, perdidos de vista.
Enquanto nós ainda continuamos repisando os mesmos cenários.
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É que, a nosso ver, o Trabalho ainda está ligado à Idade Industrial,
ao Capitalismo de Ordem Imobiliária.
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Àquele tempo em que o Capital expunha garantias notórias:
indústrias bem implantadas, lugares bem identificáveis:
fábricas, minas, bancos, imóveis arraigados em nossas paisagens, inscritos em cadastros.
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Pensamos viver ainda na época em que se podia calcular sua superfície,
julgar sua construção, avaliar seu custo.
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As fortunas encontravam-se fechadas em cofres.
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Os intercâmbios passavam por circuitos verificáveis.
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Patrões com estado civil bem definido; diretores, empregados, operários
deslocando-se de um ponto a outro, cruzando-se sobre o mesmo solo.
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Sabia-se onde estavam e quem eram os dirigentes, quem desfrutava o Lucro.
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Geralmente havia na chefia um único homem, mais ou menos poderoso,
mais ou menos competente, mais ou menos tirânico, mais ou menos próspero,
que possuía bens, manejava o dinheiro.
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Quanto à empresa, ele era o proprietário (com ou sem sócios igualmente identificáveis).
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Um indivíduo tangível, com um nome, de carne e osso,
que tinha herdeiros e, quase sempre, também era um deles.
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Podia-se avaliar com um simples olhar a importância da empresa;
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sabia-se onde estava acontecendo o labor necessário, assim como se sabia
onde eram produzidas (geralmente em condições escandalosas)
a ‘condição operária’ e as famosas ‘criações de riquezas’, então chamadas ‘benefícios’.
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Os produtos manufaturados (as Mercadorias), a negociação,
a circulação das matérias-primas tinham uma importância essencial,
enquanto a empresa tinha uma razão social e uma função conhecidas.
Diríamos certificadas?
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Era possível circunscrever suas configurações, até mesmo internacionais,
e separar a parcela do comércio, da indústria e dos jogos financeiros.
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Sabia-se, eventualmente, quem e o que contestar, e situar assim os locais da contestação.
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Tudo ocorria entre nós, dentro da nossa geografia, em ritmos familiares,
mesmo quando eram excessivos.
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E isso era anunciado em nossas línguas, em nossa linguagem.
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Vivíamos uma distribuição de papéis geralmente desastrosa,
mas vivíamos todos dentro do mesmo romance.
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Ora, esse mundo em que o local de trabalho e o local da economia se fundiam,
em que o trabalho de numerosos executantes era indispensável
para os que tomavam decisões, parece que está escamoteado.
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Julgamos ainda percorrer, respirar, obedecer ou dominar um mundo
que não opera mais, que é apenas ‘café-com-leite’, como dizem as crianças,
e que está sob o controle de forças que, discretamente, regem-no e administram seu naufrágio.
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Com ele são escamoteados os modelos intermediários que pouco a pouco o sucederam,
fazendo a transição para o mundo atual, das Multinacionais, das Transnacionais,
do Liberalismo Absoluto, da Globalização, da Mundialização,
da Desregulamentação, da Virtualidade.
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Esses modelos, quando ainda são encontrados,
aparecem como totalmente subalternos,
em vias de desaparecimento e quase sempre sob a dominação
de potências distantes e complicadas.
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Quanto ao modelo inédito que se instala sob o signo da Cibernética,
da Automação, das Tecnologias ‘revolucionárias’, e que agora exerce o Poder,
este parece ter-se desviado, isolado em zonas estanques, quase esotéricas.
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Não está mais em sincronia conosco.
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E, bem entendido, sem vínculo verdadeiro com o ‘mundo do trabalho’,
que ele não usa mais e que considera, quando consegue entrevê-lo,
um parasita irritante marcado pelas suas paixões, suas confusões,
seus desastres incômodos, sua irracional obstinação em pretender existir.
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Sua pouca utilidade. Sua pouca resistência, seu caráter benigno.
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Suas renúncias e sua inocuidade, por estar preso nos vestígios
de uma sociedade onde suas funções foram abolidas.
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Entre esses dois universos, nada mais que uma solução de continuidade.
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O antigo periclita e sofre longe do outro, que ele nem sequer imagina.
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O outro, reservado a uma Casta, penetra numa ordem inédita de ‘realidade’,
ou, se preferirmos, de ‘desrealidade’, onde a horda dos ‘solicitantes de emprego’
representa apenas uma pálida legião de fantasmas que não voltarão para assombrar ninguém.
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Por que razão essa Casta se preocuparia com multidões inconscientes
que, como maníacas, insistem em ocupar perímetros concretos, estabelecidos,
situados, onde possam bater pregos, apertar parafusos, carregar cacarecos,
arrumar coisas, calcular troços, intrometer-se em tudo, verdadeiros desmancha-prazeres,
com circuitos lentos como os movimentos do próprio corpo, esforços patentes,
cronologias e ritmos já fora de moda, e, depois, suas vidas, seus filhos, sua saúde,
sua moradia, sua comida, seu salário, o sexo, a doença, o lazer, os direitos?
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Que ingênuos!
Aqueles de quem esperam tudo, isto é, um emprego, já não são mais abordáveis.
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Os Detentores do Poder Econômico, em outras esferas, dedicam-se
a fazer nascer o Virtual, a combinar, sob a forma de “Derivativos”,
Valores Financeiros não mais sustentados por Ativos Reais
e que, Voláteis, Inverificáveis, geralmente são Negociados, Sacados,
Convertidos antes mesmo de haverem existido.
