Roberto Amaral: Não tem “crise” na educação, destruição é deliberada

Tempo de leitura: 6 min

A crise da educação no Brasil não é uma crise; é projeto

por Roberto Amaral, em seu blog

Cortes deliberados em ciência, tecnologia e educação são parte do plano antinacional de inviabilização do futuro do Brasil

A frase de Darcy Ribeiro que titula este artigo sintetiza o governo que nos assola desde o golpe do impeachment: a dita crise, criada de fora para dentro, é um projeto de desconstrução, com início, meio e fim, que percorre todos os vãos da vida nacional, mas se concentra na inviabilização do futuro do país, cortando de vez as possibilidades objetivas de retomada do desenvolvimento, pois todas elas dependem de ensino, pesquisa e tecnologia, o alvos mais frágeis.

Esse projeto tenta, como nenhum governo nacional ou estrangeiro jamais ousou, a destruição da Amazônia – doando ao desmatamento, à grilagem e à mineração predatória (alguém se lembra de ‘Serra pelada’?) uma área superior ao território da Dinamarca, enquanto abre nossas terras de fronteira à especulação internacional.

Com a privatização da Eletrobras — e aí está o ataque frontal à economia produtiva depois da destruição da engenharia brasileira –, teremos, por inevitável, o aumento do preço da energia, inviabilizando as indústrias intensivas em consumo de energia.

O volume de crédito para empresas caiu e o juro subiu, apesar da queda da Celic.

Mediante os mais variados procedimentos empreende a desmontagem de ativos estratégicos indispensáveis ao nosso desenvolvimento e à nossa soberania, como a Petrobras e o BNDES.

Como coroamento, interdita o único caminho que nos levaria para o futuro: o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, e a universalização do ensino, como direito fundamental de todos.

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Com o corte geral dos investimentos (a ‘PEC do teto de gastos’ ou ‘PEC do Fim do Mundo’) decreta a interdição, por 20 anos, dos investimentos públicos em áreas como infraestrutura, educação e saúde, além da já citada C&T.

Trata-se, portanto, de projeto, tão bem alinhavado, quanto diabólico e impatriótico: transformar a pobreza de hoje num destino irrecorrível, aumentar a desigualdade social com o desmantelamento da escola pública, gratuita e de boa qualidade.

O golpe certeiro foi anunciado (para quem quis ver), logo nos primeiros dias da nova ordem, com a destruição do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, transformado em um uma secretaria sob a chefia geral de um ministro sem qualificação, sem visão de conjunto, sem visão de Brasil.

A pá de cal viria com o criminoso corte dos recursos destinados às universidades públicas, à pesquisa, ao ensino e à inovação.

A comunidade científica e acadêmica assiste perplexa (demoradamente perplexa e sem resposta à altura do desafio) à deterioração crescente das condições mínimas necessárias para manter de pé o ensino de qualidade e a pesquisa, especialmente nas universidades públicas – e em nosso país a pesquisa é quase uma exclusividade das universidades públicas, acompanhadas de umas poucas instituições privadas de ensino, as quais, todavia, têm seus programas financiados pelo poder público, via CNPq, FINEP, CAPES e agências estaduais de fomento, como a FAPERJ e a FAPESP.

Não sem lógica, portanto, o orçamento das universidades federais teve um corte de 3,4 bilhões. Os recursos para as bolsas do CNPq chegam ao fim do poço neste setembro, criando insegurança e pânico a milhares de pesquisadores.

Esse hediondo crime que se pratica contra o presente e principalmente contra o futuro de nossa gente e de nosso país, é o fruto óbvio da redução drástica do orçamento tanto do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) como do Ministério da Educação (MEC).

No caso do MCTIC, seu orçamento para 2017, corresponde a cerca de 25% daquele que teve nos governos lulistas, que mesmo então ainda não era nem o desejável nem o necessário. Mas não é só.

O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), principal fonte de apoio à infraestrutura física e laboratorial, teve seu orçamento inicial reduzido de cerca de R$ 3,5 bilhões para R$ 1,3 bilhão.

Logo em seguida, uma nova redução para R$ 720 milhões, valor que não permite o pagamento dos projetos em execução e impede que instituições de fomento como o CNPq e a FINEP apoiem novas pesquisas e projetos de inovação, fundamentais para o desenvolvimento de novas tecnologias pelas indústrias aqui instaladas.

Importantes e tradicionais instituições que integram o MCTIC, como o Observatório Nacional, o Centro Brasileiro de Pesquisas Científicas, o Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia, o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, o Laboratório Nacional de Computação Científica, entre outros, podem encerrar suas atividades já no final deste mês.

Todas as universidades federais estão em crise, e estaduais como a UERJ, não têm mais condições de funcionamento normal.

Todo este quadro leva a um profundo desânimo por parte dos pesquisadores, incentivando a migração para outros países, nos quais vislumbram caminhos de continuidade de seus projetos e suas pesquisas, depois de haverem tido suas formações custeadas pelo povo brasileiro.

Mas o pior está anunciado para 2018.

O projeto de Lei Orçamentária para 2018, enviado pelo Planalto ao Congresso Nacional reduz ainda mais os recursos do MCTIC, dos atuais e minguados 15,6 bilhões (o menor da história) para 11,3 bilhões.

