Ela Wiecko: “A reforma política que se apresenta não vai ser de renovação mas de aprofundamento da corrupção”; veja o vídeo
Tempo de leitura: 4 min“Processo penal no Brasil é um jogo para direcionar interesses políticos”, afirma Ela Wiecko
por Fernanda Valente, no Justificando
A operação Lava Jato não só operacionaliza a persecução penal, como alguns procuradores acreditam que podem interferir e melhorar o país através de manipulações do processo.
Assim é o entendimento da subprocuradora-geral da República Ela Wiecko de Castilho, indicada sete vezes na lista tríplice para o cargo de Procuradora Geral (PGR).
“A corrupção no Brasil é estruturante e não pode ser reduzida por um processo penal”, declarou Ela nesta quarta-feira (30), em palestra durante o 23º Seminário Internacional de Ciências Criminais do IBCCrim deste ano.
De acordo com a subprocuradora, o processo penal de exceção ainda não é visível em todo Ministério Público Federal (MPF), mas acredita que a Operação Lava Jato segue esse caminho, uma vez que passou dos limites em casos que garantias individuais dos acusados, presunção de inocência e equilíbrio devido no processo não foram levados em consideração.
“Tudo o que aconteceu nos últimos anos mostra que devemos enfrentar o problema da democracia social, econômica, racial e de gênero”, afirmou.
O discurso de democratizar a Justiça, para Ela Wiecko, “é muito simpático, no sentido que a Justiça penal não pode ser só para os pobres, deve ser para os ricos também”. “Mas não faz sentido alguém que furtou dois desodorantes responder um processo penal e ter uma pena igual a quem confessou que participou do esquema de corrupção de licitação da Petrobrás e recebeu propina”, opina.
Citando a filósofa Márcia Tiburi, Ela explicou que a espetacularização do processo produz uma luta entre “mocinhos e bandidos”, entre o bem e o mal, e criticou as conduções coercitivas, os excessos de delação premiada e a maneira como a opinião pública tem pautado os julgamentos.
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Até agosto de 2016, Ela Wiecko foi vice-procuradora na gestão de Rodrigo Janot. Quando questionada pela reportagem sobre as expectativas com Raquel Dodge na PGR, Ela disse acreditar que a Operação Lava Jato deixará aos poucos de ser prioridade.
“Raquel não tem como impedir que os procedimentos aconteçam. Não vai ser a mesma coisa que foi com Janot, que via a operação como prioridade. Raquel tem falado muito sobre os direitos humanos e a tutela coletiva”, disse.
A subprocuradora conversou com o Justificando sobre a utilização do processo penal no combate a corrupção e o uso de colaboração premiada em diversos casos. Leia abaixo:
Justificando – A senhora pode explicar mais sobre o que chama de ‘operacionalização da seletividade no processo’.
Ela – A seletividade sempre existiu. A polícia, que precisa mostrar serviço em casos de tráfico de drogas, já sabe mais ou menos o lugar onde o pessoal vai fumar um “baseado”, vender crack etc. E ela [polícia] vai nos lugares em que as pessoas são mais vulneráveis à ação e podem ser presas. Mas você não vê a polícia fazendo um trabalho que vá até as casas do Lago Sul, em Brasília, onde se cheira cocaína. Ou mesmo no Rio de Janeiro e São Paulo.
Na Lava Jato, uma crítica que se faz é que as pessoas são presas para fazerem a colaboração premiada. Mas acredito que deve se fazer a análise de quais as pessoas que são presas, aí que entra a seletividade. É tudo muito planejado para criar uma situação em que “um entregue o outro”. Esse tipo de “seleção” sobre quem vai ser preso, o tempo que ficará preso… Alguns processos andam mais rápidos do que os outros.
Por exemplo?
O processo do ex-presidente Lula, que correu ‘a jato’.
Qual o seu entendimento sobre a colaboração premiada? É um recurso necessário?
Como um mecanismo de investigação acho que deve ser utilizada com cautela. Não deve ser incentivado fazer a colaboração. Hoje, não está conseguindo comprovar aquilo que foi delatado. O próprio procurador geral [Rodrigo Janot] já pediu vários arquivamentos. Eu já sabia que com a colaboração da Odebrecht iam tem milhares de processos e que teriam que ter critérios. (…) Acho que se pecou pelo excesso.
E quanto a Operação Lava Jato?
O Mensalão só deu certo pela atuação do ministro Joaquim Barbosa. A Lava Jato só funciona por causa do Moro, da equipe da Polícia Federal e Ministério Público que se ajustaram à operação. Mas parece que (…) você tem que sair na imprensa, tem que fazer crítica e puxar indignação popular. É um jogo e você direciona o processo penal para ter objetivos políticos.
Não é que o Deltan [Dallagnol] vai querer sair como [candidato a] deputado e o [Rodrigo] Janot como governador. Mas eles creem que desta forma vão reformar o país, que nós vamos ter uma concorrência de mercado menos desleal (…) Eles acham que podem interferir e melhorar o país através dessas manipulações do processo.
A hipervisibilidade deles acaba sendo negativa para o processo…
Sim, porque a gente já vê que há muitos processos que estão dando em nada. Por exemplo, aquele de que a Dilma teria obstruído a Justiça com a conversa [com o ex-presidente Lula] – e que no fim levou à queda dela. Eu não achava que era que era obstrução de Justiça colocar o Lula com prerrogativa de foro.
Eu achava ela [Dilma] difícil como presidente, mas afinal de contas ela foi deposta com um golpe judicial.
Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) no Facebook
A subprocuradora-geral da República Ela Wiecko de Castilho fala com exclusividade ao #IBCCRIM sobre o chamado processo penal de exceção, tema de seu painel no 23º Seminário Internacional de Ciências Criminais.
Na entrevista, a jurista também comenta de que maneira o discurso de combate à corrupção legitima e reforça o processo penal de exceção. “A corrupção não pode ser combatida, erradicada, reduzida por um processo penal. Ela faz parte das práticas da sociedade e do Estado brasileiro, fundadas na desigualdade”, afirma.
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