“Talvez tenhamos viajado no tempo, de volta à ditadura”

Tempo de leitura: 5 min

Carta aberta de agradecimento à sociedade

Caros amigos, familiares e concidadãos,

Gostaríamos de agradecer ao apoio de todos aqueles que se mobilizaram para que nós, Inauê Taiguara Monteiro de Almeida e João Vitor Gonzaga, estivéssemos novamente em liberdade e pudéssemos defender-nos das acusações feitas por policiais da tropa de CHOQUE, que faziam a reintegração de posse do prédio da reitoria da USP.

Fomos presos arbitrariamente e de forma violenta.

Temos a consciência tranquila por saber que não estávamos no prédio da reitoria e que não participávamos da ocupação.

De modo que não temos receio algum de que eventuais imagens das câmeras que estão espalhadas pelo campus apareçam – inclusive exigimos que elas apareçam.

Durante cerca de três horas ficamos desaparecidos, pois se fomos detidos por volta das 05h horas do dia 12 de novembro, às 08h42min deste dia o twitter da PM de São Paulo declarou: “Informamos que na reintegração de posse na Reitoria da USP, ao contrário do que tem sido informado, não houve nenhum detido.”

Ora, então onde estávamos se não sentados no chão do ônibus da PM, ao final do corredor, estacionado entre o prédio da reitoria e a biblioteca Midlin?

Talvez tenhamos viajado no tempo, de volta para o período da ditadura.

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Gostaríamos que esta fosse a explicação mais plausível.

Porém, sabemos que infelizmente isto ocorre cotidianamente em plena Democracia e Estado de Direito, com especial recorrência nas periferias e favelas, onde habita a população negra e pobre do país.

Aparecemos e estamos soltos, mas somos a minoria destes casos. Sabemos disso.

Se saímos, foi graças à mobilização das pessoas, entidades e mandatos que se engajaram em nos defender.

Se não fosse a repercussão política de nossa prisão poderíamos ainda estar presos no Centro de Detenção Provisória de Osasco, ao qual fomos encaminhados pela manhã do dia 13 de novembro.

Enquanto cidadãos que foram presos injustamente, gostaríamos de agradecer a nossos amigos e familiares pelo amor e dedicação que empenharam à nossa liberdade.

Eles se mobilizaram desde o momento em que souberam que havíamos sido detidos e conseguiram, em pouquíssimo tempo, acionar uma rede de contatos que nos ajudou a sair da situação em que estávamos.

Queremos agradecer também à dedicação dos advogados Felipe Vono, Maria Lívia, Fernanda Elias, Viviane Cantarelli e dos advogados do Sintusp que deram o seu melhor e conseguiram que recuperássemos a nossa liberdade, bem como a todos os outros inúmeros advogados que nos ajudaram a conversar com nossos entes queridos que estavam para além dos muros da prisão e ajudaram a elaborar a estratégia jurídica que nos permitiu estar mais uma vez em liberdade.

Queremos agradecer também ao Deputado Estadual Prof. Carlos Giannazi, que esteve presente conosco por três vezes durante o dia e meio em que ficamos detidos (indo inclusive ao CDP para se certificar que nossa integridade física seria resguardada), à Deputada Leci Brandão que enviou o seu Chefe de Gabinete, Eliseu Soares Lopes, para nos prestar solidariedade no 93o DP.

Aos mandatos de Ivan Valente, Toninho Vespoli e Zé Maria que nos apoiaram.

Em especial, queremos agradecer ao Senador Eduardo Suplicy que intercedeu por nós.

Gostaríamos também de agradecer aos detentos, com os quais fomos levados ao CDP e com os quais dividimos uma cela durante à tarde do dia 13 de novembro, pela solidariedade e humanidade com que nos trataram.

Queremos agradecer às entidades “Grupo Tortura Nunca Mais/RJ”, “Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania, Belo Horizonte”, “Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos”, “União de Mulheres de São Paulo” e “Promotoras Legais Populares” e todas as outras que se manifestaram em nosso apoio.

Como membros da comunidade acadêmica da USP, gostaríamos de agradecer a todos os colegas do curso que se mobilizaram e ajudaram a divulgar a notícia de que estávamos presos.

Agradecemos ao Centro Acadêmico de Filosofia “Prof. João Cruz Costa” (o CAF), ao CAELL, ao CeUPES, ao CALQ e a todos os Centros Acadêmicos que manifestaram seu apoio para que fossemos liberados e inocentados.