A proposta de Meirelles-Temer risca do mapa projetos estratégicos (são sempre eles os mais atingidos) como o Sirius (novo acelerador de partículas) e o Reator Multipropósito, destinado à pesquisa e à fabricação de radiofármacos.

Esses projetos, considerados prioritários pelos governos Lula-Dilma e pela comunidade cientifica, integravam o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A proposta para o FNDCT em 2018 é de R$ 390 milhões, cerca de metade do já catastrófico orçamento disponível para 2017.

No mundo da quarta revolução industrial, delineando a ‘era do conhecimento’, com profundos impactos sobre a forma de produção de bens e serviços e sobre a vida dos cidadãos e os destinos das nações, nós que chegamos à revolução industrial com cem anos de atraso, nos vemos apartados, por muito tempo, de qualquer sorte de desenvolvimento.

Este, se não detido, é o legado de um governo de natureza ilegítimo, sem mandato para o programa que está impondo ao pais. E nesses termos nos achamos na contramão do mundo: enquanto cortamos os recursos federais, a União Europeia, em crise, decide (exatamente para sair da crise) investir 3% de seu PIB em Ciência e Tecnologia, a China aumenta em 26% seus investimentos em pesquisa básica, e os EUA, a maior potência mundial também em C&T, vai investir 2,7% de seu PIB.

Sempre é bom citar a Coreia do Sul, nos anos 1950 um país de camponeses devastado por uma guerra fratricida, hoje um país desenvolvido, de quem importamos manufaturados de elevado teor tecnológico: de 2000 a 2014, o investimento sul-coreano em ciência e tecnologia saltou de 2,19% para 4,29%!

Enquanto isso, no Brasil de Temer et caterva, reduzimos os investimentos em ensino e pesquisa.

Não se trata de acaso, mas de política antinacional deliberadamente adotada.

Se nada mudar, estaremos, muito em breve, condenados a comprar a preço de ouro, e em condições de subserviência, o acesso àquela ciência e àquela tecnologia que os países que as detém se dispuserem a ceder, aquela ciência e aquela tecnologia cujo desenvolvimento nos está sendo negado pelo regime Meirelles-Temer.

Em muitos casos, porém, tais tecnologias sequer estarão disponíveis para compra, especialmente aquelas que apresentem potencial de acesso a clubes tecnológicos fechados para países não-membros.

Pior. Os controles exercidos pelos países desenvolvidos sobre tecnologias de uso dual, incluindo as áreas nuclear e espacial, vêm sendo ampliados com propósitos que extrapolam questões de segurança e avançam claramente sobre a área comercial.

Ou seja, esses controles funcionam, em última análise, como mais uma barreira ao acesso dos países em desenvolvimento às tecnologias de que tanto necessitam.

O controle das tecnologias, claro está, é forma de dominação. Donde produzir sua própria tecnologia é o caminho a ser percorrido por quem deseja emancipar-se.

É o caminho que nos foi fechado pelo governo ilegítimo, que assim atenta, também e conscientemente, contra nossa soberania.

Conhecimento científico e tecnologia estão no cerne dos processos por meio dos quais os povos são continuamente reordenados em arranjos hierárquicos.

Desde sempre se sabe que o conhecimento comanda a hierarquização dos povos, motivo pelo qual se faz necessário assumir a evidência de que não há possibilidade de Estado soberano sem autonomia científica e tecnológica e, conclusivamente, não há possibilidade de inserção justa na sociedade internacional, na globalização como se diz agora, sem soberania.

Um governo conciliado com o interesse nacional teria à sua frente a árdua tarefa de, a um só tempo, promover o desenvolvimento científico e a aplicação tecnológica, e ensejar a mais rápida introdução das inovações ao processo produtivo.

Mesmo em circunstâncias normais tratar-se-ia de ingente corrida contra o tempo, corrida que desde a partida nos encontrou atrasados, atraso esse que se acentua em face do ritmo lento de nosso desenvolvimento científico-tecnológico.

É esse atraso que a dupla Meireles-Temer e seus comparsas de súcia estão, deliberadamente, aprofundando, ameaçando-nos com um ponto sem retorno.

Trata-se de projeto político que visa à destruição do presente e do futuro de nosso país, e só isso explica o ataque brutal à geração do conhecimento, mediante a destruição da universidade pública, da pesquisa e da ciência, e dos ensaios de inovação.

A crise é o governo que aí está.

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Comentários

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Nelson

Sim, a destruição do país, a desconstituição do Brasil enquanto nação soberana, é deliberada. Está prevista no “Ponte para o Futuro”. Tudo conforme exigido pelo Sistema de Poder que domina os Estados Unidos e boa parte do planeta e, não satisfeito, quer dominá-lo por inteiro.

O objetivo é eliminar potenciais competidores. O capitalismo já não tolerava competidores na primeira Revolução Industrial. No século 19, com suas políticas de “livre mercado”, a Inglaterra esmagou a Índia e o Egito, países que tinham também grande potencial de se desenvolverem.

Agora, então, diante da superprodução de mercadorias e da redução do contingente de consumidores dessa produção, é ainda mais crucial a destruição de parques produtivos.

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