28/05/2013 – 03h30
A farsa da anistia
por Vladimir Safatle, na Folha
Motivada por afirmações de membros da Comissão da Verdade referentes à necessidade de reinterpretação da Lei da Anistia, esta Folha abriu mais uma vez espaço importante para o debate a respeito do problema. Artigos assinados e editoriais apareceram nos últimos dias mostrando como esta é uma discussão da qual o Brasil não pode escapar.
Neste momento, a Comissão da Verdade começa a desmontar antigas mentiras veiculadas pelo regime militar, como assassinatos travestidos de suicídios e desaparecimentos ou aquela afirmação patética de que as ações de tortura não eram uma política de Estado decidida pela alta cúpula militar. Ela também colocou à luz a profunda relação entre empresariado e militares na elaboração e gestão do golpe.
No entanto, uma das maiores mentiras herdadas daquele período é a história de que existiu uma anistia resultante de ampla negociação com setores da sociedade civil e da oposição. Aquilo que chamamos de “Lei da Anistia” foi e continua sendo uma mera farsa.
Primeiro, não houve negociação alguma, mas pura e simples imposição das condições a partir das quais os militares esperavam se autoanistiar.
O governo de então recusou a proposta do MDB de anistia ampla, geral e irrestrita, enviando para o Congresso Nacional o seu próprio projeto, que andava na contramão daquilo que a sociedade civil organizada exigia.
Por não ter representatividade alguma, o projeto passou na votação do Congresso por míseros 206 votos contra 201, sendo todos os votos favoráveis vindos da antiga Arena. Ou seja, só em um mundo paralelo alguém pode chamar de “negociação” a um processo no qual o partido governista aprova um projeto sem acordo algum com a oposição. Há de se parar de ignorar compulsivamente a história brasileira.
Segundo, mesmo essa Lei da Anistia era clara a respeito de seus limites. No segundo parágrafo do seu primeiro artigo lê-se: “Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, de assalto, de sequestro e atentado pessoal”. Por isso, a maioria dos presos políticos não foi solta em 1979, ano da promulgação da lei (por favor, leia a frase mais uma vez). Eles permaneceram na cadeia e só foram liberados por diminuição das penas.
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Os únicos anistiados, contra a letra da lei que eles próprios aprovaram, foram os militares que praticaram terrorismo de Estado, sequestro, estupro, ocultação de cadáver e assassinato. A Lei da Anistia consegue, assim, a proeza de ser, ao mesmo tempo, ilegítima na sua origem e desrespeitada exatamente pelos que a impuseram.
Vladimir Safatle é professor livre-docente do Departamento de filosofia da USP (Universidade de São Paulo).
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Comentários
abolicionista
Uma pena que a Comissão também não traga à luz a atuação nefasta de alguns setores de mídia e de empresários. De todo modo, canalhas como Ustra merecem apodrecer atrás das grades.
Aline C Pavia
Engraçado o Safatle falar disso justamente na Folha Ditabranda?
Heidy
Como pode um professor considerar esquisito que um partido que apoie um governo vote com esse governo. (sic)
Na certa, o profeçô tomém acha esquisito que a Comissão da Verdade não investigue crimes da esquerda armada, certo?
Julio Silveira
Que por sinal surgiu para combater um Golpe de estado.
É engraçado como pensam os golpistas, fardados ou não, do passado ou atuais. Eles acham que tem o direito de praticar golpes institucionais sempre que acharem que o país corre o risco de enveredar democraticamente para um lado que nãos lhes agrade, e que isso deve ser recebido com recato pela cidadania. Me faz lembrar, uma novela antiga que vi, com tematica escravagista, se não me falha a memoria, foi sobre a escrava amordaçada que virou santa, a Anastácia, que foi violentada pelo seu sinhozinho, e que não tolerava atos de insubordinação de sua esposa quando exigia recebe-lo com recato na hora de aplacar seus instintos sexuais. Parece que essa turma golpista tem orgasmo estuprando a constituição e as normas constitucionais. Para eles a cidadania são as Anastácias e as vezes as esposas.
kalifa
A lei da anistia foi caolha e conseguiu um enxergar seletivo, ou seja anistiar os culpados e manter a culpabilidade dos que deveria anistiar!
Osvaldo Bertolino: Setores da mídia são entulho do golpe de 64 – Viomundo – O que você não vê na mídia
[…] Vladimir Safatle relembra: Anistia passou com 206 votos da Arena […]
J Souza
Essa lei é cláusula pétrea da Constituição?
Se não, é só o congresso aprovar uma lei anulando a auto-anistia que os militares se deram…
Não precisa de uma constituinte para fazer isso. Mas de coragem precisa, sim!
E um congressinho que se abaixa até para um stf meia-boca nunca vai ter coragem de enfrentar os militares.
Mas, enquanto essa lei da auto-anistia estiver em vigor, o stf vai respeitá-la… Se quiser, pois o stf escolhe qual, onde, quando e como respeitar a lei.
Esse negócio de sequestrar, torturar e matar funciona mesmo… O pessoal se pela de medo dos milicos até hoje…
Fabio Passos
E o stf valida esta canalhice para proteger facinoras que cometeram crimes contra a humanidade.
O stf esta mergulhado ate o pescoco no esgoto… montado no cangote do PiG.
Os supremos panacas vao precisar prestar contas muito em breve por oferecer impunidade a carniceiros assassinos e torturadores.
Urbano
A arena foi o capataz serviçal da ditadura trevosa.
Marcio H Silva
Tem uns reaças que ficam na internet querendo que seja feita justiça para os dois lados. Esquecem eles, que os chamados “terroristas” já foram julgados ( os que não forram assassinados, claro ) e tiveram que cumprir sua pena. Então não podem julgar os mesmos caras pelos mesmos ditos “crimes” cometidos. Bem, agora falta julgar o outro lado, é disto que trata a Comissão da verdade…..
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