Osama bin Laden
Mais uma baixa no despertar árabe
3/5/2011, Spengler, Asia Times Online
Tradução do Coletivo da Vila Vudu
Muito mais surpreendente que o assassinato de Osama bin Laden na 2ª-feira foi saber que o homem vivia sem ser molestado numa casa em Abbottabad, cerca de 65 quilômetros ao norte de Islamabad, capital do Paquistão. Quantos militares paquistaneses e outros conheciam esse endereço? “Os EUA fazemos o que decidamos fazer”, disse o presidente Barack Obama, em voz robótica, ao comunicar o assassinato de Bin Laden, dia 1º de maio, em ataque conduzido por forças especiais dos EUA e do Paquistão.
A verdade é que nada aconteceu exatamente assim, os EUA nada fizeram sem ajuda dos amigos, e ajuda pela qual, de fato, foram obrigados a esperar muito.
Em situações normais, não gosto de especular sobre detalhes operacionais. Consultar fontes sobre assuntos secretos, mesmo as melhores fontes, é como dizer “Pinóquio, minta para mim!” Mas algumas das ideias que alinho aqui são óbvias e assim continuariam, mesmo que não nos faltassem todos os dados. É praticamente impossível não concluir que Bin Laden foi assassinado essa semana porque os vários que conheciam seu endereço decidiram que as autoridades dos EUA seriam informadas nesse exato momento. O que mudou? A resposta mais simples é: mudou tudo. A instabilidade do mundo muçulmano alcançou tais níveis que Bin Laden converteu-se em redundância.
A derrubada do presidente egípcio Hosni Mubarak e a iminente derrubada do presidente Ali Abdullah Saleh do Iêmen, além da instabilidade que se espalha por todo o mundo árabe, alteraram a posição relativa da al-Qaeda. Do ponto de vista privilegiado de Riad, Bin Laden passou a ser um incômodo; sempre foi considerado uma metralhadora giratória enlouquecida, mas jamais representou qualquer ameaça à posição estratégica da Arábia Saudita.
A família real saudita, já há muito tempo, optou por autorizar alguns dos seus membros com simpatias mais radicais a garantir apoio secreto a Bin Laden, em troca do acordo pelo qual a al-Qaeda deixaria em paz a Península Arábica. Como se leu em telegrama publicado por WikiLeaks, a secretária de Estado dos EUA Hillary Clinton escreveu, em memorando, que “É preciso fazer mais, porque a Arábia Saudita continua a garantir apoio financeiro essencial à al-Qaeda, aos Taliban, ao LeT [Lashkar-e-Toiba] e a outros grupos terroristas.”
Com a desestabilização do Iêmen, esse modus vivendi tornou-se obsoleto. Como viu-se claramente no tenso comunicado diplomático feito pelo secretário de Defesa, do resultado de seu encontro com o rei Abdullah dia 6 de abril, os sauditas estão terrivelmente preocupados com a desestabilização do Iêmen pela al-Qaeda aliada ao Irã.
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Na guerra civil que prossegue em forno baixo no Iêmen – praticamente amostra em pequena escala da guerra entre Riad e Teerã – a al-Qaeda está atuando como aliada do Irã. Não foi grave incômodo para Riad, enquanto o governo de Saleh aliado dos sauditas permanecesse intacto. Mas agora se aproxima o inevitável colapso do governo de Saleh. E esse colapso pode abrir espaço para que o Irã se implante mais firmemente na região da fronteira com a Arábia Saudita. (…)
Em resumo, se, antes, a al-Qaeda recebia financiamento de ambos, sauditas e iranianos, nas atuais circunstâncias a al-Qaeda passou a ser mais importante para os interesses do Irã, do que para os interesses dos sauditas. Apoiar terroristas é rua de duas vias: exatamente porque “Arábia Saudita continua a garantir apoio financeiro essencial à al-Qaeda”, a inteligência saudita acabou por reunir alguma informação aproveitável sobre o grupo ao qual entrega tanto dinheiro.
Os sauditas, além do mais, têm muito interesse em por fim aos braços terroristas aliados dos militares paquistaneses. À medida que a guerra fria entre sauditas e iranianos esquenta cada vez mais, Islamabad pode ir-se tornando mais interessante para Riad, como fonte de apoio militar. O jornal Asia Times Online já informou que a Guarda Nacional do Bahrain já começou a recrutar mercenários paquistaneses (ver “Pakistan ready for Middle East role”, Syed Saleem Shahzad, Asia Times Online, 2/4/2011).
Há também especulações de que a Arábia Saudita estaria a um passo de pedir ajuda do exército paquistanês; e Riad estaria disposta a financiar pesquisa de tecnologia nuclear no Paquistão, como meio para contrabalançar o programa nuclear iraniano. E a quem mais os sauditas poderiam pedira apoio no caso de guerra com o Irã? Os sauditas não confiam nos EUA. Já se sabe que o rei Abdullah enfureceu-se quando Obama abandonou Mubarak, aliado histórico dos EUA. E os sauditas tampouco confiam nos turcos, hoje convertidos em ‘risco’ para a região, do ponto de vista dos sauditas.
A capacidade militar dos paquistaneses e a urgente carência de dinheiro tornou o poder sunita mais maleável aos interesses dos sauditas; mais uma razão para prosseguir a faxina e tirar de campo elementos pouco confiáveis, como Bin Laden.