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Os homens de decisão de nosso tempo tornaram-se aquilo que Robert Reich (REICH, 1993) chama de ‘manipuladores de símbolos’, ou, se preferirmos,
‘analistas de símbolos’, que não se comunicam, ou muito pouco,
nem mesmo com o antigo mundo dos ‘patrões’.
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O que é que eles iriam fazer com todos esses ‘empregados’ tão dispendiosos,
inscritos na Previdência Social, tão incertos e contrariantes em comparação
com máquinas puras e duras, ignoradas de qualquer proteção social, manobráveis
por essência, econômicas ainda por cima e desprovidas de emoções duvidosas,
de queixas agressivas, de desejos perigosos?
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Máquinas que abrem para outra Era, que talvez seja também a nossa,
mas sem que tenhamos acesso a ela.
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Trata-se de um mundo que, por causa da Cibernética, das tecnologias de ponta, vive à velocidade do imediato;
um mundo em que a velocidade se confunde com o imediato em espaços sem interstícios.
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A Ubiqüidade, a Simultaneidade, aí, é Lei.
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Os que lá se movem não partilham conosco nem esse espaço, nem a velocidade,
nem o tempo. Nem os projetos, nem a língua, menos ainda o pensamento.
Nem as cifras nem os números. Nem, sobretudo, a preocupação. Nem, por sinal, a moeda.
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Eles não são ferozes, nem mesmo indiferentes. São inatingíveis
e se lembram de nós vagamente como parentes pobres deixados lá no passado,
no mundo pesado do trabalho, naquele mundo dos ‘empregos’.
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Por acaso cruzamos com eles?
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Nada orgulhosos, eles nos acenam com sinais de seu mundo de sinais
e voltam a jogar entre si aqueles jogos apaixonantes
que condicionam este Planeta, cuja existência fora de sua Rede acabam ignorando.
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Eles governam a Economia Mundializada por cima de todas as Fronteiras e todos os Governos.
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Os Países, para eles, fazem o Papel de Municipalidades.
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E nesse Império – parece sonho! –, trabalhadores ‘pobres-coitados’
ainda imaginam poder encaixar seu ‘Mercado do Emprego’!
É de chorar de rir.
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Antes, bastava-lhes manter-se em seu lugar. Eles precisam aprender a não ter nenhum:
essa é a mensagem que, ainda discretamente, lhes é insinuada.
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Mensagem que não se quer, que não se ousa decifrar
com medo de imaginar suas possíveis conseqüências.
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A tendência, entretanto, é exatamente essa.
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Uma quantidade importante de Seres Humanos já não é mais necessária
ao pequeno número que molda a Economia e detém o Poder Econômico.
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Segundo a lógica reinante, uma Multidão de Seres Humanos
encontra-se assim sem razão razoável para viver neste mundo,
onde, entretanto, eles encontraram a Vida.
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Para obter a faculdade de viver, para ter os meios para isso,
eles precisariam responder às necessidades das Redes que regem o Planeta,
as Redes dos Mercados.
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Ora, eles não respondem – ou antes, são os Mercados que não respondem mais
à sua presença e não precisam deles. Ou precisam muito pouco e cada vez menos.
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Sua vida, portanto, não é mais ‘legítima’, mas tolerada.
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Importuno, o lugar deles neste mundo lhes é consentido por pura indulgência,
por sentimentalismo, por reflexos antigos, por referência ao que por muito tempo
foi considerado sagrado (teoricamente, pelo menos).
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Pelo medo do escândalo.
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Pelas vantagens que os Mercados ainda podem tirar disso.
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Pelos jogos políticos, pelas jogadas eleitorais baseadas na impostura de ver em curso
uma ‘crise’ provisória que cada campo pretende ser capaz de estancar.
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E depois, determinado bloqueio atávico das consciências
impede de aceitar de imediato uma tal implosão.
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É difícil admitir, impensável declarar que a presença de uma multidão de humanos
se torna precária, não pelo fato inelutável da morte, mas pelo fato de que,
enquanto vivos, sua presença não corresponde mais à lógica dominante,
uma vez que já não dá Lucro, mas, ao contrário, revela-se dispendiosa, demasiado dispendiosa.
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Ninguém ousará declarar, numa Democracia, que a Vida não é um direito,
que uma multidão de vivos está em número excedente.
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Mas, num Regime Totalitário, será que não se ousaria?
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Já não se ousou?”
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(http://abre.ai/livro_o-horror-economico_viviane-forrester)
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Urbano
Terceirizar a área pública serve unicamente para a malversação e a decadência da qualidade dos serviços.
baader
mais uma vez, rogo, imploro para que se dê atenção ao aspecto dessa proposta absurda quanto ao serviço público: querem ampliar essa excrecência para tal setor. já imaginou um prefeitinho qualquer montando sua empresinha para contratar psicólogos, assistentes sociais, médicos e outros, que lhe são mais próximos ou próximos dos seus próximos? (bye bye concursos públicos?) e o artigo 37 da CF88, será estuprado, assim, só porque brasileiros analfabetos políticos (ou beneficiários diretos) votaram nesses crápulas?
FrancoAtirador
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Terceirização é o Estabelecimento da Sociedade de Castas.
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(http://brasil.elpais.com/brasil/2015/04/15/politica/1429062587_512450.html)
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“Essa Casta que Comanda o Congresso Nacional,
que tenta acabar com Direitos dos Trabalhadores,
não nos representa”
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Paulo Cayres, presidente da Confederação Nacional dos Metalúrgicos
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