Agradecemos ao Diretório Central dos Estudantes da USP, DCE Livre “Alexandre Vanuchi Leme” pelo apoio e solidariedade prestados.

Também somos gratos aos professores do Departamento de Filosofia, pois sua manifestação de apoio foi fundamental para que fossemos postos em liberdade.

Agradecemos aos colegas do Curso de Áudio Visual Anders R. e Lorena Duarte pela rápida edição do vídeo “Liberdade para João Vitor e Inauê!”.

Agradecemos Sintusp que além de manifestarem seu apoio, também disponibilizaram seus advogados para nos defenderem.

Agradecemos à Adusp pelo seu manifesto de apoio.

Somos gratos a todos os professores, funcionários e alunos da USP ou de outras Universidades que assinaram alguma das muitas cartas de apoio que circularam. Agradecemos também ao apoio, manifestado em nota, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e do Instituto de Psicologia.

A Reitoria da Universidade de São Paulo já se manifestou acerca dos prejuízos ocorridos no prédio da reitoria e disse que irá investigar e punir os responsáveis por tais danos. No entanto, nada disse sobre a prisão arbitrária de dois estudantes da universidade.

Gostaríamos de perguntar se nossa integridade física e moral não merecem a atenção da reitoria, que deveria zelar por toda a comunidade universitária?

Nenhuma pessoa sequer veio nos procurar para saber como estávamos e apurar os relatos sobre como nossa prisão foi feita.

Por esta conduta omissa em relação ao que passamos, repudiamos veementemente o silêncio da Reitoria da USP frente à injustiça que ocorreu com dois de seus estudantes dentro do Campus Butantã, principalmente por que a ação de reintegração de posse que culminou com a prisão arbitrária de tais estudantes foi solicitada pelo próprio reitor João Grandino Rodas.

Além de tudo isso, ainda receamos que esta mesma reitoria venha a mover um processo administrativo contra nós. (Quanto a isso, o DCE Livre da USP Alexandre Vanuchi Leme criou um abaixo assinado contra a criminalização do movimento estudantil e pela retirada imediata dos processos que teremos de responder. Quem quiser nos apoiar, o link é este).

Para finalizar, gostaríamos de afirmar que o que aconteceu conosco poderia ter acontecido com qualquer estudante ou cidadão que estivesse circulando naquele local àquela hora.

Ficamos desaparecidos por algumas horas, embora estivéssemos em mãos da Polícia Militar.

Fomos presos e torturados física, psicológica e moralmente.

Acusados de depredação ao patrimônio público, furto qualificado e formação de quadrilha (sendo este último crime inafiançável).

Mantiveram-nos longe de nossos familiares e amigos, pois alegaram que nos prenderam em flagrante.

Estivemos em seis celas diferentes (em dois DPs e no CDP). Ficamos nus várias vezes. Perdemos as roupas com que fomos detidos – recuperamos apenas nossos tênis, sem cadarços.

Rasparam nossas cabeças. E ainda teremos de responder ao processo jurídico que se instaurou contra nós.

Nesse sentido, gostaríamos de prestar nossa grande estima e mais altas considerações à lucidez das decisões do juiz Adriano Marcos Laroca e do desembargador José Luiz Germano (em 09 e 15 de outubro, respectivamente) sobre a questão da reintegração de posse do prédio da reitoria da USP, pois tais decisões reconheceram que acionar a polícia militar para resolver conflitos políticos, como o que se dava internamente à USP, poderia culminar em fatos lamentáveis como estes que infelizmente viemos a sofrer na pele.

Toda a arbitrariedade a que fomos submetidos só nos mostra uma coisa: a universidade precisa ser urgentemente democratizada.

Como disse a Associação dos Docentes da USP (Adusp) em seu manifesto lançado dia 13 de novembro, esperamos que em breve a USP possa ter a sua estrutura de poder democratizada através de uma Estatuinte livre, soberana e democrática.