Por tudo isso, e por irônico que pareça, Bin Laden não passa, mesmo, de mais uma baixa no despertar árabe. Podemos, no máximo, tentar adivinhar como foram seus últimos momentos e é provável que a verdade jamais venha à tona. Mas pode-se concluir com razoável certeza que Bin Laden morreu esmagado entre as placas tectônicas que hoje se movem em todo o mundo muçulmano.
Essa conclusão torna ainda mais sem sentido a autolouvação, a autocongratulação dos norte-americanos, festejando um assassinato. As forças especiais dos EUA talvez sejam agentes, no máximo, dos tiros que assassinaram Bin Laden. Mas a causa eficiente da morte é o grande, importante, crucialmente estratégico levante árabe de 2011 – que os EUA absolutamente não entendem e ao qual não estão preparados para responder.
Comentários
Mário SF Alves
A equação que faltava (primeira aproximação):
1) o máfio-capitalismo-corporativista-neo-darwinista domina o Estado e o governo dos EUA ;
2) o referido governo faz a mais implacável demonização da ex-URSS;
3) a URSS é extinta e com ela a guerra-fria;
4) os "vencedores" alardeiam o fim da História;
5) o processo de sequestro de Estados continua e, após a assinatura do Tratado de Maastricht, a 7 de fevereiro de 1992, passa a aliciar e incluir a União Européia;
6) setembro de 2001, implosão do WTC e início da demonização de um novo "inimigo", o "terrorismo internacional" implantado pela al-Qaeda e liderado por Osama Bin Laden;
7) sob o signo do terror, os EUA decretam o USA PATRIOT Act (acrônimo de "Uniting and Strengthening America by Providing Appropriate Tools Required to Intercept and Obstruct Terrorism Act of 2001), o que definitivamente joga por terra as garantias individuais e a constituição democrática americana;
8) Desregulamentação do sistema financeiro atinge seu ápice culminando na crise de 2008;
9) Internet possibilita ao WikiLeaks a obtenção de 250.000 telegramas das embaixadas americanas e impõe o mais crucial desmascaramento do Império e ecossistemas associados;
10) o magnata nova-iorquino Donald Trump cobra a certidão de nascimento do presidente dos EUA e recebe como resposta a certidão de óbito do Osama;
11) Novo ciclo de terror se estabelece e a al-Qaeda passa a ser confundida com cada um que demonstre aversão ao Império (ou que simplesmente seja um livre-pensador);
12) censura total da internet com recrudescimento da massificação midiática visando à total diluição e homogeinização da capacidade crítica individual;
13) reação global e reinício da História, mediante o fortalecimento da guerra cibernética.
Obama e Osama « O Caderno de Patrick
[…] abandonando a busca de Bin Laden em troca da, digamos assim, mais lucrativa aventura no Iraque. Analistas bem informados apontam que as mudanças recentes no ambiente político do Oriente Médio facilitaram a possível […]
Mário SF Alves
j.felix colocou a questão:
"Porque Bin Laden se esconderia no Paquiatão, lacaio dos EUA? Deveria procurar outros países que o protegeriam, por exemplo o Iraã, eu em seu ligar faria isso"
Faz todo o sentido. A começar pelo adjetivo "terrorista"; afinal, o que o sujeito tem ou tinha de terrorista? E que história é essa de terrorista que só faz fortalecer o inimigo?
Bakunin seria o primeiro a se virar no túmulo com esse lenga-lenga de Bin Laden terrorista.
MArdones
O Asia Times tem sido a melhor fonte sobre o mundo árabe de longe.
j.felix
Porque Bin Laden se esconderia no Paquiatao, lacaio dos EUA?Deveria procurar outros paises que o protegeriam,por exemplo o Ira , eu em seu ligar faria isso
Mário SF Alves
Sim, excelente pergunta. A menos que o dito terrorista fosse ele também um lacaio do máfio-capitalismo-corporativista-neo-darwinista americano e ecossitemas associados,
Mario josé Bonfin
Como as grandes verdades nunca são reveladas, há sempre conjecturas. Então vamos lá: O Pakistão (Governo) sabiam há muito tempo onde estava Bin Laden e o Governo da Arábia Saudita também. Então como a situação do no Oriente está cada dia deteriorando cada vez mais. Resolveram eliminar Bin Laden pois o mesmo seria como pólvora pertoo da chama. Poderia com seu carisma provocar uma grande explosão entre os Árabes.
Pelo sim , pelo não!
Agora veremos daqui para frente quem vai pagar o "pato". Eu acho que é a Árábia Saudita!
A “redundância” de Osama bin Laden « Dukrai's Blog
[…] “redundância” de Osama bin Laden Por dukrai sugado do Viomundo http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/a-redundancia-de-osama-bin-laden.html 3 de maio de 2011 às […]
dukrai
affffffffffffe, os nossos netos vão estudar isto nos livros de história.
FrancoAtirador
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Um fato, que pouco se comenta, é que os EUA e a al-Qaeda,
ainda que com interesses diversos e propósitos variados,
estão do mesmo lado, na Líbia: ambos tentam derrubar Kadafi.
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Mário SF Alves
"Ainda que com interesses opostos e propósitos variados".
Franco,
Propósitos variados, sim, pode até ser, mas OPOSTOS… aí paira uma zona de nuvens cinzentas e um céu cravado de dúvidas.
Janes Rodriguez
Melhor e mais lúcida e sensata análise que li sobre o tema em pauta.
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