Agradecemos sua atenção e pedimos que nos ajudem a divulgar esta carta,

Inauê Taiguara Monteiro de Almeida, estudante do 4o ano do Curso de e Filosofia da USP e membro do Centro Acadêmico de Filosofia “Prof. João Cruz Costa”

João Vitor Gonzaga, estudante do 5o ano do Curso de Filosofia da USP e funcionário técnico administrativo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP

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Comentários

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Ziegler e Galeano: Quem transformou o mundo em matadouro e manicômio – Viomundo – O que você não vê na mídia

[…] “Talvez tenhamos viajado de volta à ditadura” […]

Regina Braga

Menino…não é que teletransporte existe!!!Voltamos a ditabranda…suave,meiga e poderosa.Que a ditacuja se redima…pois cansei.Cansei de discurso insonso,cansei da falta de discurso,cansei da falta de insight,cansei da dicotomia(falo uma coisa e produzo outra),cansei do inocente útil….cansei dos públicos que nem sabem ser privados.

Ricardo CP

O Brasil voltou a ter presos políticos e exilados. Ou melhor, nunca deixou de os ter. E a causa disso é não termos saído corretamente (como se vê) da ditadura, uma vez que a auto-anistia continua valendo, por obra e graça do stf. E, para piorar, a Comissão da Verdade (Nacional), que poderia colocar tudo isso a limpo, não está funcionando direito… Estamos exagerando muito nesta história de sermos o país da conciliação! Assim, nada se concilia, na verdade!

pedro – ba

Nem precisa ler o texto todo para concordar. A única diferença é que a toga substituiu a farda.

Frankito Lopes

do ponto de vista do direito, o julgamento da Ação Penal 470 foi danoso! O julgamento relativizou o conceito de “duplo grau de jurisdição”, aplicou de modo equivocado a “Teoria do Domínio do Fato”, foi extremamente politizado (no sentido da guerra entre situação e oposição que o senhor tão bem mencionou), e talvez sua pior herança: demonstrou que a “Justiça” pode realizar a maior das injustiças, ou seja, “criar uma espécie de suplício público em pleno século XXI, tornando a aplicação da lei um espetáculo contra a corrupção”, um espetáculo meramente espectral, pois sabemos que essa relação vil entre poder econômico e poder político permanecerá. O julgamento foi comemorado pela mídia, a mesma mídia que exerce influência por meio de seu poder econômico e obriga a política a trabalhar a seu favor. Penso que uma lição está bastante clara: a democracia no Brasil não avança enquanto os meios de comunicação permanecerem nas mãos de apenas seis ou sete famílias!

Mardones

Com a palavra os ministros Mercadante e Cardozo.

Celso Carvalho

Não, não estamos sob uma ditadura. Estamos sim à mingua de um governo federal que não consegue e não tem intenções de desmontar o aparelhamento do estado formado pela ditadura. O governo federal sob Lula e Dilma é um fracasso em relação aos direitos civis. Em que pese uma política de distribuição de renda, mais investimentos na infraestrutura e na educação, os métodos repressivos e criminosos de agentes do estado permanecem. Assim, vários criminosos que militam nos partidos da oposição, nas instituições públicas e na mídia podem comemorar que está tudo dominado.
De uma coisa a oposição tem razão: Dilma é, de fato, uma gerentona.
Só estou aguardando um reagendamento da presidenta para conversar com Obama e comprar o caças americanos. Disso eu não tenho dúvidas.

Fabio Passos

A “elite” branca e rica, que apanha com freqüência quando as urnas são abertas, está inconformada com a ascensão social de milhões de brasileiros… e com esta juventude que ousa protestar e questionar abertamente o poder.

As oligarquias caquéticas que ainda empesteiam o Brasil estão com saudades da ditadura.

A casa-grande tem suas ferramentas anti-democráticas para perpetuar o atraso: PM, Stf, PiG.
Mas nem todo o inferno unido será capaz de impedir que o Brasil se livre definitivamente da pior “elite” do mundo.

Vamos implodir a casa-grande e acabar com a moleza desta burguesada vagabunda!

FrancoAtirador

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Enquanto houver essa ilusão de que o Brasil é um País Democrático,

só porque aqui há eleições regulares para o Executivo e o Legislativo,

não haverá avanço sócio-cultural para que se conquiste a Democracia.
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renato

Parece que nestes tempos últimos, uma coisa, ou sentimento,
tenha realmente sido sequestrado de nosso meio, depois das manifestações ela realmente ficou embotada, já não anda entre nós, nem na sua casa ela consegue repousar, já que é encoberta pela boca grande de um símbolo, num único momento nacional ela trafegou pelas nossas ruas, mas já foi esquecida. VERDADE, VERDADE, onde andarás..

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